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Por Thiago Colas 22/05/2011 As vezes, uma única obra é capaz de acabar quase que totalmente com a carreira de um artista. E as vezes, essa mesma obra, no futuro, passa a ser considerada uma de suas obras primas. Freaks, ou, em português, Monstros, é provavelmente um dos exemplos mais claros disso, e um dos filmes menos conhecidos da era de ouro da do cinema de terror. Mas antes de falarmos do filme, um pouco de história. Antes de ser diretor de cinema, Tod Browning fugiu de casa para trabalhar em um circo, primeiro como contorcionista, depois como apresentador e mestre de cerimonias. Eventualmente ele acabou passando para os filmes, e escreveu seu nome na história do cinema como o diretor da mais clássica de todas as versões de Drácula, estrelando Bela Lugosi pela Universal, e que literalmente criou a imagem do mestre dos vampiros na imaginação popular. Sua carreira artística estava literalmente no auge. E com isso, a MGM o contratou e pediu um novo filme de Terror à Browning. Quem teve a ideia do roteiro foi o anão Harry Earles, com quem Browning havia trabalhado antes em A Trindade Maldita. Com base em um conto de terror chamado Spurs, publicado na revista Munsey's Magazine em 1923, Browning criou o conceito de um filme de terror passado em um circo, tendo como protagonistas os personagens típicos dos circos norte-americanos da época: as "aberrações". Vale dizer que, naquela época bem antes dos defensores dos direitos dos portadores de deficiências, muitas vezes a única maneira dessas pessoas ganharem a vida era exatamente se apresentando em um circo. E Browning conhecia muito bem esse mundo. Com carta branca da MGM para dirigir o filme e com uma ideia bem definida na cabeça, Freaks começou a ser filmado. O roteiro era simples. A história se passa em um circo que, entre inúmeras outra atrações, exibe pessoas com deformações, como anões, gêmeas siamesas, etc. O anão Hans (Harry Earles) se apaixona pela trapezista Cleópatra (Olga Baclanova), rejeitando o amor da anã Frida (a irmã de Earles na vida real, Daisy) Cleópatra descobre que o anão é rico, e decide se casar com ele para depois envenena-lo e herdar seu dinheiro, com a ajuda de seu amante, Hercules (Henry Victor), o homem forte do circo. Durante a cerimônia de casamento, todos os deformados cantam “Nós a aceitamos, uma de nós!”, na cena mais conhecida do filme, que pode ser vista aqui. Cleópatra fica horrorizada com o canto e, ficando com Hercules, humilha as “aberrações”. Então, em uma noite com tempestade e relâmpagos, e seguindo sua lógica de “mexeu com um de nós, mexeu com todos”, eles decidem se vingar. Hercules é castrado e passa a se exibir cantando em Soprano e Cleópatra é mutilada e passa a ser exibida como uma mulher-pato. Para atuar no filme, Browning escalou deformados reais, como Johnny Eck, que não tinha a metade inferior do corpo; Prince Radian, o “homem-torso”, nascido sem braços nem pernas, mulheres barbadas, “pinheads” (na verdade microcéfalos: pessoas com cabeças muito menores do que o normal, quase sempre deficientes mentais e anãs), Frances O´Connor uma mulher sem braços, o hermafrodita Josephine Josephs, etc. A metade inicial do filme é quase que exclusivamente a exibição da rotina do circo e da vida dos deformados, tendo cenas como o homem torso acendendo um cigarro com a boca, ou a mulher sem braços comendo com os pés; assim como a interação destes com os membros “normais” do circo, exibindo inclusive uma cena da mulher barbada dando a luz. Vale citar que, ao contrário do que parece, Browning tinha um profundo respeito por essa pobre gente. Inclusive, passava mais tempo com eles do que com o elenco saudável do filme, que alem do casal de vilões incluía um casal amigo dos deformados, e uma velha senhora (Rose Dione) que protegia e cuidava deles. E os deficientes também estavam contentes com a maneira que as filmagens corriam, fazendo amizade com os atores e sendo representados como seres humanos, com amigos, paixões e respeito próprio. A lógica por trás do filme era bem simples: pessoas pagam para ver deficientes em circos. Filmes de terror também atraem grandes públicos. Combinar ambos resultaria em sustos garantidos. Infelizmente, deu certo demais. Na sede da MGM, os cenários do filme eram evitados por todos os outros trabalhadores, que sequer se aproximavam do estúdio em que o filme era gravado, a menos que fosse absolutamente necessário. Na exibição teste, pelo menos metade dos espectadores fugiram da sala antes do final do filme. Mesmo com diversos cortes, incluindo a castração de Hercules (o destino dele nas versões restantes do filme nunca é mostrado, e a cena dele cantando em falsete é considerada perdida), o filme foi banido do Reino Unido por 30 anos, e muitos cinemas se recusaram a exibi-lo. Mesmo hoje em dia, é impossível assistir esse filme e não sentir um arrepio na espinha, mesmo os mais habituados a cenas de terror entre nós. As pessoas tinham náusea vendo o filme, e isso praticamente encerrou a carreira de Browning, destruindo sua credibilidade perante os estúdios e para o público. Ele só conseguiu fazer mais quatro filmes depois disso, nenhum deles bem sucedido ou reconhecido. A teoria mais aceita explicando esse filme vem do passado de Browning. Tendo vivido no circo por um bom tempo, onde pessoas com deformidades eram comuns, Browning desenvolveu um grande respeito por eles. Ao mesmo tempo, ele se habituou às deformações, e isso o tornou insensível a boa parte das cenas filmadas. Os atores do filme, tanto os saudáveis quanto os deformados igualmente estavam insensíveis a tais cenas por causa do convívio durantes as filmagens. Assim, não havia ninguém com a percepção do homem comum que pudesse alertar Browning do quanto o filme era repulsivo. Monstros ficou esquecido durante anos, até ser redescoberto em 1962, em uma retrospectiva no Festival de Cannes, quando foi incluído na “talvez meia dúzia de grandes filmes de terror de todos os tempos” e pela contracultura americana. Freaks é uma obra prima do cinema de terror, que alem de assustar, nos faz refletir como tratamos aqueles que são diferentes de nós. Uma versão nacional foi lançada em 2005 em DVD pela Magnus Opus, e vale a pena se correr atras e assistir. Vai ser uma experiencia única. |
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