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Por Elydio dos Santos Neto 11/04/2011 Quando olhamos para as HQ brasileiras, logo no primeiro momento, identificamos as grandes batalhas que desenhistas, roteiristas, editores e apaixonados por esta forma de arte e comunicação têm travado, desde os seus primeiros tempos, para conseguir impor-se em um mercado que se rende, por motivos econômicos e ideológicos, ao material produzido no exterior, notadamente nos EUA. Infelizmente, e apesar do avanço e reconhecimento que muitos autores brasileiros já conseguiram, ainda grande parte de nossa produção de histórias em quadrinhos permanece restrita a um público muito pequeno. E aos longos dos anos, desde Angelo Agostini, não têm faltado bons talentos nas terras brasileiras para expor sua visão de mundo por meio dos quadrinhos. Gerações se sucedem e as influências antigas e novas criações vão sendo elaboradas e re-elaboradas, de forma que os quadrinhos brasileiros vão sendo, também eles, uma forma de ver, ler, pensar e comunicar o mundo, mostrando como o temos visto desde as terras brasileiras com seu contexto de beleza, contradições e desigualdades. Ainda hoje discutimos o que significa uma história em quadrinhos brasileira. Edgard Guimarães, no seu livro “O que é História em Quadrinhos Brasileira” (Marca de Fantasia-2005), retoma o assunto mostrando concepções diferentes sobre “o que é história em quadrinhos legitimamente brasileira”. Pessoalmente considero que todo trabalho produzido no contexto brasileiro, ainda que com autores estrangeiros e temas universais, e que leve o leitor brasileiro a refletir sobre sua condição humana e brasileira (regional ou local) é uma história em quadrinhos brasileira digna de ser considerada, desfrutada, refletida, analisada e avaliada. Neste sentido interesso-me por estudar as contribuições que a Editora Edrel, em São Paulo, entre os anos das décadas de 1960 e 1970 (tendo em Minami Keizi um de seus fundadores e, talvez, seu principal idealizador!), deu para a construção das histórias em quadrinhos brasileiras, tanto no sentido de abrir espaço para a manifestação de novos artistas, desenhistas ou roteiristas, como no sentido de inovar quanto ao gênero das histórias publicadas. Alguns estudiosos apontam para esta contribuição,como Franco de Rosa, no depoimento a seguir:“Imagine-se estar em 1967, quando as revistas de histórias em quadrinhos eram divididas em três facções: As de heróis como Tarzan, Zorro, Super-homem, Fantasma e Cavaleiro Negro. As de séries cômicas infantis como Gasparzinho, Brasinha, Luluzinha e Tio Patinhas. E o gibi para adultos, as podreiras do terror, criados por brasileiros. Imagine chegar então no jornaleiro da esquina, naquela banquinha pequena que possuía no máximo 50 revistas diferentes em seus cordéis, e mais de 20 títulos de jornais na bancada. Daí, encontrar preso por um prendedor de roupa em um barbante, um gibi chamado Ninja, o Samurai Mágico, estampado na capa, em close, um descabelado, com cara de bêbado, um espadachim com roupa estranha em destaque, e um selo editorial, com um garotinho desenhado no estilo do Gasparzinho. Você ficaria chocado, como ficaram todos naquela época. Pela primeira vez via- se um gibi que reunia em suas páginas todos os elementos das facções citadas acima. Um gibi que não se sabia se era de heróis, terror ou infantil e que trazia uma aventura da época do Japão feudal. A história narrada em ritmo de desenho animado, com muito mais quadrinhos por página do que estávamos acostumados a ver e cheio de personagens com nomes impronunciáveis. E além de tudo, tinha um roteiro absolutamente original. É. O mundo dos comics para quem teve a sorte de ler aquele gibi, lançado pela novata Editora Edrel, nunca mais poderia ser o mesmo.”. Ou como afirma Roberto Guedes, em seu livro “Os Super Heróis Brasileiros” (Opera Graphica, 2004): ”Minami Keizi foi, sem dúvida, um dos grandes pioneiros dos quadrinhos brasileiros. Mas, de acordo com ele mesmo, tratava-se de um ilustre desconhecido até meados da década de 1980, quando, então, seu nome começou a ser divulgado como o “primeiro desenhista brasileiro de estilo mangá”, ou como o “primeiro editor de quadrinhos eróticos do Brasi”, graças às extensas matérias feitas na Folha da Tarde pelo jornalista Franco de Rosa.”. É preciso acrescentar ainda que além dos motivos acima expostos, há também uma razão afetiva por este meu interesse. A Editora Edrel marcou uma parte muito significativa de minha adolescência, quando, morando na cidade de Pindamonhangaba, desejava ser desenhista de histórias em quadrinhos. De fato cheguei a ser aluno do Curso Comics de Desenho. Este curso era promovido pela Edrel e era por correspondência. Foi por aí meu primeiro contato com os trabalhos dos desenhistas Fernando Ikoma, Cláudio Seto, Paulo Fukue, Fabiano Dias, Roberto Fukue entre outros. Particularmente, naquele período, gostava muito da arte de Fernando Ikoma. Acompanhei também seus trabalhos quando colaborou como desenhista de algumas histórias do Judoka, herói favorito de minha adolescência. Até hoje guardo comigo o exemplar do livro “A técnica universal das histórias em quadrinhos”, de autoria de Fernando Ikoma, que adquiri e que percorri as páginas, não sei quantas vezes, fazendo e refazendo as lições que ele sugeria. Posteriormente meus interesses, por diversos motivos, tomaram outros rumos e eu me formei como professor e pesquisador na área de Educação. Neste caminho estou ainda hoje,feliz, mas, desejoso de poder aproximá-lo de minha paixão de adolescente. Paixão que não morreu e que parece ganhar, neste momento, condições para se expressar e amadurecer. Em meu retorno mais efetivo ao mundo da arte seqüencial encontrei um mercado brasileiro de quadrinhos (formal e informal) tomado pelos mangás e pelas histórias adultas dos mais variados tipos. Alguns elementos desta presença eu identificava em minha memória relativa a Edrel. Quando comecei a examinar os textos dos comentaristas e dos teóricos relativos a este período e mais especificamente em relação à Edrel, bem como várias entrevistas à disposição em sites na internet, comecei a considerar a possibilidade de explorar, com registro de memórias e análise reflexiva dos trabalhos produzidos, com mais profundidade a história da Edrel com a finalidade de identificar que contribuição deu às histórias em quadrinhos brasileiras. Quem foi Minami Keizi Minami Keizi foi jornalista, escritor, desenhista e astrólogo com colaboração regular no Jornal Nippo-Brasil. É hoje reconhecido como um dos grandes pioneiros dos quadrinhos brasileiros, principalmente por ser um dos primeiros e principais introdutores do estilo mangá no Brasil, além de ter colaborado para a constituição de novos gêneros de histórias em quadrinhos voltadas para o público adulto. Também ajudou, seja como editor e mesmo como desenhista, a abrir espaços para novos talentos e a formar desenhistas e roteiristas para as histórias em quadrinhos no Brasil. O reconhecimento de seu trabalho, no entanto, é bastante recente e um dos sinais que o expressam é o fato de Minami Keizi ter sido agraciado no ano de 2004, com o Troféu Ângelo Agostini na categoria de Mestres do Quadrinho Nacional, premiação promovida pela Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo (AQC-SP) mediante votação aberta para diferentes categorias e com um Premio HQ Mix em 2008,também como mestre da HQB. Desde muito jovem, com apenas 21 anos, começou a trabalhar como editor e atuou em várias editoras. Foi um dos fundadores da Edrel que, entre os anos de 1960 e 1970, marcou forte presença no campo editorial dos quadrinhos, publicando, em grandes tiragens, histórias em estilo mangá, histórias eróticas, histórias adultas de caráter psicológico, histórias onde se mesclavam textos escritos e imagens da arte seqüencial (prenúncios das Graphic Novels que viriam posteriormente!), revistas de piadas, vários tipos de livros e ainda organizando um curso de desenho de histórias em quadrinhos por correspondência, o “Curso Comics”. Como já afirmei, colaborou também com o lançamento de novos artistas no Brasil, artistas que marcaram época e ajudaram a formar as novas gerações de desenhistas e roteiristas. Destaco, entre os vários, Cláudio Seto, Fernando Ikoma e Paulo Fukue. Escreveu mais de 800 livros, colaborou como astrólogo para o semanário Nippo-Brasil e também para diversos semanários do interior. Faleceu em 14 de dezembro de 2009, em Itapevi, na Grande São Paulo. Foi um ser humano, assim complexo – tecido a partir de muitos e diferentes fios,indissociavelmente interligados – que esteve permanentemente criando e recriando cultura, fazendo e refazendo a si mesmo como sujeito, como pessoa. É a partir desta forma de compreender a condição humana que quero pensar sobre a contribuição de Minami Keizi e da Editora Edrel para a história das HQs no Brasil e sua influência sobre o processo de constituição dos brasileiros como sujeitos, como seres humanos. Minami e o grupo de artistas que reuniu na Editora Edrel auxiliaram a trazer para o cotidiano de grande massa do povo brasileiro aspectos escondidos, reprimidos, esquecidos, desprezados ou negados de nossa condição humana. E fizeram isto pela porta da sensibilidade e do imaginário: com textos, imagens, corpos nus, piadas, quadrinhos, romances, fotonovelas e um curso de desenho por correspondência que atingiu a marca de 2000 alunos. Fizeram isto mostrando as possibilidades do estilo mangá, seja nas histórias de samurais ou nas infanto-juvenis com apelos de “contos de fada”; criando revistas para o público adulto e possibilitando discussões, limitadas a cada contexto, em torno da filosofia e da psicanálise ; explicitando, às vezes de maneira mais aberta e outras de forma mais sutil e intelectualizada, os dramas do desejo e da sexualidade; favorecendo o confronto com os aspectos sombrios do ser, pelas histórias de morte e “terror”. Minami Keizi pensava no entretenimento e na inovação, além, é óbvio, de estar determinado também pelas inúmeras malhas de controle do sistema capitalista, afinal, tinha que sobreviver no mercado. Não importa. Colaborou com o processo de desvelar, para a grande massa, aspectos ou desconhecidos ou ignorados de nosso modo humano de ser. O Brasil que surge a partir dos anos de 1960, apesar de toda sanguinária repressão que experimentamos na dolorosa ditadura militar, é um outro Brasil no que diz respeito a religação com os diferentes, e contraditórios, aspectos da condição humana. Por certo isto instala um desafio que ainda precisamos enfrentar: como auxiliar o processo educativo destes seres humanos, brasileiros e complexos, que precisam integrar positivamente estes tantos diferentes fios que os tecem, de forma a chegarem a constituir-se não como uma cultura de medo, violência e exploração, mas como uma cultura de beleza, justiça e solidariedade? Desafio de hoje e dos próximos tempos. Desafio para o qual a arte seqüencial, sem dúvida, pode ajudar a construir respostas. Vejam na próxima semana a entrevista que realizei com mestre Minami, em abril de 2006. Provavelmente uma das últimas que concedeu antes de falecer. |
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