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Entrevista: Daniel "Juca" e Daniel Paiva
Por Marcio Baraldi
28/03/2011

"Nosso próximo filme será o 'Malditas Cartunistas'! As mulheres merecem um filme só pra elas!"

Todo mundo sabe que, infelizmente, o Brasil não tem memória e não valoriza sua própria produção cultural. Nós, quadrinhistas, que o digamos! Porém, graças a dois cariocas, o cartum brasileiro já tem pelo menos um bom documentário para registrá-lo. Trata-se de "Malditos Cartunistas", de Daniel Garcia e Daniel Paiva, que estreou (ainda inacabado) na Rio ComiCon em novembro passado e já vem conquistando bom espaço na mídia. Com "Malditos Cartunistas", Garcia, mais conhecido como "Juca" (na foto, de camisa xadrez) e Paiva (de camiseta cinza) tapam uma lacuna no cartum brasileiro e ao mesmo tempo abrem espaço para a produção de mais obras que registrem e valorizem essa profissão tão...tão...maldita! A própria dupla, por exemplo, prepara um próximo documentário, desta vez focado apenas nas mulheres da categoria.

Mas, engana-se quem pensa que Juca e Paiva são somente os produtores do documentário mais aguardado do ano (que já está nos retoques finais), os dois Daniéis são também hilários cartunistas, colaboradores das revistas Tarja Preta e Golden Shower, e legítimos representantes da atual geração da HQ underground carioca. Nesse papo descontraído e bem-humorado, os dois xaropes falaram de tudo: as dificuldades de fazer o documentário, o cartunista Glauco, muita maconha e, claro, muitos Quadrinhos também! Com vocês, diretamente do planeta Hemp, dois cartunistas "da lata", com idéias puras e nada malhadas! Alguém tem seda aí ?

1 - Vamos começar dando uma geral na carreira de vocês. Pra quem ainda não conhecia vocês antes desse documentário, o que fizeram nos quadrinhos?

Juca - Eu fiz fanzines nos anos 90 (risos) como o "HC pra mim e pra você!" e o "Motivo de Chacota", mas comecei a publicar os quadrinhos pra valer mesmo na revista Tarja Preta. Também publiquei na Dynamite, na Mosh, Matanza Comix e outros que não lembro agora. Além disso, trabalho como ilustrador, designer gráfico e DJ de umas festas aqui do Rio.
Paiva - Eu também comecei a publicar quadrinhos na Tarja Preta e depois em outras revistas independentes como Mosh, Glamour Popular e Golden Shower. Além de quadrinhista também sou músico, toco trompete na Fanfarra Paradiso, responsável pela trilha sonora do documentário, e nas bandas Luísa mandou um beijo e Orquestra Voadora.

2 - A revista Tarja Preta reunia a nata do atual quadrinho underground carioca. Como foi a experiência de reunir essa tropa toda numa revista só? E por que a revista parou em 2009 (no número 6)?

Juca - Quem disse que parou?!? É revista de maconheiro, mano! É bienal, relaxa aí que vai sair uma ainda esse ano.
Paiva - Sobre reunir a galera toda; o Capitão Presença, do Arnaldo Branco, é o personagem da revista que proporciona isso. O Capitão Presença é presença obrigatória na revista (risos)! Todo mundo quer desenhar o Preza, então vão chegando no email do Matias Maxx (notório doidão que inspirou o personagem, grande cartunista e editor da Tarja) colaborações do Brasil inteiro.

3 – Legal! Grande Capitão Presença!!! Agora aproveitem e dêem uma geral como está o atual cenário de HQs no Rio. Continuam surgindo novos nomes aí? Quem são os destaques do momento na HQ carioca?

Juca - Ah, tá a mesma merda de sempre (risos)!... Mas teve a Comicon, surgiram novas editoras, então parece que tem boas perspectivas por aí.
Paiva - De galera nova tem o pessoal da Beleléu, que é um coletivo formado por Stevz, Elcerdo, Arruda e Daniel Lafayete, a nova geração da HQ carioca. Eles mandam muito bem! De revista nova teve a "Golden Shower", da Cynthia B, que já tá indo pro segundo número.

4 - O Humor carioca sempre foi muito escrachado e politicamente incorreto: Jaguar, Nani, Ota, Casseta e Planeta. Começando pelo Barão de Itararé, que foi o pai de todos. Vocês acham que o clima praiano contribui para esse jeito descontraído e sarrista dos cariocas?

Paiva – Putz, não tem praia aí em São Paulo, não? Como é que vocês conseguem (risos)?!?
Juca - Com certeza a praia influencia o humor sim. Mas, porra, Chiclete com Banana também era muito escrachada e politicamente incorreta, né?!

5 - É verdade! Mas vocês lembram que nos anos 80 havia uma espécie de "rixa" entre o rock paulista e o carioca? O paulista era visto como sério, existencialista, cinzento, deprê, enquanto o carioca era colorido e alegre. Vocês acham que ocorre o mesmo nos cartuns e quadrinhos?

Juca – Porra, meu, rock brasileiro dos anos 80 é uma merda, né (risos)?!?
Paiva - Ainda bem que não acontece o mesmo nos quadrinhos. Os anos 80 foi uma das épocas mais clássicas pros quadrinhos, principalmente os paulistas (Chiclete com Banana, Circo, Geraldão, Níquel Náusea, etc)!...

6 - O assunto principal da Tarja Preta é a maconha. Sabemos que o tráfico transformou a cidade maravilhosa num local muito violento (naturalmente não o único do país). Na opinião de vocês, como resolver esse problema? A legalização da maconha e outras drogas seria a solução?

Paiva - Em primeiro lugar, o assunto principal da Tarja é maconha e PUTARIA!!!! Não esqueça da putaria, por favor(risos)!
Juca - De preferência juntas (risos)!!!
Paiva - Eu acho que legalizar as drogas é a solução para os nossos problemas, pra gente poder consumir sem encrencas. Mas o problema da violência vai continuar porque a causa dela na verdade não são as drogas, mas sim a desigualdade sócio-econômica, a falta de atenção aos grandes problemas sociais, etc...

7 - E como está o clima aí no Rio depois que o exército invadiu os morros? A violência realmente caiu e as pessoas vivem mais tranquilas? Vocês acham que essa medida realmente conterá a violência ou foi só pra inglês ver?

Juca - O clima agora está chuvoso, mas rolou uma praia no fim de semana (risos)!...
Paiva - Pois é, a mídia vende essa imagem de paz, mas na verdade continua tudo igual. O que está acontecendo agora é que está mudando o lugar da compra, o que inflaciona consideravelmente o preço (risos).

8 - O filho do Bob Marley lançou no ano passado o super-herói maconheiro Marijuana Man. Mas o Brasil já tinha o Capitão Presença há muitos anos. Vocês não acham que o Quadrinho Brasileiro têm muitos personagens de vanguarda mundial? Até na maconha nos somos vanguarda (risos)!

Juca - Se bem que o personagem do Arnaldo Branco também já não é o primeiro personagem maconheiro, né?!...
Paiva - Eu sou mais o Preza!

9 - Eu me lembro de uma HQ de vocês na Tarja em que detonavam com o Universo Disney. Aquilo foi hilário! Vocês ainda estão desenhando ou depois que começaram a fazer o documentário não tiveram mais tempo?

Paiva - Eu estou desenhando o capítulo final da saga de Patópolis. Vai sair na Tarja Preta número 7 ainda este ano, aguardem!

10 – Por que vocês decidiram fazer o documentário Malditos Cartunistas? E por que há tão pouco material do gênero no Brasil?

Juca - Eu tive essa idéia exatamente por que me liguei que não tinha nenhum longa sobre desenho de humor no Brasil. Até têm umas séries e programas de TV, mas falando mais sobre quadrinho, pegando também o universo de super-heróis e mangá, que a gente não aborda no nosso documentário. Aí, fumando um beise, eu comentei com o Paiva sobre a idéia e ele caiu na pilha, disse que filmava e editava. Daí nós começamos a filmar com câmera emprestada. Não tivemos saco de nos inscrever em editais e essa burocracia toda, saca?

11 – Legal. Foi "Do it Yourself" mesmo! E quantos cartunistas vocês entrevistaram e quantos acabaram entrando no documentário?

Juca - Entrevistamos uns 35, acho. Mas ao todo, temos 25 no filme.

12 - E já podemos considerar o documentário totalmente pronto? Ou ainda estão dando algumas lapidadas nele? Com quantos minutos ficou?

Juca - O longa total tem 93 minutos. Estamos terminando a parte de finalização, as animações e tal. Mas o filme já tá fechado.

13 - Vocês pagaram tudo do seu bolso, gravação, edição, viagens, etc? Ou tiveram algum apoio financeiro?

Juca - A produtora Cavideo e sua gerente Sandra Maya, nos deram um apoio, mas a maior parte foi do nosso bolso mesmo.

14 - Parabéns pela coragem! E vocês fizeram provavelmente a última entrevista com o Glauco, antes dele falecer. Como foi estar lá com ele? Aposto que vocês fizeram questão de tomar um cházinho (risos)?!

Juca - Foi muito difícil marcar a entrevista com o Glauco, pois ele sempre desmarcava, cancelava e tal. Conseguimos entrevistá-lo no mesmo dia em que te entrevistamos. Depois que te entrevistamos, tu nos levou pra falar com um amigo do teu trabalho que era do Santo Daime e que conhecia o templo do Glauco. Ele nos deu a brilhante idéia de procurar um mapa na internet. Aí achamos o mapa, imprimimos e fomos direto pra lá, sem avisar. Saltamos na estrada e andamos boa parte do caminho. Essa e outras aventuras estarão no making-off em quadrinhos que estamos fazendo.
Paiva - Lá no templo participamos de um trabalho de mesa branca, que é um pouco mais forte que o normal e nunca tínhamos tomado o Daime. Foi muito interessante conhecer esse lado de líder espiritual do Glauco, além da sua genialidade nos quadrinhos.
Juca - Além disso, ele também tocava acordeon na cerimônia, a música tava sempre presente no ritual.

15 - Grande Glaucão, que Deus o tenha! Agora, me digam: por que a Chiquinha foi a única cartunista entrevistada se há outras como a Priscila Vieira, Ciça, Natália Forcat, Rose Araújo, etc? Vocês são boiolas e não gostam de mulher (risos)?!?

Juca - Nosso próximo filme será o "Malditas Cartunistas", em que a gente vai entrevistar todas as mulheres da profissão.
Paiva - Pois é,  entrevistamos outras mulheres pro filme e chegamos a essa conclusão: elas merecem um filme só pra elas!
Juca – Ah, Baraldi, antes que eu me esqueça, tu tem irmã (risos)?!?

16 - Tenho, mas não é pro seu bico (risos). Mas depois dessa maratona toda, de conhecer a vida de tantos cartunistas pelo Brasil todo, que conclusão vocês chegaram? Vale a pena ser cartunista no Brasil?

Paiva – Bem, na verdade entrevistamos mais a galera do Rio, São Paulo e Porto Alegre. Não acho que o filme represente o Brasil todo, não.

17 – E vocês acham que cartunista será sempre uma profissão maldita ou chegará um momento que o mercado da HQ nacional será melhor para todos? Na opinião de vocês, por quê este mercado não foi pra frente até hoje? O que emperra o Quadrinho nacional afinal?

Juca - O que emperra o quadrinho nacional é o Marcio Baraldi (risos)!!!
Paiva - Pode crer (risos)!!!

18 - Muito engraçado (risos)! Mas vocês acreditam que uma lei de reserva de mercado e proteção ao Quadrinho Nacional seria uma solução para estes problemas?

Ambos juntos: Não!!!

19 – Ok. Se vocês fossem Ministros da Cultura, o que fariam pelo Quadrinho Nacional, pela animação e pelos documentários independentes como o de vocês?

Paiva - Acho que a animação e os documentários já têm muito apoio em forma de editais e leis de cultura. O quadrinho poderia ter um esquema parecido.

20 - E agora, o que vocês farão com o documentário? Vão lança-lo em DVD? Se sim, vão bancá-lo do próprio bolso também?

Paiva - Estamos na fase de mandar o documentário para festivais de cinema e eventos de quadrinhos e desenho de humor. O DVD será uma etapa posterior, eu acho.
Juca - O DVD ainda vai demorar. Vai ser só pro ano que vem, se o mundo não acabar em 2012, né (risos)? Nós já temos alguns esquemas mas nada muito certo ainda.

21 - Pra encerrar, se o gênio da lata "JAH-zam" os envolvesse numa nuvem de fumaça (cof cof) e lhes concedesse três desejos, o que vocês pediriam ?

Juca - Nunca mais dar entrevistas para o Baraldi, mulheres e muito dinheiro!
Paiva - Garotas, beque e pizza!!!

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