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Por Gonçalo Junior (colaborou Marcio Baraldi) 20/03/2011
Em 1959, depois de trabalhar nas editoras La Selva e Novo Mundo, com seu grande amigo Jayme Cortez (1926-1987, saiba mais sobre ele aqui), fundou a lendária Editora Continental, depois rebatizada de Outubro e, por último, Taíka. Os dois e vários outros sócios minoritários ligados às histórias em quadrinhos transformaram o negócio numa trincheira para o quadrinho nacional. Coube à Continental, aliás, ainda no primeiro ano de vida, lançar a revista Bidu, que marcou a estréia de Maurício de Sousa nas bancas de todo país com uma publicação própria. Maurício e os colegas, sob a orquestração de Penteado, então um insuspeito e discreto militante do Partido Comunista Brasileiro, criaram o movimento pela nacionalização dos quadrinhos que levou ao presidente Jânio Quadros (1917-1992), em 1961, uma proposta de lei que obrigaria as editoras a publicarem 66% de material nacional em seus gibis.
Miguel era um autodidata de múltiplos talentos. Criou gosto pela leitura por circunstância de uma infância difícil. Obrigado a vender jornais e revistas pelas ruas de São Paulo para ajudar a mãe, depois da morte do pai e do irmão mais velho na revolução de 1924, ele despertou seu gosto pela leitura de revistas, apesar de não ter passado da segunda série primária. Não só lia o que vendia como comprava ou pegava emprestado de amigos. Uma de suas preferidas era a revista argentina A Crítica, que misturava humor e crítica político-social pelo traço dos melhores desenhistas do país e que era importada por um distribuidor de São Paulo. A publicação não incluía quadrinhos, mas Miguel era fascinado pelas caricaturas e charges que apareciam em suas páginas. Sua aproximação com o mundo gráfico aconteceu quando ele trabalhava no Foto Labor, na região central de São Paulo. Ali, conheceu Cortez, em 1947, que sempre ia lá revelar e ampliar fotos. O local possuía uma velha máquina Multilith, que ele aprendeu a usar em pequenos trabalhos gráficos para terceiros. O contato com o jovem desenhista português foi tão animador que ele se empolgou com a possibilidade de se tornar um desenhista profissional de gibis.
Investiu, então, suas economias na contratação de algumas garotas para fazerem fotos seminuas que ele próprio tirava. Em seguida, reproduziu as poses em desenho e montou uma folhinha de calendário. Surpresa! Deu certo: Miguel, que ganhava pouco mais de 1,2 mil réis por mês, vendeu o projeto da folhinha por 30 mil réis. A dica de usar modelos vivos para fazer ilustrações foi dada por Cortez, que aprendera a técnica com seu mestre português, o desenhista E.T. Coelho. O técnico em revelação e fotógrafo amador que virou desenhista nas horas vagas passou então a fazer cartões humorísticos coloridos, cuja seleção de cores ele fazia “a unha”, como se dizia nos meios gráficos, referindo-se à limitação de equipamentos disponíveis para imprimir as cores das ilustrações – colocadas uma sobre a outra, num lento processo que sempre implicava numa grande perda de papel até se conseguir o ajuste ideal. Ao mesmo tempo, Miguel passou a ilustrar livros para a Editora do Brasil, do “doutor” Carlos Costa, que lhe foi apresentado por Cortez. Nessa editora, conheceu Álvaro de Moya e Silas Roberg, também desenhista e roteirista iniciantes de quadrinhos, respectivamente. Com a dupla faria a Primeira Exposição Internacional de Quadrinhos, em 1951.
Ele foi apresentado aos donos da editora por Cortez. “Reinaldo (de Oliveira) era empregado da La Selva, juntamente com um rapaz chamado Milton Júlio. Eles cuidavam das revistas e tentavam proteger o pessoal daqui, os desenhistas brasileiros, e davam serviço para a gente, entende? Mas era muito difícil conseguir trabalho por causa da preferência dos donos das editoras pelo material estrangeiro”, contou Miguel. Seus primeiros trabalhos publicados pela editora – que funcionava num sobrado na Rua Pedro de Toledo, na Vila Mariana – foram as capas da revista policial Seleções Enigmáticas e ilustrações de contos para a revista Gilda, a partir de 1951. A aventura pelos quadrinhos nacionais para os idealistas Miguel Penteado e Jaime Cortez estava apenas começando.
Ao ouvir as observações do amigo, Chiodi propôs-lhe o desafio de arrumar a casa. Mais precisamente, dirigir a gráfica. “Aquilo me deu muito trabalho, mas consegui colocar as coisas nos eixos quanto aos pagamentos das dívidas”. Miguel se saiu tão bem que logo estava sobrando algum dinheiro. “Decidimos até comprar um armazém na Rua Carneiro Leão. Em seguida, vendemos as máquinas tipográficas e compramos off set. Montamos a oficina e o escritório foi construído num elevado”. Apesar do sucesso, Miguel não estava satisfeito com a função, muito burocrática e que nada exigia de sua criatividade como artista. “Aconteceu que eu já estava com muita saudade do desenho. Avisava Chiodi da minha intenção em relação a isso e ele contemporizava, até que chegou um dia que quis acertar as coisas, sair. Então ele me propôs fazer uma sociedade, dividida em três partes”. Em 1959, uma turma de desenhistas e roteiristas de quadrinhos que trabalhava na La Selva decidiu sair e montar sua própria editora. Estavam juntos outra vez à frente da idéia a incansável dupla Miguel e Cortez. “Sempre estivemos insatisfeitos com a La Selva; eles (os La Selva) formavam uma empresa comercial, mas eram muito arrogantes”, explicou Miguel.
Desavenças entre Miguel e os sócios, principalmente Cortez, levaram-no a sair da editora. Ele, então, fundou a Gráfica e Editora Penteado (GEP), que seria responsável pelo lançamento de parte do material da Marvel no Brasil a partir de 1969, quando publicou pela primeira vez no país Surfista Prateado, X-Men e o Capitão Mar-Vell. Vale lembrar, que apesar da impressão preto e branco em papel barato, típica da época, esses gibis hoje são valiosos itens de colecionador disputados a tapa nos sebos. Mas, gibis estrangeiros a parte, a GEP serviu, sobretudo, para Penteado continuar seu sonho de investir no quadrinho nacional. Assim sendo, nosso bravo Don Quixote continuou sua cruzada lançando muitos títulos de guerra, terror, humor, infantis e muitos super-heróis, como Fantar (um herói-monstro submarino), Pele de Cobra, SuperArgo, e o carismático Raio Negro, de Gedeone Malagola, cujo título teve surpreendente longevidade e transformou o herói num dos maiores fenômenos de popularidade que um personagem nacional já teve, sendo cultuado e reverenciado até hoje pelas novas gerações! Investiu também em muitos livros populares, dos mais diversos assuntos, que eram vendidos, sobretudo pelo correio, um negócio bastante lucrativo na época. Porém, nem tudo eram flores e apesar das boas vendas e dos inúmeros títulos nas bancas, era o auge da ditadura militar e os infames censores não paravam de aporrinhar Penteado, criando caso com suas revistas mais erotizadas e mandando a Polícia Federal recolher tudo das bancas, acarretando-lhe grande prejuízo, além de frustração. Até que em 1972, cansado de ver suas revistas de pin-ups e piadas apreendidas pela censura, Miguel Penteado resolveu parar com a atividade de editor. Tocou sua gráfica de forma comercial até 1980 e se aposentou. Foi morar numa pequena cidade do litoral paulista, onde repousou como um guerreiro cansado, mas orgulhoso, pois jamais abriu mão dos princípios que nortearam sua vida. A missão do Don Quixote estava cumprida! |
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