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Por Carlos Patati 13/03/2011 Hoje é difícil de acreditar, mas já houve um tempo em que, ao entrar numa banca de jornal, o leitor deparava com um leque de gibis de terror – e muitos feitos por brasileiros, ainda por cima! Desenhistas talentosíssimos, de muitas origens e inclinações diferenciadas, construíram a tradição do gênero em nosso país, desde os anos 50. Artistas como Jayme Cortez, Rodolfo Zalla, Flávio Colin, Eugênio Colonnese, Júlio Shimamoto e muitos outros enfrentaram condições de trabalho muito ruins, mas produziram um corpo de trabalho cuja qualidade, do ponto de vista do desenho, não tem igual nas HQs brasileiras. No entanto, pelo pioneirismo, pelo talento, pela produtividade, o nome de um desenhista se impõe, quando se pensa no nosso quadrinho de terror. É o de Nico Rosso! Nico Rosso foi um desenhista seminal, no panorama brasileiro da ilustração e das HQs. Tanto por seu exemplo de qualidade como por sua atuação formadora, como um dos professores da Escola Pan-Americana de Arte, que ajudou a fundar. Começou a atuar aqui nos anos quarenta, recém chegado da Itália, de onde emigrou por causa da Segunda Guerra. Quando veio, apesar de relativamente jovem (nasceu em 1910) já tinha uma carreira de ilustrador, no seu país de origem. Não é de surpreender que, com sua vasta bagagem, em pouco tempo tenha se estabelecido como um dos mais prolíficos e solicitados desenhistas do seu tempo, nos mercados brasileiros. Foi um dos principais desenhistas de HQ do país, por mais que também tenha sido um dos principais ilustradores, de modo mais amplo. Fez de tudo: capas de livro e de gibi, ilustrações, anúncios, e se dirigiu a todos os públicos. Nos quadrinhos também não houve tempo ruim trabalhando desde com o infantil até o terror. Das respeitosas adaptações literárias da Ebal até o universo marginal de Zé do Caixão. Durante uma época em que havia mercado para muitos profissionais no ramo, ele se tornou o exemplo a ser seguido, com presença em todas as frentes. Começou sua inserção nos quadrinhos brasileiros pouco depois de chegar aqui, e os desenhou profissionalmente até os anos d 1980. Trabalhou com roteiros de Pedro Anísio, R.F. Lucchetti, Helena Fonseca, Gedeone Malagola, Antonio Martin, Carlos da Cunha, entre muitos outros. Embora não tenha escrito a maioria das HQs que desenhou, é certo que as terá realizado sempre num forte diálogo tanto com o roteirista como com o mundo em torno. Sabia que estava no Brasil e por isso, no conjunto da sua vasta produção, há uma temática mais brasileira. Mesmo nas histórias passadas na Europa, o tom é bem diferente do produto norte-americano. Suas personagens são bem mais sensuais que as deles, e as pessoas em geral parecem saídas de alguma cena de rua paulista. Já nos anos 60, foi um dos primeiros a abrir os olhos para o imaginário macabro brasileiro. Seu trabalho no gibi de Zé do Caixão, na época em que os filmes deste eram populares, já foi na esteira de uma presença nos gibis de terror, dos quais participou com assiduidade. Foi o principal desenhista de Drácula no nosso país, e de lobisomem também. Sem deixar de ter sido quem trouxe, com Lucchetti, com Antônio Martin, com Carlos da Cunha, a macumba para dentro das páginas de gibis. Muitos exemplos, em sua obra, servem para sustentar essas idéias. Decidimos prestar mais atenção, contudo, pela qualidade dos desenhos, e pela do texto também (uma coisa rara, na época), num produto muito típico dos anos 1960, ligado na agenda cultural e política da época: "Terrir! Histórias de terror que vão fazer você morrer...de rir!” Escritas por Antonio Martin, a série era protagonizada pela bruxa Lucivalda (a “bruxa caixa alta”, que andava de aspirador de pó e não de vassoura) e pelo pai de santo Nicolau Praxedes, tendo sido publicada pela Editora Taika com certeza mais de uma vez. Além dos dois principais personagens, a Roseléia, o Lobis-Boy e ainda alguns outros garantiam a presença da série no universo de interesses do público que procurava, que não era o infantil. Os autores sabiam que não estavam falando só com crianças, mas com jovens tão impressionados quanto eles, com as notícias nos jornais e na TV. A série, com veia satírica afiada, lidava com assuntos como a jovem guarda, reunião de condomínio, programas de auditório, movimento estudantil, filmes de 007, festivais de canção, a ousadia das garotas de minissaia, e por aí vai, temas naquela época “na cara” dos leitores. É nítido, como se pode ver, que o desenhista estava entusiasmado. Infelizmente, não temos acesso às informações sobre a venda desses gibis, se foi boa ou não. O que indica isso é o fato dessas HQs, que lidam com temas do começo dos anos 60, terem sido reeditadas nos anos 70. Tanto quanto nas aventuras de Naiara, a Filha de Drácula, (de Helena Fonseca) ou do Lobisomem de Londres (de Gedeone Malagola) a sensualidade das mulheres é muito explorada, nessas HQs que, curiosamente, não atraíram os olhos da censura. Precursoras como foram, do quadrinho abertamente erótico que se fez mais tarde, isso era de se esperar. Sorte nossa! Por mais que os tempos sejam outros, que as questões hoje colocadas para os jovens sejam muito mais sérias, não há como deixar de lamentar que um material alerta como esse, que dá um testemunho tão rico de sua época, caia no esquecimento. Em tempo: Nico Rosso faleceu em 1981, depois do terceiro enfarte. Seus netos hoje mantém um blog em sua homenagem, que com toda certeza merece ser visitado. Evoé!! |
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