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Entrevista: Fernando Ikoma
Por Marcio Baraldi
02/03/2011

“Eu não deixei os quadrinhos, foram os quadrinhos que me deixaram!”

Imagine que você é um menino que achou um gibi velho num sebo e ficou hipnotizado por ele. Imagine que você guardou aquele gibi como um tesouro por mais de vinte anos. Imagine que, depois desse tempo todo, você conheceu e entrevistou o autor daquele gibi. Pois é, foi o que aconteceu comigo ao realizar esta entrevista com o Mestre Fernando Ikoma, autor do Fikom, o tal gibi que me hipnotizou na infância!

Ikoma é um dos mais controversos e "misteriosos" autores que já passaram pela HQ nacional. Surgiu do nada, fez zilhões de coisas bacanas que marcaram uma época e desapareceu do nada novamente. Tudo assim, aparentemente sem mais nem menos! Pois nesta entrevista se saberá os verdadeiros motivos que levaram um jovem desenhista de talento e expressão a sumir do mercado de Quadrinhos sem deixar vestígios e ressurgir em outro estado do país como Artista Plástico de grande sucesso, tal qual uma fênix! A vida de Ikoma, hoje com sessenta e poucos anos, daria um filme muito louco, são tantas histórias que o mestre tem pra contar que renderia não uma simples entrevista, mas um livro inteiro (coisa que alguém deveria fazer urgentemente, né, Gonçalo?)! Mas como isto é um site sobre quadrinhos e não um livro, me concentrei em sua carreira de quadrinhista, deixando de lado sua brilhante carreira de pintor de quadros, que ficará para outra ocasião.

Uma curiosidade é que esta entrevista já era pra ter sido feita há alguns anos atrás, quando eu descolei o contato do Ikoma, mas por uma ironia do destino o abordei no exato momento em que se despedia de sua mãe no hospital. Por motivos óbvios, não houve clima pra fazê-la na ocasião. Agora, recuperado do baque, da mesma forma que se recuperou de tantos outros ao longo de sua turbulenta vida, Mestre Ikoma ressurge revigorado, bem-humorado e disposto a recuperar sua obra, cujas páginas há muito se perderam nas curvas dessa infinita highway.

Oras, tarefa fácil para quem possui o medalhão mágico das maçãs! Pois agora, dêem todos uma mordida no fruto proibido e alucinógeno de Ikoma e mergulhem no mundo onírico de Fikom!!! Boa viagem!

1 - Mestre Ikoma, em primeiro lugar, quero que você saiba que pra mim é uma honra fazer esta entrevista com você! Sou seu fã desde moleque e nunca imaginei que um dia iria conhece-lo!!! Você é tão genial que eu pensava que você era um Extra-Terrestre (risos)! Você nasceu na Terra mesmo? Fale como foi sua infância, você era vidrado em gibis desde moleque?

Muito obrigado, Marcio! Sou da Terra mesmo, com os pés fincados no chão e talvez com a cabeça na Lua ou em Marte (risos). A minha infância foi no interior de São Paulo, nasci em Presidente Prudente, e foi bem dura. Eu e minha família passamos muitas dificuldades. Quanto aos gibis, eu e  meus irmãos éramos vidrados deles, mas a falta de recursos nos limitavam (e muito ) o acesso.

2 - Mas você foi, desde moleque, uma espécie de "menino-prodígio" da publicidade, né?Você com 19 anos já era um bam-bam-bam de Agência e ganhava uma nota preta. Mas você largou tudo pra fazer quadrinhos. Fale dessa tua decisão na vida.

A minha decisão de largar a publicidade foi devido a vários motivos:
A - Trabalhava pra burro!
B - Tinha que criar a maioria dos anúncios, logomarcas, etc, e quando achava que tinha criado algo genial, o dono da empresa anunciante já tinha outra idéia na cabeça, geralmente algo do tempo da onça. Como naquele tempo o freguês tinha razão mesmo, abortavam a obra-prima na maior cara de pau, o que era muito frustrante!
C - Fiquei muito estressado e muito doente. Só quem teve um estresse agudo, junto com uma sinusite fulminante pode entender o que eu passei!
D - Tinha germinado em minha mente a idéia de fazer quadrinhos. Mas não tinha a menor idéia que os profissionais de HQs também ralavam bastante.
E - Naquele tempo o pessoal da HQ eram famosos e eram reconhecidos por suas virtudes, enquanto na publicidade você podia criar algo genial mas
continuaria no anonimato.

Ou talvez eu quisesse apenas achar alguma saída para algo que eu estava abominando, que era a publicidade. Seja como for, a verdade é que me fixei em fazer HQ e apanhei um bocado nesse intento. Nessa época eu já morava no Paraná com minha família e viajava direto pra São Paulo pra procurar emprego nas editoras. Todas batiam a porta na minha cara. Acho que fui à lona umas vinte vezes em pouco mais de um ano!

3 – Uau! Você é o Rocky Balboa dos Quadrinhos (risos)!!! Mas você conheceu o Minami Keizi, da Editora Edrel, numa loja de sapatos e ele te deu emprego na editora dele, não foi? Quanto tempo você ficou na Edrel e de quantas revistas você participou lá?

Eu era um cara extremamente tímido e teimoso. Era somente pela minha teimosia que eu ainda continuava tentando ser quadrinhista, mas já estava derrotado. Na última viagem que fiz para São Paulo ( era pra ser a última mesmo!) um carinha de uma editora me fez desistir de vez de ser quadrinhista. Aí eu entrei numa loja de sapatos para comprar vários pares e revender no Paraná, porém, curiosamente, conheci um vendedor na loja que me apresentou a um cliente que lá estava experimentado sapatos. Era o Minami Keizi! Aí o Minami apontou para o pacote que eu levava embaixo do braço e perguntou-me, quase que afirmando, se eu tinha algumas histórias ali. Realmente eu tinha e era do meu super-herói Fikom. Aí ele ficou com o pacote e disse que iria dar uma olhada mais tarde com calma e ficou por isso mesmo.

Voltei pro Paraná, passou um tempinho e, de repente, pro meu espanto, o gibi do Fikom apareceu, como que um milagre, nas bancas, já editado e impresso(risos)!!!

Naquele tempo os meios de comunicação eram as cartinhas. Nunca tive telefone e aí recebi uma carta do Minami, não para me parabenizar pelo gibi e sim para me despedir, alegando que eu o tinha traído com outra editora. Então da primeira vez que trabalhei pra Edrel, nem cheguei a conhecer a editora. Mal comecei e já fui despedido por carta (risos)! Quando li aquilo achei que o Minami tinha se arrependido do gibi ou que a edição tinha sido um fiasco e ele estava se esquivando com uma desculpa esfarrapada, que eu o tinha traído me bandeando para outra editora, o que não era verdade.

Foi um golpe duro, mas voltei à luta. Eu iria atrás de outra editora, menos da Edrel, pois achava que o Minami não tinha jogado limpo comigo. Aí, passando em São Paulo, entrei na tal lojinha de calçados novamente e por coincidência incrível lá estava o Minami outra vez!!! Eu fiquei quieto na minha e aí, como se nada tivesse acontecido, o Minami me perguntou se eu tinha coisa nova ali no meu pacote e convidou-me para almoçar. E assim começou a minha 2ª etapa na Edrel!

Nunca mais tocamos no assunto daquele mal-entendido, mas pela convivência e amizade que desenvolvemos, ambos sabíamos que nenhum de nós seria capaz de um ato de trairagem. Minha história na Edrel durou uns 4 anos.

4 - Muito louca a história! O destino os aproximou mesmo! E lá na Edrel você se revelou novamente um "garoto-prodígio", mas desta vez dos Quadrinhos! Você ficou pouco tempo no mercado mas produziu milhares de páginas. Fale um pouco da sua rotina dessa época. Você ganhava bem como Quadrinhista ou passava fome (risos)? O público e a crítica te valorizavam, te assediavam, ou ninguém te deu bola (risos)?

A gente não ganhava mal, mas como eu era arrimo de família, eu precisava ganhar mais, por isso a saída era a produção em massa! Tinha que ter quantidade em detrimento da qualidade, o que era uma pena. Naquele tempo os Quadrinhos eram bem mais difundidos e nas revistas sempre apareciam reportagens sobre os autores, por isso a gente recebia cartas do Brasil inteiro. A maioria pensava que a gente nadava num mar de rosas e algumas nos pediam alguma coisa. Até pedido de namoro teve, pois nós éramos bastante jovens e a editora caprichava nas nossas fotos (risos)! A crítica foi generosa comigo também. Tenho várias reportagens de página dupla de diversos jornais, mas as que guardo com mais carinho foram as que saíram depoimentos do Minami a meu respeito, quando a Edrel estava no auge. E também os que o Claudio Seto fez sobre mim, 20 anos depois.

5 - Na minha opinião, os gibis que mais projetaram seu nome foram os super-heróis Fikom e da Sibelle, a espiã de Vênus. Você será eternamente lembrado por esses dois personagens! Você é uma espécie de Sex Pistols ou Nirvana dos Quadrinhos, pois ficou pouco tempo no mercado mas produziu uma obra original, que as pessoas redescobrem até hoje. Você não fica surpreso de ver as pessoas te procurando 40 anos depois pra falar sobre esse gibi?

Realmente, Marcio, depois de 40 anos!... Fico surpreso mesmo! Para alguns jornalistas o Fikom deixou a sua marca, assim como a Sibelle, a espiã de Vênus. Para outros Satã, a alma penada e a Gang do Playboy foram as melhores. Há um convite para uma reedição de um livro com as 10 primeiras histórias de Satã . Só consegui pela internet baixar uma história... faltam 9 ainda. Para a Edrel, os títulos mais importantes foram da linha sátira-comédia, "A Turma da Cova", "Maria Esperançosa & Maria Conformada",  "Zé Experimentadinha" e , principalmente, o "Paquera", que era o carro-chefe da editora.

Eu, particularmente, gostaria de rever as histórias avulsas de drama e ficção que produzi, umas cem. Considero que em algumas delas fui mais feliz. Para mim, as minhas HQs eram um assunto do passado, morto e sepultado.  Tanto é que eu mesmo não tenho mais nenhum original, nem tampouco as revistas! É surpreendente que volta e meia apareça uma história que alguém guardou com mais carinho que eu próprio. Fico muito grato por esse resgate, ao mesmo tempo que lastimo a minha falta de interesse em preservar a minha própria memória!

6 - Lembro até hoje que quando eu li o Fikom eu fiquei fascinado! A história de origem do cara é simplesmente GENIAL!!! É algo totalmente original até hoje!!! O medalhão dentro das maçãs, o casal conversando embaixo da macieira, de onde você tirou aquela idéia doida afinal? Tem a ver com Adão e Eva e o fruto proibido?!?

Naquele tempo, não sei se por causa da publicidade, ou se por causa de meu pai que tinha uma imaginação fértil, criar para mim não era problema! Como o Seto disse uma vez em seu depoimento, na editora eu era conhecido como a "máquina de criar histórias", tudo porque em algumas ocasiões o Minami esperava a minha chegada de Curitiba, para fechar algum caderno da revista. Então lá mesmo, quando eu chegava, ele decidia se me dava o caderno de humor ou terror e então eu escrevia e finalizava sete ou oito páginas que estavam faltando pra fechar a revista. Olha que consideração, o editor me esperava vir de Curitiba pra fechar!


7 - Eu era criança e comprei o gibi do Fikom num sebo. Guardo comigo até hoje como um tesouro! Quantas HQs você fez dele e porque o batizou com um anagrama de seu próprio nome? Seria o Fikom por acaso seu alter-ego?!?

Tudo o que a gente escreve é um pouco do que a gente viu, ouviu ou sonhou! Digamos que o Fikom era parte de um sonho. Até hoje minha produção de sonhos é muito grande, acho que em 80% do meu sono, estou sonhando. Quanto ao nome Fikom, foi uma coisa tão natural que nem quebrei a cabeça para dar esse nome à ele. Muita gente ainda me pergunta onde me inspirei para achar esse nome. Para mim parecia que estava na cara que é um anagrama com meu nome, mas muita gente não se dá conta disso. Só depois é que percebem (risos)!

Quanto ao número de histórias não tenho certeza, mas posso afirmar que fiz mais histórias da Satã e do Fikom do que da Sibelle.

A diferença não é muita , mas como a Satã tinha que cumprir 100 missões para alcançar a salvação da sua alma , eu estava mais atento aos números .Todos giram em torno de um mínimo de dez e um máximo de vinte. A única coisa que tenho certeza é que em todas as histórias eu faria um pouco diferente..Naquela época eu praticamente não fazia esboço,já ia tudo direto.Embora eu esteja à muito tempo fora das HQs , acho que hoje faria bem melhor os desenhos e daria um ritmo mais rico aos diálogos. Cortaria um pouco o lado erótico que acabou entrando gratuitamente nesses personagens,  por que era a diretriz da Edrel para se  firmar com o público adulto.

8 - Quantos anos você tinha quando criou o Fikom e a Sibelle? Porque os dois nunca se encontraram numa HQ?

Acho que eu tinha 22 anos quando criei o Fikom, a Sibelle veio um pouco depois. Mas não tenho certeza de datas. Vou fazer como o Ibope e manter uma margem de erro para mais ou para menos (risos). Fikom e Sibelle nunca se encontraram pois faziam parte de universos diferentes. Só nas minhas séries de humor os personagens Paquera e Zé Experimentadinha de vez em quando apareciam na mesma história.

9 - Você escreveu um dos primeiros livros brasileiros sobre como fazer quadrinhos, "A Técnica Universal dos Quadrinhos". De quem foi a idéia de fazer um livro sobre o assunto? Esse livro virou um clássico e é raríssimo hoje em dia!

O livro A Técnica Universal das Histórias em Quadrinhos foi produzido para atender àquelas cartas que a gente recebia e muita gente pedia orientação para produzir HQs. A capa era fina e a encadernação era péssima. As folhas se soltavam ao dobrar o livro. Acho que o barbante e a cola eram de péssima qualidade. O livro em si também não era grande coisa. Paralelamente a editora lançou um Curso de Comics por correspondência em 12 fascículos, que à principio foi escrito por Fabiano Dias, Crispim e o Claudio Seto. O mentor era o Minami Keizi, e à partir do nº 5 ele passou o bastão para mim e eu concluí os fascículos. Na verdade esses fascículos eram verdadeiros caça-niqueis, pois na época as vendas pelo correio davam um bom dinheiro.

10 - Fikom e Sibelle são uma "SCI-FI psicodélica". Suas HQs seguiam o clima psicodélico-viajante-erotizado típico do final dos anos 60. Tinha um pouco de Barbarella, Perry Rhodan e Cinco por Infinitus ali, não tinha? O que você lia na época?

Na época da Sibelle e Fikom eu lia os clássicos da época que eram editadas pela Ebal e Rio Gráfica. Acho que muitos deles tiveram influência no meu desenho, mas não sei se tiveram influência no meu jeito de escrever. Dos três que você citou, achava o desenho do Cinco por Infinitus, do Esteban Maroto, muito bom e moderno. Da Barbarella me identifico mais com a bonitona Jane Fonda, que a interpretou no cinema, e do Perry Rhodan, pra ser sincero, nem me lembro. Os gibís que eu gostava mesmo eram Nick Holmes, Fantasma, Big Ben Bolt, Príncipe Valente, Jim Gordon, Flash Gordon, Recruta Zero, Brucutú, Família Buscapé, etc. O desenho que mais me tocou de verdade foi  o de um gibi da Branca de Neve que eu li em p&b quando eu tinha uns 10 anos e era inocente prá burro. A Branca de Neve daquele desenhista, que eu não sei quem era, era a coisa mais linda do mundo! Foi a minha primeira grande paixão e toda noite eu dava um beijo na face da Branca de Neve (risos). Um dia alguém sumiu com a revista e para mim aquele foi uma perda irreparável! Quando pinto ou desenho as crianças sei que no meu traço está presente um pouco daquele desenhista que nem sei quem era. Falando em HQ sempre fui mais fã do pessoal da King Features do que da turma da Marvel ou Hanna-Barbera. Mas quis o destino que um dia eu escrevesse algumas coisas para a Hanna-Barbera.

11 – Ué?!? VocÊ escreveu histórias da Hanna-Barbera?!? Não sabia, quando foi isso?

Foi pra editora Abril nos anos 70, logo depois que eu saí da Edrel. É que não gosto de citar muito essa fase porque nessa época a Abril não dava os créditos para os autores das HQs como eles dão hoje. Naquela época a Abril era uma potência nas HQs e não era só Disney não. Eles produziam HQs de vários personagens estrangeiros (Luluzinha, Bolinha, Hanna-Barbera, Speed Racer, etc) e eu colaborei com vários deles,
principalmente com roteiros e argumentos. Fiz muito roteiro pro gibi "Heróis da TV", que na época era com personagens da Hanna-Barbera. Depois, só em 1979 que o título passou a abrigar os heróis da Marvel. Fiz também uns trabalhos para a Grafipar e para a Ebal, mas ninguém se lembra (risos). Como o pessoal só me liga à Edrel e desconhece a minha passagem pela Ebal e pela Abril é como se isso não tivesse acontecido. Melhor
assim.

12 – Legal. E o que fez pra Grafipar e Ebal exatamente?

Para a Ebal fiz duas histórias do Judoka. A primeira, com argumentos de um outro roteirista, o que foi estranho para mim, pois estava acostumando a quadrinizar meus próprios roteiros, e a segunda eu fiz a história e os desenhos. Eu sempre fiz argumentos para outros desenhistas, mas no caso do Judoka foi a primeira vez que  ocorreu o contrário.

Para a Grafipar foi no fim dos anos 70, começo dos 80, eu já tinha parado mesmo com Quadrinhos e estava firme nas Artes plásticas, mas em consideração ao Claudio Seto, que era dono da Grafipar, e ao Faruk, que era dono da revista e do jornal Correio de Notícias que cobria todas as minhas exposições, fiz uma história de humor erótica. Era a história de Olívia, a última virgem, e seu zeloso irmão Newton John, juntamente com os náufragos de um navio e uma ilha onde morava o bizarro Robson Josuééé e suas cabras suculentas. Era uma paródia encima da cantora Olivia Newton John que naquela época era a cantora do momento. Mas acho que ninguém vai lembrar disso, então faz de conta que não aconteceu (risos)!

13 - Muito interessante, você teve uma carreira bem versátil mesmo! Agora, desculpe perguntar mas já perguntando, você tomava alguma coisa na época do Fikom, tipo LSD? Era muito comum os artistas da época procurarem inspiração nos alucinógenos pra criar obras tão viajantes, tanto nos quadrinhos como na música. Como dizia o Clodovil, "olhe para a lente da verdade e abra o jogo" (risos)!

LSD não tomei não. O que eu tomei foi muito chá disso e daquilo (risos)! Eu era tão careta que nunca fumei nem bebi. Ironicamente por ter hábitos noturnos muita gente pensa que bebo prá caramba. Até que gostaria de tomar uma cervejinha, mas sou alérgico à álcool. Alguns dizem que isso é sorte, mas que eu gostaria de saber o que é tomar um porre, eu gostaria! Agora, eu tive alucinações sim! Mas não para criar as histórias e sim por causa delas! A carga de trabalho era tão grande que para desestressar, tomava uns calmantes e via coisas incríveis! Hoje, por causa da minha insônia crônica, tomo uns tarjas pretas pra dormir. Mas acho que eles tem mais me ajudado do que prejudicado. Então, estou em paz comigo mesmo!

13 - Cara, você foi um cometa que passou rápido sobre o céu da HQ Nacional mas teu rastro brilha até hoje! Agora a pergunta que não quer calar: por que você saiu do mercado de Quadrinhos e virou pintor de quadros? Porque deu novamente uma guinada radical em sua vida?

Quando você fala de cometas, parece que foi tudo brilhante em minha vida. Mas pode crer, havia mais buracos negros do que estrelas! Não deixei os Quadrinhos por capricho, acho que os Quadrinhos, de uma forma ou de outra, que me deixaram e eu tive que me agarrar à outras coisas para sobreviver. E não falo de bens materiais e sim de ideologia! Quando você vê que seus sonhos não eram aqueles, ou que eram aqueles mas que a realidade era outra e tudo se tornou frustrante, você se vê abandonado e procura outro caminho. Foi assim comigo. Embora tenha me dado bem nos caminhos que trilhei, o trajeto foi muito árduo e tive que lutar bastante. Às vezes contra tudo e contra todos! A única porta que sempre esteve escancarada para mim foi a da publicidade. Lá parecia um conto de fadas, eu já ia chegando e entrando, estava sempre num patamar de sonhos. Mas nas Artes Plásticas e nos Quadrinhos foi o contrário! Eu sofri um bocado, ficava sem grana, o que tornava tudo mais difícil. Nessa estrada dos Quadrinhos você não encontra pombos e cordeiros, muito pelo contrário, encontra predadores selvagens .

14 - Vixi, e eu não sei?!? Já cruzei com um monte (risos)! Mas ao iniciar a terceira fase de sua carreira, a de Artista Plástico, você pela terceira vez se revelou um "garoto-prodígio" e novamente se destacou no mercado em pouco tempo. Rapidamente se tornou um pintor bem sucedido e com um nome sólido no mercado. Realmente planejou cada fase da sua carreira para dar certo ou acha que teve "sorte" mesmo (se é que a tal "sorte" existe)?

Acho que a sorte é uma coisa fundamental na vida. Não me acho um cara sortudo, mas sim, abençoado. São duas coisas diferentes.

O sortudo não precisa fazer força, seja abençoado ou não ele sempre vai se dar bem. Conheço alguns caras obtusos e grotescos, com bastante sorte e estão rindo à toa. Por outro lado conheço pessoas muito capacitadas e abençoadas com o dom da bondade e da inteligência e estão pastando um bocado. Claro que já é uma sorte o cara vir abençoado. Mas creio que nessa vida a gente conquista as coisas com muito trabalho e se puder contar com uns lampejos de sorte, melhor ainda.

15 - Todos os  mestres da tua época já foram republicados em álbuns caprichados: Colin, Zalla, Shimamoto, Colonnese, etc. Por que só você não foi republicado ainda?!? Você não acha que o Fikom e a Sibelle mereciam um álbum de luxo, todo restaurado, pra apresentar seu trabalho para as novas gerações e dar-lhe o devido valor?

Marcio, você citou um pessoal que acho que não foram cometas e sim astros de primeira grandeza e que mantiveram a sua órbita. Portanto localizáveis. Hoje sei que o escritor Gonçalo Júnior me procurou por vinte anos. Quando me afastei dos quadrinhos, me afastei mesmo! Foram 40 anos dentro de um buraco negro, onde não li e nem produzi gibi algum. Pela internet, localizaram meus filhos (tenho sete) e através de minha filha Sabrina, foi feito um contato que me colocou no mundo da HQ novamente. À partir daí me interessei pela internet e vi que isso é uma máquina fantástica.

Quanto ao Gonçalo, eu não o conhecia ainda e fiquei impressionado com as informações que ele tinha de mim. Ele me presenteou com o livro "A Guerra dos Gibis" e gostei muito, pois na verdade, a história da Edrel está ali. A maior parte da história da Edrel eu não conhecia, pois quando lá cheguei, o bonde já estava andando e o Claudio Seto e os irmãos Paulo e Roberto Fukue já eram famosos à um bom tempo. Muita gente pensa que começamos na mesma época, mas eu cheguei depois. Não peguei o começo e também não assisti a agonia e o fim da Edrel, pois além de morar distante do foco (no Paraná), eu já tinha descido do bonde.

O Franco de Rosa é outro que eu também só fui conhecer agora, há poucos meses. Quem nos aproximou foi o Ataíde Brás. Fiquei mais uma vez surpreso quando ele de pronto se dispôs à editar dez histórias de Satã num só livro. Fiquei muito contente, só que acho isso quase impossível, pois só consegui um único número desse gibi até agora. Também gostaria de revisar essas HQs antigas e consertar um bocado de coisas que escrevi e desenhei!

16 - Puxa, você ficou 40 anos sem desenhar nenhum quadrinho?!? Não tem nada escondido na gaveta, novo ou antigo?

Nunca mais esbocei ou desenhei qualquer coisa, até a chegada do pessoal do Facebook no final do ano passado. Estou me correspondendo com o pessoal do Bengalas Boys, um grupo sob o comando do Tony Fernandes, que é composto na maioria pelo pessoal da antiga HQ e outros nem tão antigos assim. Claro que vendo tantos trabalhos nacionais e internacionais que eu nem conhecia, me deu uma coceira tremenda.
Até montei uma prancheta e fiz uns desenhos, mas hoje estou mais para lay-outista do que para arte-finalista.

Pra falar a verdade, acho que acordei tarde, pois pelo papo do pessoal o mar não está para peixe. Mesmo assim é possível que o meu lado teimoso incorrigível me jogue na luta outra vez!

17 – OBAAAAAAAAAAAA!!! TOMARAAAAAAAAA (risos)!!! Nos anos 60 e 70 produzia-se muitos gibis nacionais, muitos de vanguarda como o próprio Fikom. No entanto até hoje não temos um mercado sólido de HQs no Brasil. A seu ver por que a Indústria de HQ brasileira não foi pra frente?!? Quais são os problemas que emperram o Quadrinho Brasileiro?!?

Bem, como estive ausente tantos anos, não sou a pessoa mais abalizada para opinar. Pensei que esse problema era uma coisa universal, mas se for só no Brasil, acho que tem conserto. Como os tempos mudaram e o Quadrinho sofreu uma terrível concorrência da TV e da Internet, acho que está na hora do Quadrinho se adequar. Talvez um portal online ou mesmo se uma UOL ou TERRA abrisse uma linha de HQ online para seus assinantes, destinando uma pequena percentagem para os desenhistas.

18 - Não é uma má idéia!... Mas na sua opinião, uma lei de proteção ao Quadrinho Nacional resolveria esses problemas?

Claro que uma lei de proteção resolveria! Veja o caso do cinema nacional. Se investissem no Quadrinho muitos desenhistas não precisariam sair daqui para brilhar lá fora. Temos muitos, mas muitos talentos no Quadrinho brasileiro. É só o governo ou alguém soltar uma verba que iam aparecer feras aqui para fazer frente à qualquer artista da Europa ou EUA!

19 – Ok. E se você fosse Ministro da Cultura, o que faria pelo Quadrinho Nacional?

Se eu fosse Ministro da Cultura, abrangeria a arte como um todo. Respeitaria os forrós e as festas de São João e tantas outras culturas populares do Brasil. No ano passado muitas galerias, algumas bem tradicionais  fecharam as portas. Crise? Até pode ter ajudado um pouco. Mas a desconscietização do povo para a arte e a literatura é culpa do governo e dos órgãos de informação. O Brasil está ficando cada vez mais inculto. Antigamente um menino sabia quem era Portinari, Di Cavalcanti, Tarsilla, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, etc. Hoje não se sabe quem é referência nas artes plásticas, na literatura ou no xadrez e muito menos nos Quadrinhos (que são uma combinação de artes plasticas + literatura). Na literatura, o Brasil é uma ilha cercada de prêmios Nobel por todos os lados. Quase todos os pequenos países da América Latina tem um ou dois Nobels e nós vamos ficar à ver navios até quando? Quem é o nosso compositor de talento? Vão falar que é o Chico, o Caetano, o Gil e são mesmo. Mas será que em quarenta anos não surgiu mais ninguém? Só citei os três, mas era pra ter uns quarenta ou mais.

20 - Pra encerrar, se o gênio do medalhão mágico FIKOM lhe concedesse três desejos, o que você pediria?

Bem, na crise de hoje, três pedidos é pouco (risos)! O meu primeiro pedido seria para aumentar o número de pedidos (risos). Doze seria um bom número. Como nas uvas de natal, 12 uvas, 12 pedidos. Entre eles estariam saúde, paz e prosperidade para todos os meus amigos e parentes. Como somos todos parentes, esse seria um pedido universal, para toda a Humanidade.

21 – Valeeeeuuu, Mestrão!!!! Quer dizer então que eu sou seu parente?!? Viva meu TIO FIKOMMMMMMMMMMMMMM, o herói mais lisérgico dos Quadrinhos!!!! U-RUUUUUU!!!!!

(Risos) Valeu, meu sobrinho Marcio! Felicidades pra todos nós!

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