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A casa das idéias
Por Gian Danton
15/02/2011

Em 1961, uma partida de golfe mudaria a história dos quadrinhos de super-heróis. Os jogadores eram Martin Goodman, da Atlas (atual Marvel) e Jack Liebowitz, da National (atual DC Comics). Liebowitz comentou que a revista da Liga da Justiça, recentemente lançada, era um sucesso entre os leitores.

Goodman despediu-se e foi para a editora, pedir a Stan Lee que criasse uma cópia da Liga para aproveitar aquele interesse dos leitores por heróis clássicos reunidos num grupo.

Acontece que Stan Lee já estava de saco cheio daquilo. Ele se sentia mal, num campo editorial enfraquecido pela concorrência da televisão e perseguido por pais e professores. Além disso, queria fazer algo diferente. Ele tinha algumas idéias em mente, mas tinha medo de apresentá-las. Foi sua esposa que o convenceu que aquela era uma oportunidade de fazer o que queria: “Querido, se não der certo, o pior que pode acontecer será Goodman demiti-lo”.
 
Então, ao invés de promover uma reunião de personagens clássicos, como Namor e o Capitão América, ele propôs algo completamente diferente. O novo grupo era um quarteto de astronautas que, ao fazer uma viagem espacial, foram bombardeados por raios cósmicos e ganharam incríveis poderes: o Quarteto Fantástico!

O grupo era composto por um cientista que conseguia se esticar como elástico, uma moça que podia se tornar invisível, um rapaz que pegava fogo e virava uma tocha humana e um ser grotesco, o Coisa. Esse último personagem foi o mais diferente, e logo cativou os leitores. Até então, os heróis pareciam muito felizes com seus poderes, mas Bem Grimm não. Os raios cósmicos o haviam transformado num monstro de pedra. Inconformado, ele vivia resmungando pelos cantos e comprando brigas com os outros.
Isso era uma novidade: até então os heróis pareciam coroinhas ou escoteiros: todos muito bonzinhos e afáveis. Um herói ranzinza e um grupo que se parecia mais com uma família (inclusive com suas brigas) foi algo que provocou estranhamento, mas logo conquistou os leitores. Além disso, as histórias começaram a apresentar uma cronologia. Até então as histórias eram sempre isoladas e não havia uma continuidade. Nas histórias do Quarteto, se um personagem pegava uma gripe numa história, na história seguinte ele continuaria gripado. Para arrematar, Lee deu a seus heróis um caráter humano que permitia uma identificação dos leitores: os heróis Marvel, a despeito de seus incríveis poderes, eram pessoas normais, que levavam fora das namoradas, sentiam ciúmes, eram esnobados, ficavam doentes... e até morriam.

A revista do Quarteto Fantástico tinha desenhos de Jack Kirby, o rei dos quadrinhos de super-heróis. Seu traço expressionista influenciou praticamente todos os artistas americanos a partir de então e criou as bases do visual dos super-heróis.

Kirby era um mestre épico, das grandes sagas intergaláticas e dos heróis super-poderosos. Já Lee era o mestre do lado humano, dos dramas e comédias da vida normal. Os leitores se identificavam com a humanidade colocada nas histórias por Lee e se projetavam no grandioso, especialidade de Kirby.

Stan Lee era um roteirista e editor querido por todos os artistas. Era um gente-boa, que dava liberdade criativa para seus artistas e conseguia deles o seu melhor. Ele também usava e abusava da promoção pessoal, colocando em destaque o seu nome e o dos artistas nas páginas das revistas.  Além disso, ele criou o chamado método Marvel de escrever roteiros. Como exercia a função de editor e escrevia diversas revistas, ele não tinha tempo de produzir scripts completos, então fazia apenas um resumo da história e entregava para o desenhista. Este ilustrava, entregando depois para que Lee colocasse os textos e diálogos. Esse aspecto fez com que alguns colocassem em dúvida a verdadeira importância de Stan Lee, mas hoje são poucos os pesquisadores que descartam a relevância desse roteirista para o sucesso da editora que ficou conhecida como “A casa das idéias”.

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