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Por Carlos Patati 02/02/2011 Em pleno momento do ano em que se celebra o Quadrinho Brasileiro, nada melhor que relembrar a importância do artista que começou toda essa história no Brasil e foi um dos precursores dela no mundo: o imigrante Ângelo Agostini, nascido na Itália em 1843 e falecido no Rio de Janeiro, em 1910. O momento histórico em que Agostini viveu e atuou, segunda metade do século 19 e início do século 20, era efervescente, tanto do ponto de vista do progresso das artes, como, principalmente, do das ciências e tecnologias. Momento que pode ser comparado ao de hoje, exceto, talvez, por ser muito mais criativo. Um ponto convergente, contudo, é o do progresso tecnológico fertilizando as artes. Se, hoje, a internet se espalha pelo planeta, naquela época o que brotava no mundo ocidental era a imprensa popular de larga escala. Da qual os quadrinhos fizeram parte privilegiada, com alcance e popularidade de massa. Cabe sempre observar que, no início do Século 20, na imprensa norte-americana, o teste da qualidade gráfica dos jornais durante muito tempo passou pela impressão, com qualidade, das HQs em cores, seu elemento mais intrincado. Muito antes de se aventar a possibilidade de uma imprensa colorida, todavia, já estava presente entre nós, fazendo excelente uso do preto & branco que na época eram padrão, esse extraordinário italiano que se tornou brasileiro, o tremendo desenhista, caricaturista, ilustrador, humorista, cartunista, jornalista, e editor, que foi Ângelo Agostini, o pioneiro precursor das histórias em quadrinhos no nosso país. Todos sabemos que o humorismo tem sido a tendência principal dos quadrinhos brasileiros . É o gênero com o maior alcance de público, e é aquele cujos praticantes são reconhecidos pelo leitor não especializado em HQ. A imprensa diária tem cultivado talentos nessa área há décadas, e carreiras vitoriosas como as de Laerte, Angeli, Adão, Glauco, dentre outros, são as expressões mais contemporâneas dessa tendência. Ora, o primeiro ilustrador a ganhar dinheiro fazendo os outros rirem de seus problemas, na nossa imprensa, foi Ângelo Agostini. Em 1864, ainda em São Paulo, criou o semanário satírico “O Diabo Coxo”, e em 1867, “O Arlequim”. Ambas as publicações foram criadas em parcerias com outros homens de texto, sendo Agostini ao menos o principal desenhista, quando não o único. Em 1867, de mudança para o Rio, colabora n´ “O Arlequim” e na “Vida Fluminense”. Foi nesta última, em 1868, que publicou o hoje e também na época muito aclamado “Nhô Quim”. Trata-se de uma das primeiras HQs do mundo. Seu assunto? As atrapalhadas aventuras de um caipira na capital, de como seu olhar aparentemente ingênuo enxerga os contrastes da vida urbana, se metendo, é claro, em confusão o tempo todo. Precursor dos nossos melhores cronistas escritos também, Agostini tinha o olhar agudo e sarcástico que é indispensável para o humorista. Seu diferencial era que não só tinha a concisão do caricaturista (a época foi fértil no ramo), mas sabia, e gostava, de decompor seus movimentos, contar histórias. Embora não as pudesse fazer muito longas, mesmo assim entendeu o valor do folhetim, e soube usar o suspense e as situações de perigo constante, para tornar a piada mais engraçada. Assim, tanto quanto no quadrinho norte-americano, nas HQs de humor estão plantadas as sementes das de aventura. Mais uma vez, quem fez isso foi Agostini, que usou seus olhos para investir na criação de ainda outra característica dos melhores quadrinhos brasileiros: seu nacionalismo. O desenho dele ultrapassava, como vimos, os limites estritos do trabalho de humorista. Na “Revista Ilustrada”, que fundou em 1876, e realizou praticamente durante longos anos, Agostini publicaria a cada edição em torno de quatro páginas minuciosas de quadrinhos humorísticos e de observação do cotidiano. Sempre voltadas para os assuntos do dia, realizando um “jornalismo em quadrinhos” que só demorou a se configurar na imprensa (isso só está acontecendo hoje em dia) porque a fotografia destronou o desenho, que se tornou menos típico na imprensa. Por essa veia, o trabalho do desenhista ultrapassou em muito, as fronteiras do humor. Durante a campanha da abolição da escravatura, por exemplo, Agostini realizou uma série de desenhos chamada ”Cenas da Escravidão”, em que fez referência, ilustrando os métodos de tortura de escravos, aos episódios da paixão de Cristo, então algo de muito mais popular e conhecido do que hoje. Assim, podemos dizer que sua paixão pelo Brasil nunca o impediu de criticar o quem lhe pareceu injusto, ao mesmo tempo em que preservava e difundia diversos saberes populares. Como faria, muito depois, mas com verve igualmente apaixonada, o grande Flavio Colin, cujo amor por nosso país o levou mais à aventura de conhecer sua cultura do que à piada cotidiana. Pesquisou folclore, contos populares e lendas de todo tipo, na sua procura de mostrar o Brasil aos brasileiros. Outro desenhista igualmente apaixonado pela imprensa popular, e que trouxe para ela um bem pesquisado sentimento de aventura e conhecimento do país, imerso em agudo sentido de observação do mundo, foi Nico Rosso, tão imigrante italiano quanto Agostini. Rosso, que foi muitíssimo prolífico, só não foi humorista, mas fez funcionar o desenho em todos os lugares onde o conseguiu encaixar, numa sociedade já então mais complexa e cheia de especializações, quando risada e aventura já tinham se tornado bem diferentes, e era preciso escolher. Fica claro que, se alguma coisa pode ser feita em quadrinhos, procurando com cuidado, podemos sempre encontrá-la prefigurada na obra de Ângelo Agostini, gigante da imprensa. Ele também antecipou o sistema de auto-edição, tendo sempre, ou quase, sido seu próprio editor, numa carreira longa, na qual não faltaram opiniões decididas acerca de todos os assuntos importantes de seu tempo, e a cada momento. Sempre em completo diálogo com seu público! Quantos outros, depois, aliaram com tanta felicidade, sua capacidade de observação e pesquisa a um viés sardônico e crítico de observação do mundo? |
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