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Entrevista: Marcelo Maraska
Por Marcio Baraldi
17/01/2011

“Sou o primeiro a apoiar uma lei que, além de proteger, subsidie o quadrinho nacional!”

O entrevistado dessa semana é o artista multimídia e xarope de plantão Marcelo Scaff, mais conhecido como Marcelo Maraska, ilustrador experiente e vocalista da banda Maraska, em que encarna o palhaço trovador Lobota. Marcelo acaba de lançar pela editora Devir sua mais ousada obra multimídia até o momento: “Pscircodelia”, luxuoso álbum em Quadrinhos que vem com um CD de sua banda. Marcelo é o roteirista e desenhista do álbum (com ajuda de R.Sasaki nos desenhos) e compositor, cantor e letrista de todas as músicas do CD. E naturalmente tanto o CD como o livro tem íntima relação entre si e se completam para contar a louca história de Ardep Luza, uma terra psicodélica localizada num plano transcendental invisível que somente as mentes “acidulantes” conseguem vislumbrar.

Marcelão jura que o tal lugar existe mesmo e que seus personagens são seres que lá habitam de fato. Maluquices-belezas a parte, Marcelo criou uma HQ muito interessante, repleta de referências ao quadrinho underground americano, ao desenho animado Heavy Metal, e a cultura pop dos anos 60 e 70.Um verdadeiro funk do crioulo doido com direito até a participação de Tim Maia, ops , digo, Aiam Mit!

Divirtam-se com a insólita entrevista de Marcelo e, para que todos compreendam melhor toda a doideira de seu universo , recomendamos que leiam seu livro “Pscircodelia” e viajem a vontade na maionese lisérgica do autor.E com licença, que a Lucy in the Sky with Diamonds tá me chamando...

1 - Marcelão, vamos dar um geral na sua carreira. Você começou quando e onde?

Olha, Baraldi, é difícil dizer onde eu comecei... Eu costumo dizer que, na hora do meu nascimento, ao invés do médico me dar umas palmadas no bumbum, ele pegou um lápis e disse, “desenha aí, moleque”(risos)! Eu me lembro que na pré-escola eu já desenhava o “Zorro” pra molecada, que delirava com minhas garatujas. Lembro também, que eu era péssimo pra desenhar as pernas dos personagens e pedia pra minha irmã, que desenhava também, pra fazê-las. Só que ela fazia sempre com aquele traço feminino, mais delicado, de mulher, né? E aí que era o problema: se eu desenhasse um Hulk, por exemplo, ele ficava com umas pernas, digamos, da Mulher Maravilha (risos)!!!

Meu pai é desenhista (autodidata) de projetos (arquitetura de interiores) e minha mãe pianista. Acho que veio daí essa minha coisa com a arte. Eu comecei a trabalhar com 16 anos na mesma área do meu pai, como desenhista de interiores numa empresa de decoração. Mas eu queria fazer algo mais orgânico, gostava de escrever, eu queria mesmo é fazer quadrinhos... e música!

Então, fui trabalhar pra editora Edicon, onde fiz vários livros infantis. Paralelamente a isso eu produzia meus quadrinhos e fanzines, os quais vendia no colégio (pra falar verdade,na maioria das vezes eu acabava doando os fanzines mesmo). Aí pintou a oportunidade de participar do primeiro “Try Out Book” da Marvel (um teste que a Marvel fazia para revelar novos talentos), em 1983, e mandei meus quadrinhos para os EUA. Eu não ganhei, mas recebi uma carta do editor Jim Shooter que se disse impressionado (“amazed” foi a palavra) com o fato de um garoto brasileiro fazer aquele trabalho e que era pra eu continuar enviando coisas pra eles.

2 – Ah, eu sei que teste foi esse! Quem venceu foi o Mark Bagley, que depois acabou sendo contratado pela Marvel. Mas você trabalhou com animação também, né? O que fez de bacana nessa área?

Bem, eu queria juntar as minhas músicas e os quadrinhos numa coisa só e via a animação como o caminho para isso. E depois que eu vi o desenho animado “Heavy Metal: Universo em Fantasia”, da Metal Hurlant, eu pirei, aí eu vi que era possível fazer animação para adultos e foi daí em diante que persegui o cinema de animação.

Ainda na época do colegial, fiz uns estágios de desenho animado em estúdios. Mas foram anos depois, quando eu fazia Artes Plásticas na faculdade Belas Artes, que eu conheci o Céu D’Elia (diretor de animação do filme American Tales 2, do Ratinho “Fievel” ), e comecei a trabalhar com ele.  Foi aí que eu vi que tinha que RALAR MUITO e desenhar muuuuuuito pra poder me considerar um “desenhista” de verdade! Devo ao Estúdio Cigarra Inquietante, do Céu D’Elia, as noções de desenho e animação que tenho hoje! Mas animação é algo que eu respeito tanto que não me considero um animador, serei sempre um aprendiz dessa arte. Eu já me divido com quadrinhos e música, então as minhas experiências com animação hoje são mais diletantes e voltadas pra dirigir minhas criações multimídia. Apesar de eu ter feito algo em animação mesmo depois de ter saído do Céu D’Elia, como comerciais de TV, vinhetas pro programa do Tom Cavalcante (na época que ele tava na Rede Globo) e pra TV Cultura, percebi que eu preferia ficar na parte de direção de storyboards, roteiros e etc.  Enfim, eu sempre soube que queria aprender animação para essa idéia de juntar minha música e meus quadrinhos.

3 - Me fala uns comerciais em que trabalhou. E quais programas da TV Cultura?

O programa que eu fiz na Cultura, foi o “Cultura no Intervalo”,que eu fazia junto com o R.Sasaki (meu parceiro no livro Pscircodelia) e que eram dirigidas pelo animador Calé (Marco Aurélio Mazza). Infelizmente, o programa acabou quando mudou a direção da TV Cultura,tem um link aí de umas vinhetas animadas do programa. E tem também uma animação para comercial da transportadora Status Baby.

Trabalhei também nos comerciais dos Ploc Monsters, que eram uns chicletes que vinham com figurinhas de monstros.Quem lembra disso?Eram geniais(risos)!

4 - Eu lembro!Eu até queria ser um dos Ploc Monsters (risos)! Mas,me diga,você sempre tocou violão e cantou? Sempre desenvolveu uma carreira musical paralela a de desenhista?

Eu componho desde criança. Como a minha mãe é pianista eu aprendi algumas noções do instrumento. Mas, me interessei mesmo é pelo violão, que me pareceu mais prático para o que eu queria. Com 14 anos já me chamavam de “compositor”, com 16 estava participando de festivais de música da escola, entre outros. Dei a sorte de ganhar vários festivais, mas a sorte grande mesmo foi na faculdade, quando ganhei um “Concurso Universitário em Habilidades Artísticas”, o qual ganhei na etapa brasileira, competindo com vários Estados e fui representar o Brasil no Japão, em Tóquio, isso lá em 1989. Foi quando eu apresentei pela primeira vez a minhas produções musicais mescladas ao desenho em quadrinhos e animações.

5 - Muito interessante! Mas eu lembro de conversar com você outro dia e você dizer que não queria mais viver de ilustrações comerciais e queria ser só quadrinhista autoral. Você está conseguindo viver só com os Quadrinhos do Maraska?

Tsc,tsc, Baraldi, é verdade, eu disse isso, mas você tem que levar em conta que a gente tava tomando umas e eu já tava meio bêbado (risos)!

Na verdade isso é um ideal que eu tenho, eu tô batalhando pra viver desse meu projeto multimídia que mistura o espetáculo do Maraska, com quadrinhos e música. O Maraska está começando a me dar um reconhecimento, mas a parte financeira do projeto ainda está aprendendo a caminhar com as próprias pernas.

6 - Relaxa, man, você chega lá! Mas mudando de assunto, você morou nos EUA um tempo, né? Você conheceu a sua esposa lá? Quanto tempo você viveu nos EUA e o que você fez por lá?

Eu conheci a Kimmie (apelido para Kimberly), minha esposa, uma semana depois de ir prá lá. Desde então, não desgrudamos mais (risos)!

Ela é americana, conheci-a por intermédio de um amigo em comum, que é compositor. Ele disse “olha, quero te apresentar essa garota que é cantora e artista plástica...”. Tínhamos muita coisa em comum, o “click” foi imediato. Ela é o amor da minha vida! Aliás, ela e minha filha são os amores maiores da minha vida!!!

Alguns meses depois de chegar, eu já estava dando aulas no “Center for the Visual & Performing Arts” em Jersey City, isso aconteceu depois de eu perturbar o pessoal da Marvel, fazer uma história em quadrinhos do Wolverine versus Conan, conhecer o Alex Ross, enfim, fui fazendo contatos. Mas, quem me deu uma força grande foi meu amigo Paulo de Tarso Gracia, que conversou com um amigo em comum nosso, o Duda Penteado, que hoje é um artista célebre aqui e nos EUA, e foi quem começou a me arranjar várias aulas de quadrinhos, animação e desenho em geral por lá. Junto ao Duda Penteado, fiz algumas exposições nos EUA, uma espécie de “instalação” mostrando o meu trabalho multimídia, num formato bem parecido com o que é o Maraska hoje.

7-Como foi essa HQ do Wolverine Vs Conan? Foi um teste apenas ou já era pra valer?

Chegou a ser publicada? Você conheceu o Jim Shooter, ele chegou a lembrar do seu teste no Try Out? Conte mais da sua experiência na Marvel.

Essa HQ do Conan e do Wolverine (“Wild”) eu fiz como teste, depois de conversar com o editor Joe Quesada no fim do ano 2000(O Jim Shooter não era mais o editor nessa época) numa convenção no sul de New Jersey, onde eu conheci também o Alex Ross, que falou pra mim aquilo que todo artista latino americano deve ouvir: “Nossa, você faz isso lá no Brasil, estou surpreso, wow!..” enfim, o Alex Ross foi muito simpático, mas deixou claro que, mesmo com Luke Ross, Mike Deodato, etc, os caras não sabem que não só de macacos vive o Brasil (desculpa aí, Stallone)! Aí troquei uns contatos e cartões, pouco depois mandei as páginas. Mas, foi só um teste, o Joe Quesada gostou e mandou pra mim um roteiro do Homem-Aranha pra eu fazer o lápis, ainda como teste.

Mas, foi uma época que eu tava meio revoltado e queria fazer um quadrinho mais underground, me sentia obrigado de tentar a Marvel pelo simples fato de morar nos EUA. Fiquei enrolando e não fiz os testes.

Pra completar, aconteceu o lance do World Trade Center e eu quis sumir dos EUA, fiquei  traumatizado com aquilo, saca? E aí voltei correndo pro Brasil ! Podem me chamar de imbecil, pois perdi uma puta chance naquela época, mas acho que nada é por acaso. Hoje estou bem contente com os rumos que a minha vida tem levado.

8-E hoje você voltaria a morar nos EUA ou você prefere o Brasil?
 
Prefiro o Brasil!!! E só voltaria a morar por lá se tivesse uma proposta bem interessante na minha área e que fosse muito bem remunerada.

Mas,sinceramente,eu nunca vou esquecer aquele 11 de setembro de 2001. Eu fui buscar minha esposa no trabalho dela,quando vi o World Trade Center em chamas na minha frente, do outro lado, na Ilha de Manhattan. Eu sentia o calor dos prédios queimando, enquanto alguém do meu lado dizia: “Será que há algo radioativo lá? Esse calor não é normal!”.

Bem, pânico à parte, aquilo tudo foi a gota d’água pra mim! Não via a minha família há quase dois anos e sentia um medo que parecia muito real pra mim. Pra completar, uns dias depois minha mulher soube que estava grávida, e um mês depois perdemos o bebê.

Aí fizemos uma loucura, demos todos os nossos móveis pro Exército da Salvação e fomos pro Brasil. A Kimmie era maluca pra conhecer o Brasil! Em menos de um mês aqui ela já estava grávida de novo, e desde então ficamos definitivamente em São Paulo. Pra ser sincero eu me senti frustrado por ter saído dos EUA traumatizado e isso me fez perder alguns anos em terapia. Mas não me arrependo. Antes de ir para os EUA eu sonhava em ir para Europa, mas fui para a Terra do Tio Sam por ter amigos por lá. Acho que minha mulher é americana por algum erro geográfico,pois ela não morre nem um pouco de amores pelo “American Dream” (risos)!

9 - Coincidência, nem eu (risos)!!!! Mas, então, foi depois dessa aventura que você resolveu desenvolver o projeto Maraska, cantando caracterizado como o personagem Palhaço Lobota e misturando as três coisas que você gosta: música, performance teatrais e quadrinhos?

Isso, o famoso “três em um” (risos)! Então, a mistura da imagem e do som, eu já fazia desde a adolescência. As performances teatrais são mais conseqüência das apresentações da banda Maraska mescladas com vídeos animados dos quadrinhos.

Como eu citei, o embrião do Maraska, foram as instalações multimídias que eu fiz nos EUA. Eu já me sentia como um artista mambembe, um artista de rua, e foi daí que foi surgindo esse lance de encarnar um palhaço. Aí quando eu voltei pro Brasil, eu achei que estava enlouquecendo: eu via o tal palhaço nas ruas, ele vinha conversar comigo, ele era real! Eu contava isso pra meu primo Fábio Jarjura, que também é um artista doidaço e muito talentoso,e ele acreditava que esse palhaço vinha de outra dimensão, um mundo chamado “Ardep Luza” (Pedra Azul ao contrário),o qual o Fábio costumava visitar em suas meditações transcedentais. Só que eu quis um contato mais imediato com esse mundo surreal, e, ao invés de meditação, eu usei alguns recursos lisérgicos e quase me dei mal, fui pra o lado negro de Ardep Luza e conheci seres como o Karan Kirkuse o Necário. Com o tempo, fui conhecendo outros seres, como o Ogro que tinha um amor platônico por uma Fada Negra, o Aiam Mit, líder espiritual groove que já viveu na Terra antes. Era fantástico, e comecei a colocar todas essas experiências no papel e nas músicas.

Enfim, conheci a banda Maraska, que também vêm desse mundo transcedental. Nós nos encontrávamos num circo velho, onde enchíamos a cara e tocávamos as histórias desse mundo.E foi assim que surgiu o palhaço Lobota, um contador e cantador de histórias.

E foi assim que, juntando o Maestro (guitarra, vocals ), o 75 (baixo), a Miss Daisy (backing vocals), o Latin Lover (bateria e backing vocals), o Baby Face (teclados), e eu, o palhaço Lobota, surgiu a banda MARASKA, contando e cantando a história PSCIRCODELIA. E essa é a primeira de muitas histórias. Como está escrito na contracapa da obra “Esses relatos são baseados em fatos psicodelicamente reais”, você acredita se quiser...

10 - Claro, claro. Acredito em cada palavra. Me sinto o próprio Cebolinha conversando com o Louco (risos)...

(risos) Mas, voltando a este mundinho que chamamos de Terra: Assim que o projeto MARASKA se formou, em 2007, começamos a tocar em bares, participamos de Viradas Culturais e começamos a produzir, de forma independente, os quadrinhos, a música, e algumas animações que são projetadas nas nossas apresentações.
Em 2009, ganhamos o PROAC 11, e com o financiamento do livro “Contos e Cantos do Maraska: Pscircodelia”, pela Secretaria do Estado da Cultura, produzimos e fechamos contrato com a Editora Devir, lançando o livro junto ao CD da banda, no segundo semestre de 2010.

11 – Ok. Então o álbum "Pscircodelia" é a primeira obra oficial do Maraska? De onde surgiu a idéia de criar um circo cheio de sonhos e pesadelos, foi no "Psycho Circus", do KISS?

Oficial, digamos que sim. Quando eu já estava de volta ao Brasil, eu fui convidado por um pessoal la dos EUA, a publicar uma revista independente desse meu projeto multimídia, mas sem a parte musical, só os quadrinhos. Ai eu fiz uma adaptação da história da FADANEGRA (BLACKFAIRY, pro público americano) e eles fizeram uma revistinha independente que foi distribuída em lojas especializadas em quadrinhos ao redor dos EUA. Até que o retorno foi bom. Na época, tive muitos fanzineiros me escrevendo cartas, mandando e-mails, foi legal e acho que foi o que fez eu acreditar mais no material.

Agora, quanto as influências eu posso dizer, com certeza, que a arte mambembe de rua, os circos de cidadezinhas do interior do Brasil e as gravuras da literatura de cordel são algumas delas. A Piada Mortal, do Batman e Coringa, é uma também. Antes disso, a psicodelia da Alice, do Lewis Carroll, o Circo “Só para Loucos” da obra do Herman Hesse. Enfim, não teve nada a ver com o Psycho Circus ,pois nem sou lá muito fã do Kiss. O termo “Pscircodelia” foi uma idéia do guitarrista do Maraska, que nem conhecia os quadrinhos do Psycho Circus.

12 - Você dividiu os desenhos do livro com o R. Sasaki, mas eu juro que não diferenciei um traço do outro. Vocês sempre tiveram o traço muito semelhante mesmo?

Olha, muita gente já nos disse o mesmo, que não diferenciam o meu traço com o do Sasaki. Mas eu acho isso muito positivo.

No início, eu pentelhei muito o Sasaki pra seguir um traço mais homogêneo, pensando num design que desse uma harmonia à obra.

Mas as minhas estilizações iniciais estavam mais pra um estilo cartunesco, tipo “Os Incríveis”,pois eu queria usar um pouco mais da minha experiência em animação clássica. Mas o Saza insistiu que a gente trabalhasse um estilo mais solto e mais “sujo”.

Continuei pentelhando o Saza, até que a gente chegou num caminho, ao mesmo tempo estilizado, mas com uma carga de luz e sombra e texturas beirando um estilo “underground” americano, que começou a me agradar.

Aí, pedi pro Sasaki criar um concept final dos personagens e de alguns cenários, principalmente do mundo das fadas e seres encantados. Dos personagens ele ficou encarregado, principalmente, do Aiam Mit (ele recriou o “mestre do groove”, isso é mérito total dele), do Karan Kirkus, do Argol e do diretor do hospital. A Fadanegra, o pai dela, a menininha, o Necário, o Ogro e o Narrador Incógnito ficam difíceis de dizer quem criou o concept art final, a gente trabalhou muito junto nessa etapa.

Depois disso, eu fiz um roteiro desenhado, tipo “storyboard”, e dei as páginas iniciais e finais pro Sasaki fazer, mas muito do que fiz, está carregado das idéias do Sasaki, o cara foi genial nas concepções do mundo onde eles viviam, nos cenários, e  eu usei muito toda essa influência dele. Aí resultou num trabalho que me agradou muito, sem modéstia alguma (risos).

13 - Foi uma obra conjunta mesmo. Seu traço parece uma mistureba de coisas. Você diria que tem influências mais fortes de quem?

Eu tenho uma influência de coisas muito díspares, e acredito no ecletismo. Minhas influências de infância foram Marvel, Turma da Mônica e Disney. Depois, já na adolescência, veio o Crumb, Metal Hurlant, Moebius, Bilal, Alain Voss, Caza, Jodorowsky, Liberatore, etc, até chegar à animação bidimensional clássica. Curto demais o que foi feito nos anos 70, na música, nos quadrinhos e na arte em geral, acho que eu sou uma mistureba disso tudo mesmo!

14 - Pois é! Isso mesmo que eu ia perguntar. O personagem Aiam Mit é um guru negão Black Power bem anos 70 e seu nome é Tim Maia ao contrário. Qual o significado do Tim Maia na história, é só uma homenagem de fã dele ou tem mais significados esotéricos, tipo “Racional Superior”?

O Aiam Mit é o cara mesmo! É o Síndico que “reencarnou” em Ardep Luza, isso é baseado em fatos “pscircodelicamente” verídicos!

Como eu disse, eu curto anos 70 pra cacete!!! Curti muita fossa ao som do Cassiano, Hyldon. Eu curto Banda Black Rio, Funk como Le Gusta, Claudio Zoli, Stevie Wonder antigo, Barry White, Tower of Power, James Brown, Jackson Five antigo, etc. E pra completar, todos os outros membros da banda Maraska são fissurados em anos 70 também. Voltando ao Tim Maia,ele era, é, e sempre será o pai do groove aqui em terras tupiniquins. O Aiam Mit, é a volta do síndico à espiritualidade que ele largou nos anos 70, na época da “Teoria do Racional Superior”, aliás, a fase mais grooveada do mestre Tim. Nesse outro mundo, ele se ligou que o “Caminho do Bem” era o caminho certo mesmo. Não que ele tenha largado totalmente o uísque e algumas ervas(risos)...

15 – Imagino (risos). Pscircodelia é um projeto ambicioso porque vem com um CD de canções originais junto. No entanto o livro funciona sem o CD e vice-versa. Vocês conceberam desde o início pra sair tudo junto, ou a idéia do CD veio com o tempo?

Pois é, teve quem chamou a gente até de pretensioso, crítica que aceitamos e até gostamos (risos)!
Desde sempre eu sonho em lançar as minhas músicas com os quadrinhos e vice-versa, pois quase todas as composições estão relacionadas com os quadrinhos. E tanto a música como os quadrinhos, funcionam independentemente, vai do leitor/ouvinte!

Essa idéia se cristalizou ainda quando eu tinha uns 16 anos, quando eu e o meu primo Fábio Jarjura, desenhávamos e fazíamos música sobre o tal mundo de Ardep Luza, que o Fábio tinha visões. Na época, eu achava que Ardep Luza era só uma criação dele, que esse mundo era fictício. Mas com o tempo, descobri que esse mundo “lisérgico" era mais real que a nossa própria realidade. De lá, saíram todos os personagens do Pscircodelia, além da própria banda Maraska. Mas deixa eu parar de falar disso senão você vai achar que eu sou biruta. Mas eu juro que é verdade, esses personagens existem nesse mundo fantástico que só visitamos quando nossa percepção está alterada! E eu juro que não tem nada (ou quase nada) a ver com drogas, não. Pois nossa percepção pode se alterar fazendo uma simples meditação transcendental.

16 – Claro,claro. Agora, vamos mudar de assunto antes que a polícia apareça (risos)! Sobre a música do CD, além dos anos 70 (Tim Maia, etc), que é influência evidente, tem horas também que me lembra a irreverência do Aguilar e a Banda Performática, que gravou um LP hilário no começo dos anos 80. Me lembrou também Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, a MPB experimental dessa época. Você gosta desses artistas todos?

Orra, como gosto!!! Arrigo, Itamar,grupo Rumo, Premê, Língua de Trapo,Tom Zé,o histórico programa Fabrica do Som, da TV Cultura, e por aí vai. Foi dessa música experimental (ou alternativa)dos anos 80 que saiu tudo que era novo, de vanguarda, de ousado na época.

Um problema que eu sinto no quadrinho Nacional, é que como a gente tem essa influência dos quadrinhos americanos, ousar, fazer algo diferente, soa quase como palavrão pros nerds fanáticos por Jim Lee e Cia Ltda.

Falta no quadrinho nacional, aquilo que a gente tem na música e nas artes plásticas: tentar quebrar as estruturas fechadas e conservadoras, mesmo que a gente não consiga, mesmo que soe como pretensão! Os quadrinhos europeus sempre tiveram esse pensamento de vanguarda, passeiam muito próximos das artes plásticas. A música tá junto aí nesse projeto do Maraska, pra dar essa cara de vanguarda aos quadrinhos, mas ao mesmo tempo, sem se levar muito à sério. Esse é o segredo: se o cara quer fazer algo experimental, tem que estar de bom-humor, na boa, pois experimentos são assim mesmo, podem dar certo ou podem dar com os burros n'água.

17 - Afinal, o que você gosta mais de fazer: desenhar quadrinhos ou cantar?

Hummmm... Eu gosto de fazer quadrinhos e de “compor”! De cantar não faço muita questão. Eu só canto porque o pessoal insiste em dizer que eu sou o melhor intérprete das minhas músicas, mas sonho ouvir minhas composições tocadas e cantadas por outros artistas um dia, seria a maior honra. Aliás, vi no Youtube gente tocando uns sons do CD do Maraska e postando, achei duca isso!

Mas, enfim, se você perguntar do que eu mais gosto é de COMPOR OBRAS AUDIOVISUAIS, é isso!

18 - Agora vamos falar de política: a seu ver quais são os maiores problemas do Quadrinho Nacional hoje?

Cara, os problemas são os de sempre! Falta patrocínio, falta a possibilidade de existir uma estrutura onde os quadrinhistas sintam-se à vontade para se auto-intitularem como tal e ganhar dinheiro com isso.
E isso não é um problema isolado dos quadrinhos, é um problema da arte como um todo. As Artes Visuais e a Música ainda sofrem por não serem encaradas como profissão, principalmente no Brasil. Claro, se você se tornar uma celebridade, tudo muda! O que falta é isso: sacarem que arte é uma profissão igual ao do médico, do advogado, do padeiro, do motorista.

Quanto aos quadrinhos, acho até que vivemos um momento bom, com muitas publicações, com editoras como a Devir dando uma força gigante ao quadrinho nacional. Chego até a vislumbrar um cenário melhor no futuro e se os artistas AGIREM e se UNIREM, acho que esse momento pode realmente chegar.
Também acho que o Mangá (que ainda é visto de rabo de olho pelos quadrinistas mais clássicos), mudou completamente o cenário dos quadrinhos. Os mangás trouxeram a juventude de volta pra ler gibis, trouxeram até uma parcela do público que os comics não prestavam muita atenção: as mulheres! O Maurício de Sousa sacou isso quando criou a Mônica Jovem!

19 - Você acredita que uma lei de reserva de mercado seria uma solução pra muitos desses problemas?

Não sei se vejo uma “reserva de mercado” como solução. Mas poderia ser uma tentativa de melhorar. Isso é uma briga antiga, de projetos de lei que eu vejo desde os tempos que eu freqüentava a AQC (Associação de Quadrinhistas e Caricaturistas) há décadas atrás. Uma lei que promova uma proteção à produção nacional de quadrinhos tem que tomar cuidado pra não parecer um tipo de proibição, de censura, pois isso não seria uma coisa legal. O que devemos promover é a discussão, pra chegarmos a um denominador comum. Eu acho isso um tema muito complexo, que vale uma entrevista com um bando de quadrinistas, tendo como pauta só esse assunto. E aí Baraldi, que tal uma mesa redonda sobre o tema? Tô nessa!

20 - Vou pensar no seu caso (risos)! Vejo muitos autores desdenhando de uma lei de proteção ao Quadrinho Nacional, no entanto esses mesmos autores se utilizam de programas do governo como o PROAC para financiar seus trabalhos. Não é uma postura hipócrita? Afinal, o governo deve ou não subsidiar e proteger a HQ Nacional?! Se sim, porque não fazer isso de uma vez por todas através de uma Lei, ao invés desse picadinho do PROAC?

Bem, sem dúvida estamos cansados de um mercado onde predominam os comics americanos. Até os mangás que estouraram aqui, o viés que eles encontraram não veio direto do Japão, mas dos mangás que eram publicadas nos EUA, e que de lá foram pro Ocidente, e enfim, descobertos em escala mundial. Isso acontece na música, no cinema, na cultura em geral. Como eu disse, esse é um tema delicado. Se tivermos que lutar por uma lei como essa, precisamos que a lei foque, principalmente, o investimento do governo no setor. Pelo Projeto de Lei do deputado Vicentinho (PT), bancos e órgãos federais financiariam projetos de Quadrinhos, tem aquele lance das bibliotecas, parecido com o que acontece com o ProAc, onde 200 exemplares ficam para o acervo da Secretaria da Cultura, destinado às bibliotecas, etc. Até onde eu sei, outras leis que tramitaram por aí, se concentravam sobre uma porcentagem “x” de produções nacionais ( a lei do Vicentinho também tem esse quesito, claro),  e as grandes editoras temiam que teriam que “se virar”, bancando artistas nacionais ou desistindo dos gibis e simplesmente “mudando de ramo” (afinal, as editoras publicam material importado,que sai muito mais barato pra elas). Agora, se você me disser que através de uma Lei, além de proteger, o governo irá subsidiar o quadrinho nacional, ai maravilha! Sou o primeiro a apoiar e aí, claro, seria hipocrisia ou idiotice não apoiar. O ProAc, pra mim, funcionou, foi uma forma de mostrar a minha cara no mercado. O dinheiro é pouco? É, mas acho que é muito mais a projeção que nos interessa, é o olhar das editoras voltado ao artista. E o principal: precisamos não só de uma lei,mas de conscientizar a sociedade que o quadrinho faz parte do seu dia-a-dia e eles nem percebem. É a tal educação, é nisso que tem que se investir!

21 - Se você fosse Ministro da Cultura, o que você faria pela HQ Nacional?

Ah, aí sim!!! Que sonho louco!!! Eu faria algo como essa Lei 6060/09 do Vicentinho, principalmente nessa parte do fomento, em que órgãos públicos e bancos financiassem as produções nacionais. Leis onde as empresas teriam seus impostos totalmente abatidos ao investirem em quadrinho nacional. E o Dia do Quadrinho Nacional seria um dia de grande festa no Brasil inteiro (risos)!  E não faria só pelo quadrinho: faria uma espécie de “Hollywood” brasileira (risos)! Sei lá um centro de produção de arte, muito forte, no cinema, nos quadrinhos, na animação, na música, artes plásticas, etc. As empresas iam ser obrigadas a investir em algo mais que o futebol!

22 - Pra encerrar, se o gênio da Pedra Azul, Aiam Mit, te concedesse três desejos, o que você pediria?

1- Pediria um milhão de reais pra bancar minhas próprias produções a vontade!
2- Pediria que o Brasil se tornasse o país mais rico do mundo, com 0% de analfabetismo e fome!
3- E pediria esse Centro de Produção Cultural que comentei aí em cima, onde viveria com a minha mulher e filha, felizes para sempre e... E FIM do Conto de Fada! Acorda, neguin, vai trabalhá (risos)!...

Visite o site do Maraska aqui.

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