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Série Memória das Editoras: Editora Brasil-América Limitada - Ebal
Por Ota
17/01/2011

Nesta nova série feita especialmente para o Bigorna, eu, Otacílio d' Assunção - o Ota - falarei sobre as grandes editoras de quadrinhos do Brasil. E nada mais justo que começar pela Ebal, que dos anos 50 aos 70 foi a preferida dos leitores! E foi justamente na Ebal que eu consegui meu primeiro emprego, aos 15 anos de idade. Além de narrar a história da editora, quero contar um pouco das minhas lembranças desta inesquecível e saudosa fábrica de sonhos e quadrinhos que o Brasil teve.

A Ebal (sigla de Editora Brasil-América Limitada) foi fundada em 18 de maio de 1945, numa pequena sala do Edifício São Borja, na Avenida Rio Branco 255, no Rio de Janeiro. Adolfo Aizen, que nos anos 30 tinha feito fortuna ao lançar o Suplemento Juvenil, marco dos quadrinhos no Brasil, entrara os anos 40 com dificuldades: não só pela concorrência do Globo Juvenil, de Roberto Marinho, que lhe tirou os melhores personagens, como por problemas provocados pela II Guerra Mundial, quando houve desabastecimento de papel e outras matérias-primas. Para não sucumbir, fez um acordo com a empresa A Noite, controlada pelo governo, a qual assumiu o controle acionário. Aizen, entretanto, continuou como diretor do GCSN (Grande Consórcio de Suplementos Nacionais), grupo editorial que publicava, além do Suplemento, seus filhotes Mirim e Lobinho. Em meados dos anos 1940 as tiragens haviam baixado e algumas das publicações do GCSN estavam se tornando praticamente deficitárias.

Ao que parece Aizen estava apenas esperando o término da guerra para dar seu próximo passo. A data oficial da fundação da editora foi exatamente 11 dias após a rendição da Alemanha. Escaldado pelas oscilações do mercado de periódicos, Aizen inicialmente pretendia publicar livros, e não revistas.  E, de fato, as primeiras edições da Ebal nada tinham a ver com revistas em quadrinhos. Entretanto, em 1946 ele fez uma parceria com César Civita, da Editorial Abril da Argentina (que vinha a ser irmão de Victor Civita, fundador da Abril brasileira) e lançou a revista Seleções Coloridas, com personagens de Walt Disney. Esta durou apenas 17 edições: a parceria com os Civita se dissolveu. Em julho de em 1947, Aizen lançava uma revista por ele considerada oficialmente  "a primeira da Ebal": O Heroi (sem acento), um mix de histórias de aventuras (cowboys, selva, aviadores) com material da Fiction House e editoras norte-americanas similares. A ela se seguiram outras como Superman, Edição Maravilhosa, Mindinho e centenas de outras que consolidaram a griffe Ebal, que em seus pontos de pico chegou a lançar mais de trinta títulos simultaneamente. Os carros-chefe eram Tarzan e Zorro (Lone Ranger), seguidos de perto por Superman e Batman.

Logo a Ebal estava consolidada e nem mesmo um incêndio que destruiu quase completamente seu prédio próprio na rua Abilio (mais tarde General Almério de Moura) no início dos anos 50 conseguiu impedir a expansão da editora, que foi lançando cada vez mais revistas de todos os gêneros, com material fornecido pela Western Printing, National Periodical (DC) e outras fontes. As campanhas contra os quadrinhos feitas por padres e educadores nessa década não atingiram a Ebal, que mantinha uma linha de publicações educativas para acalmar os ânimos. Além da Edição Maravilhosa, inicialmente uma tradução da americana Classics Illustrated que foi incorporando em suas edições quadrinizações de romances brasileiros, revistas como Grandes Figuras (personagens da História do Brasil) e a Série Sagrada (biografias de santos da igreja católica) compunham essa linha. Mas os personagens mais populares eram os de ficção, que se dividiam entre cowboys, super-heróis, aventuras da selva ou derivados de desenhos animados como os Looney Tunes (Pernalonga & cia.), personagens da MGM (Tom e Jerry) e Walter Lantz (Údi-Údi, o Pica-pau).

Minha ligação com a Ebal começou no final dos anos 1950/início dos anos 1960, quando aprendi a ler. Eu já reconhecia a logomarca da editora, um tosco círculo com as letras EBAL dentro de um objeto geométrico em forma de L virado de cabeça para baixo que ficava no canto superior esquerdo onde também vinham o título da revista e sua classificação "para crianças", "para maiores de 13 anos", "para adultos" ou "para todas as idades". Obviamente essa classificação era meio fake, pois quem lia mesmo as histórias de cowboys ou super-heróis eram crianças. Mesmo as revistas românticas como Idílio e Rosalinda (classificadas como "para adultos" eram de conteúdo mais inocente que qualquer novela das seis ou filme da Sessão da Tarde de hoje. Mas meus pais seguiam a classificação e só me deixavam ler as infantis. Somente quando fiz 11 anos me atrevi a comprar a primeira edição do recém-lançado Superboy e estabeleci meu grito de independência.

Os leitores como eu sabiam que o selo da Ebal era garantia de qualidade. Para quem teve a infância e adolescência nos anos 60 uma visita à Ebal era o maior sonho de consumo. Aizen abria as portas da editora para caravanas de visitas escolares em que mostrava a gráfica que imprimia os gibis (termo que ele abominava, pois o título pertencia a seu rival Roberto Marinho) e a linha de montagem, e ainda dava um pacote de cortesia com revistas da editora. Essa política de relações públicas lhe rendia bons frutos e consolidava a marca. Crianças podiam brincar num parquinho que ficava na frende do prédio maior, onde havia até gaiolas com araras. O prédio inicial tinha sido expandido de dois para seis andares e Aizen depois comprou o terreno ao lado e construiu outro ainda maior, ficando com um imponente complexo que abrigava redação, gráfica, depósito e o famoso Museu dos Quadrinhos que ele inaugurou no início dos anos 1970.

Vendo que eu tinha vocação para quadrinhos, meu pai aproveitou um encontro casual numa festa promovida pelo Rotary Clube com o filho de Aizen, Paulo Adolfo, para pedir um estágio para mim. Eu já estava com 15 anos e precisava trabalhar, "senão virava vagabundo". No finalzinho de 1969 comecei a frequentar a editora, me fixando na redação e fazendo o tal estágio. Logo me arrumaram um pró-labore e em abril de 1970 fui efetivado como assistente de redação. Aprendi o que sei da minha profissão de editor ali, e assumi a programação das revistas (foi a primeira vez que alguém tentou dar um jeito na cronologia, que era uma bagunça) revisão e outros encargos como escolher capas. Na prática eu era o editor, embora não tivesse essa designação. Ainda bem que não havia essas absurdas leis contra o trabalho infantil de hoje. Minha primeira carteira assinada era verde, a "carteira de trabalho do menor" substituída depois pela azul quando completei dezoito anos. E continuei estudando, terminando o curso Clássico (correspondente ao atual segundo grau) e a faculdade (Jornalismo na UFJ).

Sou muito grato a Aizen porque, depois do meu pai, foi o primeiro que enxergou a minha vocação e me deu uma chance de trabalhar com o que eu mais gostava. Ele enxergava potencial em mim e disse mais de uma vez que um dia eu seria "o futuro diretor" da editora. Para um moleque de quinze anos era um sonho estar ali. O salário (como de todo mundo que lá trabalhava) era baixo. Começava-se com salário mínimo e os aumentos eram comedidos. Mas isso era compensado pelas vantagens. Além de fazer aquilo que eu gostava, lia as histórias antes de todo mundo, fuçava nas gavetas e encontrava centenas de coisas interessantes. Tinha acesso às coleções de tudo que eles publicavam e até às encadernações do Suplemento Juvenil e Lobinho. Eu era pago para ler gibis! Aprendi como funcionava uma gráfica por dentro, a mexer com edição e fazia amizade com os visitantes ilustres que apareciam de vez em quando: ídolos de infância como Malba Tahan, André LeBlanc, Ziraldo, Antônio Euzébio, Colonnese, caravanas de editores estrangeiros, representantes dos personagens que eram publicados. Vi coisas acontecendo, negócios sendo fechados, e ainda pegava uma carona na mesa do almoço da diretoria – eu fazia parte do grupo de elite dos funcionários que tinha direito a participar dos almoços na mesa nobre, pois estava sendo preparado para um cargo de confiança. Era como um estranho que caiu nas boas graças da família real de um reino distante. De fato, a Ebal era um reino: Aizen a denominava “O Reino Encantado das Histórias em Quadrinhos”.

Leia a parte final na próxima semana.

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