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Por Gazy Andraus 19/10/2010 (Para ler a primeira parte do artigo clique aqui) Em minha dissertação de mestrado Existe o quadrinho no vazio entre dois quadrinhos? (ou: O Koan nas Histórias em Quadrinhos Autorais Adultas) busquei unir esta questão à física quântica, pois que o físico Fritjof Capra mostrara a correlação do pensamento filosófico oriental e o fenômeno paradoxo-existencial da micropartícula, explicando que a possibilidade dual de um átomo ser corpúsculo e onda ao mesmo tempo não carece de “lógica”, pois aí se insere um novo modo exponencial de se encarar a natureza: uma nova forma em que a mente humana, que é neuroplástica, abarque novas possibilidades lógicas: pois a lógica não existe apenas em um nível: há também a lógica fuzzy (nebulosa) e a paraconsistente, paradoxal. Para Capra, os orientais sabiam bem disso devido ao perfil de pensamento que eles utilizam, diferente da objetividade cartesiana linear do ocidental. Assim, para a dissertação peguei várias HQ de diversos autores que traziam em seus roteiros imagéticos exemplos de alinearidades, de estilos e estéticas que não deixavam claras suas intenções, e que, embora parecessem “difíceis” de serem compreendidas, eram para ser lidas como os koans, os hai-kais, já que tinham em suas estruturas características sintetizadas, condensadas e não especificadas...eram como a frase enigma, o koan: “qual o som de uma mão ao bater das palmas”? Dessa forma, as histórias em quadrinhos no Brasil que começaram a demonstrar esta “roupagem” acabaram sendo chamadas de poéticas. Mas também de Fantasia-filosófica: Tal termo advém de um catálogo da exposição anual de fanzines e prozines de Ourense/Espanha, que cita uma das produções independentes, minha e de Edgar Franco (o fanzine que lançamos em dupla em 1994, intitulado “Irmãos Siameses”), nomeando o conteúdo de nosso trabalho como "Fantasia- Filosófica autêntica". No Brasil, autores pioneiros desse estilo são Henry Jaepelt (Fig. 5), Calazans (Fig. 6), Edgar Franco (Fig. 7), além de mim mesmo (Fig. 8), bem como Antonio Amaral (Fig. 9). Depois vieram Rosemário (Fig. 10) e Al Greco (Fig. 11), influenciados por trabalhos meus e de Edgar Franco – principalmente deste último. No livro As Histórias em quadrinhos-Teoria e prática, Edgar Franco também classifica no capítulo "Panorama dos Quadrinhos Subterrâneos no Brasil", quatro linhas temáticas existentes nas artes das HQ de produção não comercial, e dentre elas destaca a linha Poético-Filosófica, exemplificando com autores como Henry Jaepelt, Luciano Irrthum, e outros, que produzem uma HQ mesclando textos poéticos com imagens em seqüência. Como se vê, há várias maneiras de se classificar alguns estilos de literatura-imagética (HQ). Reafirmo, porém, exclusivamente, que a dita “Fantasia-filosófica” tem as características de um koan e/ou hai-kai: uma história de poucas páginas, de mensagem condensada, em que aparentemente não há uma narrativa que contemple começo, meio e fim tradicionais, em que não aconteçam situações dramáticas comuns e sim, mensagens oriundas de um autor cujo pensar se torna “condensado” e atinge da mesma forma o leitor. Geralmente são HQ que precisam de uma preparação melhor dos leitores, pois que estão acostumados com as narrativas tradicionais com muitos quadrinhos e páginas, que têm uma linearidade mais clara e abrangente...o cérebro em sua atividade racional se compraz em tais narrativas já que acostumamo-nos a usar cotidianamente o processamento da razão muito mais do que o da intuição criativa. E sente dificuldade em “entender” outros tipos de narrativas, de “lógicas”. Buscando compreender porque o estilo Fantasia-Filosófica foi propagado no Brasil, intento uma explicação cabível no próprio contexto de uma crise perene que atua direta e indiretamente na área quadrinhística brasileira. Primeiro deve-se salientar quais as diferenças básicas das HQ desse gênero literário-imagético, daquelas elaboradas em outros países (diga-se especialmente europeus). Lá, costumam as HQ terem muitas páginas, divididas em muitos tomos (álbuns), sendo que cada qual tem um subplot (sub-roteiro) completo, perfazendo-se após a finalização da saga. Isso acontece, por exemplo, com a obra de F. Bourgeon “Os passageiros do vento”. São 5 álbuns que completam uma saga histórico-ficcional, com extensa pesquisa. Cada um dos álbuns também tem alguns pontos que se fecham. O mesmo ocorre com “Aldebaran” (obra francesa que saiu no Brasil recentemente), do franco-brasileiro Leo. Porém, anteriormente, Caza criava HQ com menos páginas, de forma muito semelhante ao estilo Fantasia-Filosófica (que foi uma de minhas influências durante o desenvolvimento de meu estilo). Mesmo assim, é só no Brasil que os autores dessa linha fazem HQ completas com pouquíssimas páginas (média entre 2 a 6 páginas por HQ), geralmente em preto e branco. Isto porque as dificuldades de se publicar no Brasil pediam economia de páginas, devido, tanto ao tempo despendido (pois os autores tinham – ainda têm - outros afazeres imprescindíveis para sua sobrevivência), como ao barateamento: geralmente se fotocopiava reduzidamente para que as HQ coubessem em fanzines de tamanho meio-ofício (A-5). Como eram/são publicadas as HQ em vários fanzines que também não têm muitas páginas (média múltipla de 4, somando 24 páginas), os autores também não podiam ter histórias muito longas para que houvesse espaço para outros participantes. Estas “crises” financeiras alavancaram a produção de HQ curtas, haikaizadas, mas com um diferencial: os temas, no caso da fantasia-filosófica eram/são motivados por constatações de ordem existencial/espiritual, mescladas às intempéries por que passam os autores (intempéries também comuns a quaisquer brasileiros, como as crises de ordem político-social e financeira). Eis a diferença básica dessas HQ nacionais, com as estrangeiras: aqui, devido a tais crises e inexistência de um sólido mercado e editoração de quadrinhos, houve uma urgência “mental” de se criar HQ curtas, densas e diretas. Isto angariou um novo estilo nas HQ (estilo único e nacional), enquanto que também fez com que os autores desse gênero desenvolvessem um processo criativo diferenciado e “quântico”. Como se vê, há uma complexidade em todas essas considerações, sendo que, embora eu esteja usando a intuição (e minha experiência em anos na área dos quadrinhos alternativos fantástico-filosóficos), também busco usar a lógica cartesiana para dar sentido e entendimento do objeto que ora analiso. O pesquisador e professor-doutor Elydio dos Santos Neto, apresentou no Intercom de 2007 um trabalho que contribuiu para ampliar a divulgação desse tipo de quadrinho, que ainda é pouco reconhecido no Brasil. Seu artigo “Os quadrinhos poético-filosóficos de Gazy Andraus: Provocações de uma visão crítica, espiritual e afirmativa da vida”, analisou a questão da existência de uma linha poética nos quadrinhos brasileiros, exemplificando-a com um dos trabalhos: a minha HQ “Hurizen”, que concebi no início da década de 1990 (e que publiquei em meu fanzine Homo Eternus, vol. 1, co-editado, à época, por Edgard Guimarães). Para se entender o alcance que uma HQ poética (ou fantástica-filosófica, que é esta do meu caso) pode alcançar, o próprio Elydio descreve parte de seu conteúdo e função, ao resumir seu artigo: Este trabalho inicia apontando o quadro de transformações culturais em processo e, em seguida, justifica a escolha, para análise, da obra de Gazy Andraus como representativa dos quadrinhos poético-filosóficos no Brasil. Mostra, então, o que entende por quadrinhos poético-filosóficos. A partir daí apresenta um rápido esboço biográfico de Gazy Andraus e identifica as características principais de sua obra. Tem havido muitas tentativas de se publicar histórias em quadrinhos poéticas no Brasil. Principalmente pelos fanzines. Henrique Magalhães, dono da Editora Marca de Fantasia, criou a revista “Tyli-Tyli”, em homenagem ao trabalho de Flávio Calazans, trazendo HQ dele e de outros autores que comungavam o gênero poético, como Edgar Franco, Joacy Jamys e eu. Depois a revista se transformou na “Mandala”, mantendo a linha e incluindo novos autores como Rosemário e Al Greco, dentre outros8. Trazia também textos dos autores e do próprio Magalhães. Recentemente, Marcelo Campos, dono da Escola Quanta de História em Quadrinhos, e ex-desenhista de Super-heróis, mostrou um viés que até se encaixa no que chamo de Fantasia-Filosófica, ao lançar o mini-álbum “Talvez Isso...”. São vinhetas que ora lembram tiras em quadrinhos, ora charges, mas de temática reflexiva, introspectiva, filosófica. Um trabalho pessoal, autoral, que comprova que a qualidade dos artistas nacionais, independe das linhas que seguem, estando sempre presente, acompanhando suas inquirições mentais. Como se verifica, a importância em relação a esse tipo de história em quadrinhos é muito maior do que se pode cogitar. Pois reflete um estado psíquico do próprio autor, que por fazer parte de um circuito social, refrata o que lhe impacta na sociedade, que interage consigo mesmo. Dessa forma, sua produção também vai afetar a formatação mental do leitor. E pelos roteiros possuírem estruturas de uma psique que trabalha e funciona sistemicamente, já que alia a intuição criativa do hemisfério direito à inteligência explicativa do esquerdo, num resultado que ajuda a própria sociedade a repensar sua vivência e existência. Embora aparentemente abstrato e subjetivo, este pensar, reside justamente aí a resultante na contraparte física e objetiva, impactando no pragmatismo da vida social. Histórias em quadrinhos poéticas, ou fantástico-filosóficas são tão importantes nas HQ, como o são os hai-kais na literatura e os koans aos zen-budistas e aos físicos (que os empregam para metaforizar a paradoxalidade da física quântica), pois trabalham a mente humana de forma a que ela se torne mais sensível, mais apurada, e conseqüentemente possa criar novas formas de solucionar suas crises existenciais, reflexos exclusivos dos seres humanos. A seguir, uma mostra de HQ poéticas, ou então, fantástico-filosóficas brasileiras, para que se enxergue melhor as diferenças em sua estrutura e seu conteúdo, das narrativas tradicionais. |
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