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Por Eduardo Manzano (colaborou Marcio Baraldi) 06/10/2010 “Precisamos manter a cena, trocar idéias e ficar unidos!” O gaúcho Law Tissot começou a atuar na cena do Quadrinho underground em novembro de 1984, quando Law, Marco Muller e Rodnério Rosa criaram o Grupo Mutação de Quadrinhos, na cidade de Rio Frande (RS), e lançaram o fanzine Mutação. Esta publicação tinha o espírito da época, pois os quadrinhos independentes começavam a proliferar pelo Brasil. A partir desta experiência, Law seguiu na edição de outros títulos e também na colaboração com dezenas de outros fanzines do período. Nos anos 90 participou do Cybercomix (a importante revista eletrônica do provedor Terra) além de continuar atuando na cena underground - sua grande e confessa paixão! Ao lado do quadrinhista Lorde Lobo editou o prózine Areia Hostil, que teve 15 edições e conquistou um prêmio HQ MIX. Hoje trabalha como arte-educador e mantém a Fanzinoteca Mutação no Ponto de Cultura ArtEstação, através de um projeto da FUNARTE. Law Tissot também realizou alguns curta-metragens inspirados na sua principal série de HQ, a “Cidade Cyber”. Com vocês agora, o maior quadrinhista cyberpunk do Brasil! 1 - Você fez parte da turma que fez o boom dos quadrinhos alternativos na década de 80, e já naquela época seu trabalho era inovador, buscando ser uma força de expressão. Fale um pouco dessa época, seus prós e contras. Nos anos 80 eu estava deslumbrado com tudo! Podia fazer zines em xerox e mandar pelo correio para todos os lugares do Brasil. Conheci os quadrinhos da revista Heavy Metal, Moebius e Druillet, a anarquia e estética do Movimento Punk. Tudo junto ao mesmo tempo! Não conseguia – e, sinceramente, ainda não consigo – ver meus quadrinhos naquele contexto como inovadores. Eram tantos artistas, poetas, zineiros e punks circulando juntos. Tanta expressão e atitude! Eu era mais um naquela multidão... O que tinha de bom naquele período era o espírito de aventura e curiosidade. Existia muita união, muita comunhão. O lado ruim é que a grana era pouca – sempre foi na verdade – para conseguir fazer tudo acontecer e propagar as idéias que vinham na cabeça... 2 - Law, seus quadrinhos mostram uma temática pós-apocalíptica, numa sociedade futura onde as relações pessoais, políticas e humanas foram sublimadas, uma nova filosofia. Fale um pouco de seus quadrinhos, qual seu objetivo nestas mensagens e com eles? O gênero pós-apocalíptico era moda na ficção-científica daquela época. Mad Max 2 foi o filme mais influente neste movimento, seu roteiro e estética resultou em toda uma série de imitações classe B – mas muito atraentes – que vinham principalmente da Itália e Filipinas. Também tinha o aspecto político do período, a Guerra Fria e o medo de uma guerra nuclear. Misture isso com minha performance punk – e depois dark – junto com a paixão por estes filmes e some com mais os quadrinhos do Druillet (particularmente La Nuit e Salammbo). O fanzine X-TRO que editei no auge desta época foi onde publiquei os meus melhores quadrinhos pós-apocalípticos. 3 - Seu traço une elegantemente uma linha forte e minimalista, bem espontânea, mostrando bastante personalidade. Além dos quadrinhos que outras mídias você tem trabalhado com sua arte? Eu tenho experimentado o vídeo, a arte-postal, o graffiti... Mas são apenas experiências, pois os quadrinhos ainda são a minha verdadeira identidade artística. Eu simplesmente sou fascinado pelas possibilidades das histórias em quadrinhos! 4 - Com o advento da internet também abriu-se um leque maior para divulgar trabalhos digamos, não tão comerciais como o seu, que privilegia a inteligência e sutileza... Desde a época dos primeiros fanzines – e da cena underground – que já existe as possibilidades de se publicar, reproduzir e distribuir toda a espécie de experimentalismos gráficos e narrativos que desejarmos, e sem pretensões comerciais, como ainda é o caso do meu trabalho. A internet apenas apresentou maior velocidade de ação. 5 - O que você tem acompanhado de quadrinhos atualmente? Acompanho a cena alternativa brasileira com o interesse de sempre, fanzines, blogs, coletivos,etc. O mercado de super-heróis nunca me interessou profundamente, ainda compro a Heavy Metal só para manter a coleção, mas hoje raramente me surpreendo. O último quadrinho que me traumatizou foi Os Invisíveis, do Grant Morrison. Já li e reli os 3 volumes inúmeras vezes! 6 - A indústria de quadrinhos está em decadência? Nos dê sua visão sobre os quadrinhos atualmente? Tenho visto muitos autores e coletivos lançando suas publicações com grande qualidade artística, em projetos gráficos sofisticados, como Beleléu ou Peiote. Isso é bem interessante. Por outro lado existem muitos quadrinhistas profundamente afetados pelo estilo americano de desenhar e criar. Isso não me agrada, mas cada um sabe o que é melhor para sua “arte”... 7 - Dos brasileiros quem mais gosta e destacaria? Ainda admiro os caras da minha geração: Alberto Monteiro, Ricardo Borges, Yuri Hermuch, Weaver Lima, Fabio Zimbres, Marco Muller... Tem o meu amigo Lorde Lobo, que é um dos principais representantes do gênero super-herói nacional, com seu personagem Penitente. Gosto muito do trabalho do Jaum também, traz essa referencia da Heavy Metal que me identifico. Eu não quero deixar ninguém de fora... na verdade eu amo demais a produção de quadrinhos nacionais, independente das opções gráficas e narrativas de cada um. E não poderia deixar de citar aqui o trabalho do meu outro grande amigo Odyr Bernardi, que, ao lado de Sandro Lobo, estourou merecidamente com o álbum Copacabana (editora Desiderata) e promete muito mais para breve. 8 - Fale-nos um pouco de seu blog Setor 8. O Setor 8 foi um coletivo mantido junto dos amigos Rafael Vianna, Lupin e Any Zero Fran. Mas publicávamos e divulgávamos os trabalhos de todos que cruzam o nosso caminho. As principais ações foram as histórias em quadrinhos, arte-postal, intervenções urbanas, performances, poesias. Era um fanzine disfarçado de blog. Ou seria o contrário? O Setor 8 se desfez no ano passado, mas muitas de suas idéias e propostas agora estão integradas à Fanzinoteca Mutação. 9 - Você também faz parte de um grupo musical, o Identidade Urbana, fale-nos sobre ele. Na verdade o Identidade Urbana foi um projeto cultural que desenvolvi ao lado dos amigos Mister Diones (rapper) e Diego Franz “Ene 3” (grafiteiro) da cena de Rio Grande. Este projeto aconteceu na Feira do Artesanato do Rio Grande, e envolveu shows de rock, rap, campeonato de skate e oficinas de graffiti. Eu não toco mais em nenhuma banda de rock. Minhas experiências musicais ficaram no século passado. Por outro lado quero me dedicar cada vez mais para aos zines, quadrinhos e vídeos. 10 - Sendo professor de Artes, como é o desafio de tentar fazer os alunos conhecerem e produzirem algo desvinculado do lixo cultural que temos hoje em dia? Fui professor da Educação de Jovens e Adultos, no ensino Fundamental e Médio de um colégio particular aqui de minha cidade durante 5 anos. Hoje curso pós-graduação em Poéticas Visuais e trabalho no Ponto de Cultura ArtEstação. Nos anos de trabalho como arte-educador pude oferecer aos meus alunos muitas reflexões e pesquisas sobre o graffiti e o skate que são as manifestações que as turmas mais se identificam nestes dias. Quando surgia algum aluno ou aluna que naturalmente tinha talento para alguma manifestação artística, eu procurava orientar individualmente. Eu aprendia muito com meus alunos e isso me deixava muito feliz.
11 - Sobre o que falam os curta metragens inspirados na sua série de HQs “Cidade Cyber”? O resultado o satisfez e quais seus objetivos ainda com esta mídia? Os curtas sempre foram experimentais, no principio dentro da disciplina de cinema e vídeo, quando cursava a graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande. Depois como um projeto para a grade de programação da TV da universidade. Mas foram trabalhos em equipe, que me levou a testar os limites técnicos e narrativos com baixo orçamento, com interesse de exibição apenas no meu território urbano. No momento desenvolvo outras produções de vídeo, como clipes e documentários. Mas até o final deste ano teremos um novo vídeo da Cidade Cyber, cujo primeiro teaser pode ser conferido aqui. 12 - Hoje em dia os fanzines de papel estão em cada vez menor número, pois boa parte deles migrou para a internet. É essa a nova cara dos fanzines? Não concordo com isso! Acho que a maioria de nós tem se acostumado com a internet por uma questão de comodismo. Já que existe uma vasta produção de fanzines impressos, em xerox por exemplo. Não só no Brasil, mas nos Estados Unidos e Europa também. Existe muita coisa acontecendo. E isto é apaixonante! A internet acomodou nossas atenções, mas a produção de zines no espaço urbano é intensa, é só não ter preguiça que a gente começa a receber toneladas deles pelos correios, igual aos anos 80! Prova disso é o nosso acervo aqui na Fanzinoteca Mutação, com mais de 2000 títulos, com raridades dos anos 1980 e 1990, mas com muita produção contemporânea. 13 - Na sua opinião, essa migração do papel para a net, não tira um pouco da personalidade e espontaneidade dos trabalhos? Quais as vantagens e desvantagens em sua opinião? Se o artista – e consequentemente o seu trabalho e expressão – tem espontaneidade, personalidade, então o meio não importa. Pode-se fazer uma HQ com qualquer mídia. Qualquer suporte. Evidente que cada escolha oferece um processo e um resultado. 14 - Percebe-se que a música tem uma forte influência em seu trabalho... Sim, na mesma garagem que comecei a desenhar meus quadrinhos e editar meus primeiros fanzines eu ensaiava com minhas bandas punks e góticas. O rock é a trilha sonora para toda a minha arte. Quer dizer, hoje também aprendi a escutar e valorizar o Hip Hop. 15 - Você conhece os projetos de lei do Quadrinho Nacional, dos deputados Simplício Mario e Vicentinho? Acredita que leis sejam a solução para os problemas da HQ brasileira? Aliás, a seu ver, quais são os maiores problemas desse mercado? Quando comecei a me engajar pelo Quadrinho nacional, lá por 1983, 1984, já havia esta discussão sobre leis e reserva de mercado. Parece que nada mudou, não é? Não sei se essa lei um dia vai ser legitimada, e se fosse, resolveria o que se propaga. Eu não tenho uma opinião formada sobre “mercado”, por que sempre fiquei inserido no underground, na cena alternativa. Ou seja, vou sempre nortear minhas produções pela contra-cultura. Pra ser sincero, não me interesso por leis nem por estatísticas editoriais, competitivas e mercadológicas. 16 - Se você fosse o Ministro da Cultura, o que você faria pelo Quadrinho Brasileiro? Que projetos você poria em prática? Jamais seria um ministro, meus caros, meu espírito é punk! Agora, defendo as políticas públicas culturais que começaram no Governo Lula, com Gilberto Gil, Célio Turino, TT Catalão, Juca Ferreira. A própria Funarte tem se mostrado atenta às culturas populares e alternativas como nunca. Nossa fanzinoteca, por exemplo, foi criada a partir de um edital de Interações Estéticas em Pontos de Cultura. Eu faço o possível para que estas políticas culturais sejam mantidas e ampliadas. O resto está em suas mãos, companheiros! 17 - Se você tivesse um milhão de reais para montar uma editora, o que você publicaria? Certamente iria resgatar o trabalho de muitos artistas que publicaram nos fanzines em décadas passadas e desapareceram na história. Mas também promoveria as novas gerações de quadrinhistas experimentais, viscerais e de alma punk (ou cyberpunk!). 18 - Se o gênio Shazam lhe concedesse três desejos o que você pediria? Percepção, intuição e desejo. 19 - Agradecemos suas palavras e deixamos o espaço aberto para você. Edu e Baraldi, vocês são outros grande nomes do nosso quadrinho! Quero continuar acompanhando teus trabalhos e entusiasmo. Precisamos manter a cena, trocar idéias, ficar unidos. As coisas sempre serão mais fáceis e mais humanas quando trabalhamos juntos. E, quem quiser pode me mandar um email, um zine, uma poesia, enfim. Eu respondo sempre: tissot_law@yahoo.com.br |
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