Escolher dez quadrinhos preferidos num oceano de obras já lançadas não é tarefa fácil. Para Carlos "Spider" Costa, então, é mais ingrata ainda! Afinal, o fundador do site HQManiacs e da HQM editora, está acostumado a viver cercado dos melhores quadrinhos já produzidos no planeta! Mas "Spider", picado por um pernilongo radioativo quando era criança, encontrou forças sobre-humanas para vasculhar suas toneladas de gibis e selecionar seus dez mais de todos os tempos. E valeu o esforço heróico do editor, pois sua lista é realmente tão suculenta quanto a torta de maçã da Tia May! Com vocês: o editor amigo da vizinhança!
Os Dez Melhores Quadrinhos de Todos os Tempos
Por Carlos "Spider" Costa
1 - Os Mortos-Vivos - Robert Kirkman
Zumbis, gente se matando, condições de vida precárias e tudo de ruim pode acontecer nesta genial série de terror escrita por Robert Kirkman. Os Mortos-Vivos já prende você no primeiro volume, para não querer perder os próximos. Não por acaso, a série foi indicada a prêmios no exterior, ganhou um em terras brasileiras e está com uma série para a TV sendo produzida, com distribuição da Fox. A arte de Tony Moore no primeiro volume é espetacular! A partir do segundo, quem assume é Charlie Adlard que, apesar da arte mais carregada, se encaixou bem à série. Realmente surpreendente e viciante!
2 - MSP 50 - vários artistas
Muita gente boa nesta edição especial que comemora os 50 anos de carreira do pai da Turma da Mônica. No entanto, a história que mais me chamou a atenção, tanto pelo roteiro quanto pela a arte é a última publicada no volume: a do novato Vitor Cafaggi. O rapaz, de uma vez só, dá sua versão para o primeiro encontro do Chico Bento com a Rosinha, mostra o porquê de ficarmos felizes quando estamos apaixonados e que dizem que "vimos um passarinho verde"; e arremata tudo com uma arte belíssima, mostrando sua visão do personagem de Maurício de Sousa. Talento nato! Fora essa HQ, a edição está repleta de boas histórias, todas produzidas por autores nacionais. É um "calaboca" para muitos que dizem que não existem talentos nos quadrinhos brasileiros!
3 - Leão Negro - Cynthia Carvalho
Sim, mais um título da HQM Editora! "Poxa, esse rapaz não está sendo ético, pois está falando de quadrinhos de sua própria editora." Bem, a explicação é bem simples: se o quadrinho não fosse realmente bom, sinceramente, não publicaríamos. Portanto, eu não seria ético comigo mesmo por gostar de algo que não pudesse indicar como meu quadrinho preferido. E o Leão Negro é mais um deles! Criado na década de 1980 pela Cynthia Carvalho e Ofeliano de Almeida, o Leão Negro ganhou as páginas do jornal O Globo em tiras sequenciais, onde a aventura continuava na tira seguinte. Naquela época, esse tipo de tira ainda fazia sucesso no mundo todo. E a partir dessa repercussão toda, o personagem ganhou um álbum pela editora portuguesa Meribérica, onde a tiragem foi distribuída para vários países. Para quem tem saudades ou quer conhecer essa pérola dos quadrinhos nacionais, vale a pena conferir a série de álbuns que estão saindo agora no Brasil, que reúne todas as tiras originais. O Leão Negro também ganhou uma nova série, com novas histórias, que é lançada paralelamente à série original, que também não deixa nada a desejar.
4 - Batman: O Cavaleiro das Trevas - Frank Miller e Klaus Janson
Um dos motivos que me levou a colecionar quadrinhos de super-heróis foi justamente O Cavaleiro das Trevas. Até então, eu adquiria somente quadrinhos Disney, pois foram eles que me foram apresentados inicialmente. Quando vi O Cavaleiro das Trevas nas bancas, com aquele formato diferenciado e arte estilizada, mostrando o morcegão diferente de tudo o que eu já tinha visto antes na TV ou folheando os gibis de super-heróis, mudei de estilo de leitura na mesma hora, aposentando os quadrinhos Disney. Narrativa única, mostrando um futuro alternativo do Batman e, de quebra, ainda ver o homem-morcego e o Super-Homem se pegando, não tem dinheiro que pague. Ou tem, pois o gibi era bem caro em relação aos infantis que colecionava. Foi marcante, pois foi neste gibi que passei a ver os quadrinhos de forma diferente do que estava acostumado.
5 - Maus - A História de um Sobrevivente - Art Spiegelman
Demorei para pegar Maus nas mãos. Lançada pela primeira vez por aqui em dois volumes pela editora Brasiliense, a obra ganhou um volume caprichado e completo pela Companhia das Letras. E foi esse que devorei de uma só vez! Maus mostra as barbaridades dos alemães contra os judeus nos campos de concentração, onde Spiegelman transformou em quadrinhos os relatos de seu pai, sobrevivente do Holocausto. Um dos detalhes mais interessantes é a forma como Spiegelman retratou os judeus e os alemães: como ratos e cães, respectivamente. Daí, o nome da obra, fazendo um trocadilho com a palavra Mouse (camundongos, ratos). Uma obra marcante, envolvente, chocante e verdadeira! Imprescindível para os leitores que querem ler uma boa obra em quadrinhos.
6 - Apenas um Peregrino - Garth Ennis
Parece que pouca gente viu essa obra do doente escritor Garth Ennis, acostumado em escrever sobre barbaridades, violência, sangue, demônios e coisas do tipo. Mais conhecido por seus roteiros para as séries Preacher, Hellblazer e Justiceiro, o louco também é o autor de Apenas um Peregrino, obra pós-apocalíptica, que retrata o planeta depois do momento em que o sol começa a morrer. Os poucos sobreviventes passam a procurar por água, pois ficou extremamente escassa depois que os oceanos se evaporaram. É aí que surge o Peregrino, um sujeito de regras próprias, espalhando a palavra divina e tiros para quem ele achar que não presta, humanos, predadores ou mutantes. Obra que, seu eu tivesse cacife, faria tranquilamente um filme (não sei como ninguém ainda pensou nisso, em época que tudo quanto é obra está ganhando sua versão para a tela grande). Curto histórias que mostram o fim da Terra como a conhecemos, pois sou fã de Mad Max, por exemplo. É curioso saber o que imaginam outras pessoas sobre o fim do mundo. E neste caso, com a bagagem de desgraças que Garth Ennis tem em seu currículo, é interessante observar sua visão do apocalipse. A história ganhou uma continuação - O Jardim do Éden - que não é tão boa quanto a primeira, mas que juntas, dariam um bom filme. É outra HQ que quando você começa a ler, não quer parar enquanto não chega ao final.
7 – Aldebaran - Leo
Mais um exemplo de que existem bons roteiristas brasileiros, como a Cynthia Carvalho, do Leão Negro. Mas no caso de Leo, pseudônimo de Luiz Eduardo de Oliveira, que depois de frustrar-se com o mercado brasileiro na década de 1970, preferiu fazer sucesso no concorrido mercado europeu, com sua série Os Mundos de Aldebaran. Dividida em três ciclos - Aldebaran, Betelgeuse e Antares - a série traz conspirações políticas de colonizadores terráqueos, focando nas diferentes e perigosas vidas da fauna e flora de planetas praticamente inexplorados e formados quase em sua totalidade por água. Infelizmente, o terceiro ciclo da série ainda não está completo, porém, está perto de terminar - o terceiro volume deste ciclo saiu na França este ano. Aldebaran e Betelgeuse, com 5 álbuns cada, são espetaculares e ganhou, em 2007, sua versão nacional, onde cada volume publicou duas histórias. Leo mostra-se um excelente criador, com domínio da arte e da narrativa, mostrando-se um artista completo. A obra tem um site bem bacana, em francês, com direito a entrevista em vídeo com o autor e até trilha sonora (acesse aqui). Vale a pena conferir!
8 - O Monstro do Pântano - Alan Moore
Bem, se ninguém nunca gostou ou sabia da existência do Monstro do Pântano, passou a conhecer depois que o Alan Moore colocou as mãos nele. A fase do considerado mago dos quadrinhos foi publicada e republicada por aqui, de forma completa e incompleta, mais de cinco vezes - só por aí dá pra se perceber a importância da obra. O elemental tem sua origem recontada e sua história ampliada, onde Moore usou e abusou das narrativas, seja nos conflitos internos do personagem, seja às pessoas ao seu redor. Quem leu, com certeza, quis provar um dos tubérculos que o personagem deixou cair em uma de suas histórias, como aquela em que mostra "as viagens" de alguns personagens-chave da saga que provaram da "batata alucinógena". Não posso deixar de comentar sobre os artistas que acompanharam Moore na saga, com suas artes muito bem competentes e que se encaixaram perfeitamente às narrativas, como Rick Veith, Alfredo Alcala e John Totleben.
9 - WE3 - Grant Morrison e Frank Quitely
WE3 me despertou curiosidade logo após ter ganhado o Eisner. Na verdade, depois de ler o original americano, corri atrás para ser o primeiro lançamento da HQM Editora, na época em que os títulos da DC Comics, fora do mainstream, poderiam ser publicados por quaisquer editoras que se interessassem. No entanto, como a representante brasileira queria que fechássemos um pacote para dois anos de publicação, acabamos por deixar de lado e o título foi oferecido para a Panini (junto com o primeiro volume de Ex Machina, outro título que me interessei à época), que lançou imediatamente, em um momento em que a editora ainda não lançava títulos do selo Vertigo e nem da Wildstorm, com um subtítulo alterado de última hora, devido à uma sugestão minha (de Armas do Futuro passou para Instinto de Sobrevivência). A história mostra três animais - um cão, um gato e um coelho - cobaias de laboratório que são transformados em máquinas de combate, com partes cibernéticas acopladas a seus corpos. Quando os três animais resolvem fugir do complexo onde foram alterados, o governo vai atrás dos bichos, e é aí que a história realmente acontece. A arte de Frank Quitely é um show a olhos vistos. O roteiro, focado na relação dos três animais, é a diferença marcante no que estamos acostumados a ver de Morrison em outras de suas obras.
10 - Gen: Pés Descalços - Keiji Nakazawa
É interessante ver que as melhores obras de quadrinhos apontadas pela crítica são aquelas baseadas na vida real. Maus, de Spiegelman, sobre o Holocausto; Persépolis, sobre a vida da autora iraniana Marjane Satrapi na revolução islâmica; O Fotógrafo, de Didier Lefévre sobre sua passagem pelo Afeganistão; Joe Sacco, que misturou jornalismo e quadrinhos em suas obras sobre guerras e seus efeitos nocivos nas pessoas. Porém, antes de tudo isso, ainda na década de 1970, surgiu Gen: Pés Descalços, obra escrita por Keiji Nakazawa, sobrevivente da bomba lançada em Hiroshima na Segunda Guerra Mundial. A história é extensa e intensa, em quatro grandes volumes, mostrando detalhes da vida antes e após o lançamento da bomba atômica. A obra chegou por aqui em 2004 - antes tarde do que nunca -, completando a minha lista dos 10 melhores quadrinhos. Recomendo todos eles para quem quer ler boas histórias em quadrinhos que, quando você chega ao fim, na última página, sente-se satisfeito com a história - algo difícil, com tantas opções de leitura que temos hoje em dia, pois periga, muitas vezes, levarmos para casa "gato por lebre", ou ainda, gostar da capa ou da sinopse da obra, e, infelizmente, ficar muito, muito insatisfeito com o dinheiro investido, já que ele não cresce em árvores (ei, isso pode dar uma história :P).