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Por Marcio Baraldi 07/07/2010 Quem pensa que a fase mais polêmica da Marvel no Brasil foi a da Editora Abril, que remontava muitas histórias, criando uma nova cronologia para os personagens, é porque não conheceu a Bloch! Nos anos 70 a editora carioca, da famosa família Bloch, era um império! Seu carro chefe era a hiper- mega-tradicional revista “Manchete”, uma espécie de “CARAS” da época, que era um catatau de 100 páginas semanais, impecavelmente impressas num papel couchê de alto nível. Enfim, um revistão de encher os olhos (graficamente falando), que custava barato e vendia horrores! Os Blochs eram tão poderosos que fundaram no início dos anos 80 a TV Manchete, que foi comprada e transformada em Rede TV, em 1999, quando o império Bloch desmoronou. Pois bem, em meados dos anos 70, em pleno auge da editora, eles cresceram os olhos encima dos gibis da Marvel (que vendiam muito bem!) que a saudosíssima editora EBAL (também carioca) publicava com competência ímpar e deram um puxão de tapete na EBAL, conseguindo para si os direitos da Marvel no Brasil. Assim, sem experiência anterior alguma com quadrinhos, movidos apenas pelo business, a Bloch lançou um punhado de títulos Marvel em formatinho. Todos, porém, com um particularidade inusitada: apesar da ótima impressão e qualidade do papel (os mesmos da revista Manchete), o “projeto gráfico” dos gibis era um Caos total!!! Traduções hilárias, cores berrantes e infiéis às originais, diagramação absurda, decorado (trabalho de completar desenhos e cenários desfalcados) horrenda! Enfim, um verdadeiro samba do crioulo doido! Mas não é que, mesmo com todos esses defeitos, os tais gibis tinham lá um certo charme que os fizeram angariar uma legião de defensores na mesma proporção de seus críticos? Um charme que os fazem ser supervalorizados até hoje, sendo caçados selvagemente nos sebos e comerciantes de gibis antigos! Contribui para isso o fato da aventura da Marvel na Bloch ter durado pouco, apenas três anos (de 1975 a 1978). O título que mais durou foi o Homem-Aranha, que chegou a 33 edições. Outros, como o do Hulk e Homem de Ferro, por exemplo, não chegaram nem na 20ª edição. O charmoso grupo Defensores então, durou apenas 5 edições. Enfim, uma empreitada que comercialmente falando, não deu certo, mas que serviu para divertir toda uma geração e marcar a cultura de uma época. Afinal, uma coisa não se pode negar, apesar da vida breve, os gibis da Bloch, amparados por uma boa campanha publicitária escorada nos famosos “desenhos desanimados” da Marvel, que ainda eram exibidos na TV, e pela parceria com o famoso apresentador de TV da época, Capitão Aza, causaram alvoroço entre a molecada de então! Fizeram sucesso e só não foram mesmo pra frente por falta de intimidade da Bloch com Quadrinhos, coisa que a EBAL tinha de sobra! Pois para relembrar os mirabolantes tempos da Bloch, reunimos aqui um trecho de uma ótima análise que o escritor Roberto Guedes publicou no Bigorna algum tempo atrás (leia a matéria completa aqui), acrescida da opinião de várias personalidades do cenário dos Quadrinhos no Brasil. Divirtam-se com as opiniões apaixonadas sobre a Bloch, tirem suas conclusões e, no final das contas, respondam: “E vocês, leitores, o que acham da Bloch, a mais polêmica editora da Marvel no Brasil?! Culpada ou inocente?” “Os argumentos da Bloch eram irresistíveis: títulos individuais para cada um dos personagens, mesmo para os menos populares e expressivos; e todas as revistas coloridas, ao contrário da EBAL, que publicava em preto-e-branco (exceto o Homem-Aranha e Capitão América, que tiveram série em cores, mas de curtíssima duração). Outro diferencial em relação à editora anterior se deu com a redução no tamanho das revistas com a implementação do “formatinho” (13,5 x 20,5 cm), o que, em princípio, causou uma certa estranheza e insatisfação geral por parte dos leitores, acostumados que estavam em apreciar os desenhos em páginas maiores. A medida, que já era aplicada há tempos pela Editora Abril em suas revistinhas Disney, mostrou-se economicamente mais viável, ainda mais quando o Governo Militar começou a controlar a importação do papel e a encarecê-lo, a fim de manter a imprensa escrita sob seu controle. Claro, quanto menos publicações fossem lançadas, menor seria o risco do Estado ser achincalhado. No final das contas, as demais editoras, mesmo a EBAL, também assumiram o “formatinho” para não irem à bancarrota.” Roberto Guedes (escritor e jornalista especializado em Quadrinhos e Cultura pop) “Discordo da matéria do Roberto Guedes sobre a época em que os quadrinhos Marvel foram publicados, no Brasil, pela Bloch. Por mais bem informada e pesquisada que ela seja. Nem tudo que é antigo é bom, ainda que faça parte da memória afetiva da gente! Entendo que, se era o nosso único acesso a personagens queridos, a gente acabava valorizando. Mas daí a dizer que as revistas eram boas vai uma distância. A qualidade do trabalho editorial da Bloch, nesse caso dos quadrinhos Marvel, foi abaixo da critica. Não se trata apenas do problema das cores alucinadas, do qual a matéria dá conta muito bem. Mas eu antes era leitor da EBAL, editora que, se publicava tudo aquilo em p&b, ao menos traduzia o material direito e, em geral, não remontava as páginas. Só passou a reduzir (sem remontar) o material da DC que permaneceu publicando uma boa década depois. Como é isso de remontar as páginas? Simples: sabedor de que as cores escangalhadas, berrantes, de sua edição iam borrar tudo, incluindo o nanquim dos desenhos, o editor, o quadrinhista Edmundo Rodrigues, fazia com que cada página de gibi americano grande valesse duas do seu, porque em vez de reduzir os desenhos, ou reduzindo-os bem pouco, recortava e recompunha as páginas. Fazia duas, às vezes três com os desenhos arrancados a uma página do original, sem a menor consideração pelo andamento da HQ ou pela (o que será isso?) integridade dos desenhos. De modo que, se por um lado, o número de páginas do gibi era bem maior que o original americanos, pelo outro lado, as páginas necessárias para formar uma edição inteira vinham de no máximo três; na maior parte das vezes, duas edições originais. E não quatro, como se tornou praxe depois, a partir do “mandato” da RGE. Além disso, a tradução na Bloch era feita de maneira muito descuidada, de modo que falas ou legendas no original ocupando três linhas na sua versão brasileira tinham às vezes duas palavras. O modo como as histórias eram reescritas desprezava todo o esforço de caracterização dos personagens, coisa que nem num gibi da EBAL nem nos posteriores, da RGE ou da Abril, aconteceu. As legendas da Marvel eram grandes, no original, porque, entre outras coisas, os personagens passaram a falar mais, e as legendas recheadas de bom humor e coloquialismos, típicas da redação Marvel, ocupavam mais espaço, o que numa página grande eram parte do “molho”. Boa parte desse “molho” se perdeu quando a Bloch assumiu a tarefa de trazer o material da Marvel ao nosso pais. Fez o serviço sem lhe dar a menor importância. Como, além do mais, a matéria do Guedes aponta, começaram republicando, em vez de retomar a partir da edição em que a EBAL parou, terminaram alijando muitos potenciais compradores, eu incluído. Aos meus olhos, era claro que podia se fazer aqueles gibis de modo bem melhor. O descaso, pude verificar depois, não era só da empresa num nível geral, de definição das prioridades. Também era desse modo que os profissionais envolvidos trabalhavam. Desenhistas de categoria, na fase da publicação de HQ brasileira da editora, tiveram seus originais simplesmente recortados, nas mãos de Rodrigues . Com tamanho respeito por criadores e por seu público, não é de espantar que tenham perdido seu 'investimento'.” Carlos Patati (escritor e jornalista especializado em Quadrinhos e cultura Pop) “Com 12 anos eu vi os gibis da Bloch na banca em frente à padaria do seu Eugênio, no bairro de Bonsucesso, no Rio, onde eu morava na época. Foi paixão à primeira vista! Eram os gibis do Homem-Aranha e Capitão América, que traziam em suas páginas um certificado pra gente se associar ao Clube do Bloquinho, além de virem com pôsteres dos heróis como brinde. Fiquei sabendo dos lançamentos pelo programa na TV Tupi do Capitão Aza, que tinha uma parceria com os gibis. O Capitão Aza era garoto-propaganda do Tocha Humana, Mestre de Kung Fu, Namor, Thor, Hulk, Homem de Ferro, Demolidor, entre outros títulos da Bloch. Mas o que eu gostaria de comentar é o efeito que estes gibis causavam em mim ao lê-los no banheiro (sim, eu tinha que lê-los escondido da minha mãe): era um CHOQUE TOTAL!!! Os desenhos maravilhosos de John e Sal Buscema (numa época em que ele ainda tinha boa arte-final), John Romita e Gil Kane saltavam aos olhos! Eu me lembro da luta entre Namor e o Tubarão Assassino, que li num pic-nic de domingo na Quinta da Boa Vista. UAU! Aquilo era genial! E o Capitão América e o Falcão lutando contra o Serpente? Sensacional!!! O Demolidor estapeando os capangas do Coruja? Fantástico! Eu ficava com os olhos pulando de um lado pra outro nas páginas. Este era um efeito que o Gibi Semanal da RGE (que eu fui comprar depois) não criava. Os clássicos de Tereré, Garra Cinzenta, Flash Gordon, Tarzan, Spirit, Príncipe Valente, Rip Kirby, Big Ben Bolt (todos publicados no Gibi Semanal) eram cinema de arte, enquanto os gibis da Bloch eram pura ação “Indiana Jones”!!! Há cerca de 10 anos acabei doando quase toda minha coleção pra Biblioteca de Coleções Especiais da Unicamp. Achei que era muito egoísmo ter tudo aquilo, enquanto tanta gente nem tinha ouvido falar daquelas raridades. Valeu, Bloch!” Bira Dantas (cartunista) "Lembro-me de ter aguardado com ansiedade o lançamento dos dois primeiros gibis Marvel da Bloch (Novo Capitão América e Homem-Aranha) no começo de 1975. Afinal de contas, eu herdara a coleção Marvel da Ebal de um primo e devorara aquilo com avidez. As cores berrantes das revistas, o fato de cada uma delas só trazer as aventuras de um personagem ou grupo e a possibilidade de poder ler sagas que me eram desconhecidas até então (como as que saíram em títulos como Vingadores, Defensores, Ka-Zar, Tocha Humana, Planeta dos Macacos e tantos outros) me fascinou naquele período em que eu tinha pouco mais de 10 anos e nutria pelos super-heróis algo que se aproximava da identificação. Com o passar dos anos, entendi que a Bloch havia, de fato, bagunçado o coreto daqueles personagens no Brasil. De cara, me irritou ter que ler novamente todas aquelas histórias do Homem-Aranha que a Ebal já havia publicado. Mas por mais que a editora tivesse publicado bastante material inédito no Brasil, comecei a perceber, principalmente depois que a Abril passou a trabalhar com aqueles mesmos personagens, que as vidas de todos eles precisavam andar em paralelo, e não adiantava a Bloch publicar histórias do Capitão América nos anos 70, enquanto que as dos Vingadores se passavam no começo dos 60. Sem contar que a política de ampliar quadros para aumentar o número de páginas das revistas e a tradução quase sempre inadequada também eram de lascar, né? Sem falar na colorização, que tanto me fascinara na infância, mas que de fato era feita nas coxas. Anos mais tarde, já jornalista, acabei trabalhando na Bloch, junto com alguns profissionais que editavam aquele material da Marvel e percebi claramente que, na época, houve uma mentalidade muito mais mercantilista do que apaixonada no trato com aquelas histórias que, para mim, eram preciosidades. Para mim, a Bloch é um exemplo de como não se deve editar quadrinhos estrangeiros em português! E pelo que constatei, a filosofia de trabalho daquela redação foi mantida quando a editora parou de editar os heróis Marvel e passou a se concentrar no material de terror que foi lançado um tempo depois." Heitor Pitombo (jornalista especializado em Quadrinhos e Cultura Pop) “Descobri os super-heróis quando tinha oito para nove anos, em 1976, e comecei a consumir os gibis da Bloch. Eu não tinha discernimento para perceber que aquilo era mal editado, fazia-se mutilações, como se diz hoje. Naquela época eu achava as revistas maravilhosas! Não tinha grana para comprar todas, mas fazia mil rolos para tê-las. Fui atrás do Mestre do Kung Fu, do Homem-Aranha, do Capitão América e do Planeta dos Macacos para completar minha coleção. Mas a que eu mais curtia era O Homem de Seis Milhões de Dólares!!! Também adorava Os Trapalhões! Tenho tudo isso até hoje! A Bloch é a editora de quem mais tenho memória afetiva. Foi um momento difícil da minha vida, quando percorria o Brasil atrás de médicos que pudessem impedir que eu ficasse cego do olho direito, depois de um grave acidente. Nas viagens, enquanto minha mãe e meu pai sofriam com meu problema, eu só queria saber das revistinhas da Bloch. Puta merda, que saudade daquele tempo!..” Gonçalo Junior (jornalista especializado em Quadrinhos e Cultura Pop) “Eu gostava das revistas da Bloch, mesmo com tantos defeitos que apontavam ou apontam nelas. Sempre gostei de quadrinhos com cores vivas, como eram antigamente. Detesto essas cores das revistas atuais, muito mortas e escuras, de modo que, para vê-las bem, é preciso ir para um local com muito boa iluminação (preferencialmente, com luz solar direta). Com as da Bloch nos anos 70, não havia esse problema! Outro atrativo era a publicação, dentro das revistas, de reportagens ou artigos sobre filmes da época. Passei a curtir alguns desses filmes por Emir Ribeiro (Mestre do Quadrinho Brasileiro) “Os gibis da Bloch tinham uma particularidade agradabilíssima:os pôsteres centrais e as matérias com ícones mundiais como Bruce Lee, Émerson Fittipaldi, Charles Chaplin, entre outros. Eu, particularmente, me amarrava nesses gibis, tanto os da Marvel quanto os de Terror! Até o papel e impressão da Bloch eram diferenciados: era tudo em couchê liso e as cores ficavam mais vivas! O único problema da Bloch é que eles não tinham o cuidado de acentuar as particularidades de cada personagem, ou seja, os personagens falavam todos iguais. Vale dizer ainda que para mim e toda uma legião de fãs do Capitão Aza os gibis eram mais atraentes ainda, pois o Capitão tinha uma página fixa nas revistas, em que divulgava as atrações de seu programa na TV e falava das visitas que fazia nas escolas e das homenagens que recebia. Além disso ele divulgava o famoso Clube do Bloquinho e fazia muitos sorteios bacanas. Eu fui um dos membros do Clube do Bloquinho, com carteirinha e tudo! Bons tempos aqueles!...” Sérgio Júnior (fanzineiro e criador do personagem Fécum) O lado bom da Bloch foi a coragem de lançar tantos títulos individuais como: Vingadores, Defensores, Kazar, Drácula, Namor, etc, assim os leitores podiam comprar apenas os seus heróis preferidos e não uma revista mix com todos (como as que saíram posteriormente pela Abril, tipo Heróis da TV). Na época também passavam aqueles famosos desenhos "desanimados" da Marvel na TV , no programa do Capitão Aza, o que estimulava muito a garotada a comprar as revistas. O lado ruim da Bloch é que devido a falta de alguém com experiência, que realmente entendesse de quadrinhos na Editora, a Bloch não soube dar seguimento na cronologia da editora anterior, a EBAL. Outros problemas da Bloch: o formatinho, que sempre destruía a arte original, a tradução ruim (com muitas gírias da época) e as cores não originais dos desenhos. Contudo, apesar disso, tenho boas lembranças dos gibis da Bloch pois colecionei todos na época." Marcos De Moraes (dono da GibiMania, a maior gibiteria do Rio de Janeiro, e um dos maiores colecionadores de gibis Marvel do Brasil) |
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