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Re-significando os Quadrinhos - Parte Final
Por José Pinto de Queiróz Filho
28/06/2010

Os tempos são outros

Hoje, os tempos mudaram. A grande verdade é que o mundo do século XXI, pouco tem a ver com o velho mundo dos anos quarenta. O avanço inexorável do tempo produziu mudanças radicais nas pessoas, nos costumes, na estética, na ética, na moral, no imaginário dos novos leitores e na recomposição das forças entre as nações. E não poderia ser de outro modo. Nestas circunstâncias, com raras exceções, vivemos outra realidade na qual os heróis dos anos quarenta perderam o halo que ostentavam. É certo que alguns poucos ainda resistem, mas à custa de mudanças drásticas para se adequar aos novos tempos e aos novos leitores de quadrinhos. Mudaram de perfil, indumentária, ideologia, filosofia, ética, estética e moral. É o caso, por exemplo, de Namor, o Príncipe Submarino!


O Namor de antes e depois

No decorrer da Primeira Idade de Ouro dos quadrinhos, Namor sempre foi um personagem de primeira linha e tornou-se o primeiro anti-herói dos quadrinhos. Surgiu como protetor das cidades submersas da Atlântida contra a enxurrada de explosões "investigativas" e da poluição dos mares perpetradas pelos humanos da superfície. Por isso, declarou guerra a todos os povos da superfície, na defesa de seu reino submerso. Filho de um terrestre com uma princesa da Atlântida, herdou força extraordinária, invulnerabilidade, competência para voar e habilidade para sobreviver tanto na água quanto na terra. Na terra, de forma limitada, pois de 6 em 6 horas necessitava ser reidratado para manter os seus poderes.

Chega o momento em que decide atacar Nova Iorque onde provoca pânico, desastres e destruições. E para combatê-lo, eis que surge o Tocha Humana, um andróide criado pelo Professor Phineas T. Horton, que podia voar e inflamar o corpo. No início, o Tocha era uma ameaça para as pessoas, mas quando aprendeu a dominar as suas chamas tornou-se um herói do bem. Diz-se até que foi ele quem matou Hitler. As lutas homéricas travadas entre Tocha (fogo) e Submarino (água) fascinaram os leitores de gibis de então (veja mais sobre aqui); mas, a seguir, Namor foi convencido por Betty Dean, jornalista que se apaixonou por ele, de que o Eixo do Mal era uma ameaça muito maior para a Atlântida, do que os aliados. Decidiu, então, fazer uma trégua e lutar também contra o nazi-fascismo. Daí em diante, os dois super-heróis combateram juntos, por várias vezes, os nazistas e os japoneses.

Quando a guerra acabou, a trégua se fez permanente. Nas últimas histórias deste super-herói a sua personalidade foi alterada. O seu ódio contra os terrestres, melhor, contra suas ações destrutivas e irracionais, foi atribuído a uma doença sanguínea capaz de provocar descompensações emocionais, principalmente de ira. Por isso, teve de submeter-se a um tratamento de reciclagem que corrigiu o desequilíbrio.” Daí em diante, deixou de ser o que era. Tornou-se mais reflexivo, calmo, controlado, e politicamente correto como qualquer outro super-herói da linha conservadora. ”(VIANA, Nildo, Heróis e Super-heróis no mundo dos quadrinhos, ed. Achiamé, RJ, 2005).
 
Quadrinhos e engajamento político

No meu entender, os quadrinhos atuais continuam politicamente engajados. E de forma mais madura que antes: os temas são mais adultos e diversificados, as concepções estéticas mais livres e independentes e a realidade do dia a dia aparece com mais frequência nos roteiros das aventuras de ficção, embora com o viés dominante pró-norte americano. Citamos como exemplo, a participação dos heróis (e super) da Marvel no episódio da destruição das Torres Gêmeas. Vários presidentes americanos apareceram em capas e no miolo dos gibis: Roosevelt, Getúlio Vargas (no Brasil), Kennedy, Nixon e mais recentemente Obama numa edição do Homem Aranha, ratificando o fato de que o surgimento dos quadrinhos ocorreu dentro de um contexto político. E a sua utilização efetiva durante a Segunda Guerra Mundial, como instrumento de propaganda ideológica, confirmou o seu poder de instrumento de comunicação de massa capaz de persuadir pessoas e modificar costumes sociais. "Alguns consideram que este foi um momento de 'politização' ou de 'utilização política dos quadrinhos' o que é um equívoco. Na verdade, este foi um momento no qual se tornou mais explícito o caráter político das HQs, cujo papel se alterou com as próprias mudanças sociais e internacionais. A guerra produziu o herói guerreiro, assim como a crise, a expansão imperialista e a competição inter-imperialista produziram o herói colonizador. A radicalização, tal como ocorre em um momento de guerra, revelou de forma mais explícita e direta, os valores e interesses por detrás dos heróis dos quadrinhos e da ficção em geral." (VIANA, 2005)

É claro, a influência política sobre os leitores de hoje é muito menos ampla do que a dos anos quarenta. Acontece porque as HQ, como mídia de massa, já não tem a mesma importância que teve no passado devido principalmente à concorrência das novas mídias.

Por outro lado, é inegável, os quadrinhos evoluíram tornando-se um veículo de comunicação apto a produzir trabalhos de qualidade igual ou superior aos que se fazem nas outras mídias, particularmente na literatura e no cinema. Por isso, costumo dizer, enquanto o cinema norte-americano retroagiu para a adolescência, os quadrinhos avançaram para a maturidade. Parece que a infantilização do fã de cinema é a estratégia chave de consumo do capitalismo atual para atrair o cinéfilo. Basta observar os roteiros dos blockbuster com histórias de vampiros, mortos vivos, terror banalizado, Harry Potter e cia. Por outro lado, as HQs estão se especializando em publicar temáticas adultas e engajadas dos tipos: Planetary, Authority, V de vingança, Os invisíveis, Bórgia, Sangue para o Papa, Black Hole, Lúcifer, Hellblazer, entre muitos outros. Por este direcionamento mais adulto e reflexivo, foram agraciados pela França e pela Bélgica com o status de Arte. Desta perspectiva, os quadrinhos estão deixando de ser tratados como reles produto de lazer inútil, para tornar-se, por exemplo, excelentes instrumentos de reflexão e de ensino.

Finalizando

À semelhança da literatura e do cinema, existem quadrinhos comerciais como os de super-heróis e os da Disney - com temas banais e repetitivos, de fácil leitura, feitos em série por uma equipe de criadores para atender às exigências do editor e as necessidades do leitor médio. E os diferenciados, mais maduros e inteligentes, mais requintados e complexos, que requerem uma maior bagagem cultural do leitor para compreender seus temas. Isto ocorre habitualmente nos chamados quadrinhos autorais, produzidos pelo viés do autor. Do passado, podemos citar Príncipe Valente de Hal Foster e Spirit de Will Eisner. Do presente, listamos os trabalhos de Moebius (França), Alan Moore (Inglaterra) e Edgar Franco (Brasil). São obras mais apuradas, revelando um traço autoral adulto artístico e/ou filosófico-reflexivo. Infelizmente, as duas distinções raramente, são percebidas no Brasil. O cartunista e quadrinhista brasileiro Angeli, faz, a respeito, um comentário oportuno:

"Hoje tem gente que fala ‘o mercado de quadrinhos brasileiros não existe’ e vai tentar um espaço no mercado americano. Esses desenhistas brasileiros que tão publicando lá fora, fazendo Marvel, eles são ilustradores, eles não são autores. Autor é um cara que tem um discurso e desenha este discurso, ou escreve filme. (...)"

Concordo plenamente com Angeli. E você, leitor?!?

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