Quem vai indicar sua gloriosa lista dos dez gibis/historias mais importantes de todos os tempos esta semana é ninguém menos que Xalberto. Este histórico cartunista, que construiu um estilo particularíssimo misturando surrealismo (Bosch, Salvador Dali, Escher, etc)com quadrinhos de humor, criando as HQs mais non-sense e absurdas que o Quadrinho Brasileiro já viu! Xalberto começou a carreira no fim do anos 60, início dos 70, período da História em que os artistas estavam mergulhados na psicodelia e experimentando de tudo, inclusive graficamente. Foi uma época culturalmente riquíssima e inovadora, em que o conformismo, o moralismo falso e barato e a bunda-molice passaram longe.
Xalberto é fruto dessa geração, sua imaginação é gigante pela própria natureza e seu trabalho espelha essa grandeza! Conheçam agora dez quadrinhos históricos que contribuíram para solidificar a “maluquez, misturada com a lucidez”, desse verdadeiro Maluco Beleza da HQB! Enquanto a maioria se esforça pra serem sujeitos normais, Xalberto, do seu lado, vai aprendendo e ensinando a ser louco. Pirem a vontade na lista do Xalberto!
Os Dez Melhores Gibis de Todos os Tempos
por Xalberto
1 - "Gênesis" – Robert Crumb
Robert Crumb, quem diria, acabou ilustrando a Bíblia! Depois de ter quadrinizado a “família que trepa unida permanece unida” (como em Joe Blow, na revista Zap nº 5), de ter denunciado os excessos e mistificações da contracultura, de ter desenhado as cenas de sexo mais realistas do mundo das HQs, de ter sido responsável pela desrepressão de inúmeros desenhistas através do nosso planeta e de ter criado a revolução que foram os quadrinhos “underground”, Rob decidiu fazer o que declarou ser o maior trabalho de sua vida! A ilustração do Gênesis por este fantástico artista tornou a leitura da Bíblia prazerosa e acessível para os não- iniciados. Isto através do realismo com que retrata seus personagens, do seu obsessivo detalhismo pictórico, da dessacralização dos textos, da literalidade do que está escrito. Como disse alguém: “A Bíblia é o mais antigo livro de sexo da humanidade”!
2 - "Incal" – Moebius e Jodorowsky
Moebius, provavelmente o maior desenhista de HQs mundial, uniu-se ao genial roteirista Jodorowsky para criarem este rico universo de ficção científica místico-delirante. Inspirado pelas experiências do roteirista chileno com a droga ayuasca (daí, Incal, devido ao fato de ser de uso corrente na cultura inca), no Brasil a planta ficou mais conhecida por meio do culto Santo Daime. Nesta HQ, a dupla superou em tudo as histórias do gênero, sendo - em minha opinião - o legado maior da revista Metal Hurlant e sua grande síntese. Refiro-me, vejam bem, à série original do Incal e não à sua continuação “Antes do Incal”, em que Jodorowsky parece ter “perdido a mão”, ou a cabeça.
3 – "Spirit" – Will Eisner
Histórias com teor crítico, humanista e poético de um jeito que não se via no cenário das HQs americanas da época! E, no meio deste universo nada usual, desenrolava-se a aventura do detetive mascarado e suas maravilhosas vilãs. Inacreditável, para a década de 40! E os lendários quadrinhos de abertura, com o título “Spirit” esparramando-se pelo cenário.
4 - "Ferdinando" – Al Capp
Al Capp era o maior crítico da sociedade norte-americana. Segundo ele: porque sentia fome! Foi o responsável pela invenção de uma galeria sensacional de personagens habitantes de Brejo Seco, além de uma hilária sátira metalingüística ao detetive Dick Tracy (Fearless Fosdick, que Ferdinando adorava ler no jornal), os Shmoos e o dia de Maria Cebola, além de outras criações geniais. O problema foi quando Capp começou a ganhar dinheiro e passou a posicionar-se à direita da sociedade.
5 - "Ken Parker" – Berardi e Milazzo
O gênero faroeste notabilizou-se pelo ideal norte-americano de todos terem o direito de portar armas e de que “o melhor índio é um índio morto”. Isto até o surgimento de Ken Parker, em que os italianos Berardi e Milazzo imprimiram um enfoque humanista às histórias de bangue-bangue. Acho que foi Laerte que ressaltou em uma entrevista um aspecto curioso: a lista de temas contemporâneos abordados nesta HQ, antes totalmente estranhos ao gênero, é extensa. Os traços soltos e secos cumprem a função de agilizar uma produção italiana com pique industrial desta recriação do gênero western.
6 - "Little Nemo in Slumberland" – Winsor McCay
A série onírica de Winsor McCay, com aquele maravilhoso desenho Art Noveau, sempre me suscitou a seguinte pergunta: “Como pode o artista produzir uma página por semana com aquele nível de qualidade, durante anos a fio (e ainda ter criado um dos primeiros desenhos animados, com "Gertie, o dinossauro")”? É uma capacidade espantosa, principalmente se levarmos em contas os rumores, provavelmente infundados, de que ele consumia morfina! He,he,he!
7 - "Richard Corben" (conjunto da obra)
Seja publicando no underground ou nas revistas de terror da Warren, Corben (às vezes assinando GORE- ou seja, sangue coagulado) desfilou personagens masculinos de corpo avantajado e suas mulheres exuberantes em aventuras fantásticas, com artes realçadas pelo uso impressionante do airbrush (no tempo em que usar o aerógrafo dava um trabalho insano). Suas parcerias com o roteirista Jan Strnad foram responsáveis pelos melhores momentos da revista Slow Death (editada pela editora underground Last Gasp), infelizmente inéditas no Brasil.
8 - "Ano Santo, Ano da Mulher" – Luiz Gê
Esta extraordinária história de Luiz Gê, publicada no Balão e no Almanaque do Gibi Semanal, mostra todo o domínio técnico do autor no uso da linguagem das histórias em quadrinhos. Destaque especial para a sequência do incrível “bailado” de dribles na partida de futebol. Lembro de vender a revista Balão de mão em mão e testemunhar o interesse que esta história despertava neste nosso país do futebol!
9 - "Little Annie Fanny" – Kurtzman & Elder
A turma da MAD original (que foi decisiva como influência para a geração underground) foi chamada para criar uma história erótica de humor para a revista Playboy e o resultado foi esta até hoje insuperável HQ no gênero, de autoria de Harvey Kurtzman e do gênio Will Elder. O título (algo assim como: “a bundinha da Annie”) começa tirando sarro de Little Orphan Annie e a protagonista tipo loira-burra, meio Marilyn Monroe, causa o maior rebuliço sem perder um pingo da ingenuidade. Observem os detalhes malucos ao longo da história, marca inconfundível de Elder.
10 - "Príncipe Valente" – Hal Foster
Pelas magníficas ilustrações de Hal Foster, esta tira entra em décimo lugar (talvez merecesse mais, mas a lista é muito disputada. Tive de retirar Krazy Kat, de Herriman, da parada, só para dar uma ideia). Maestria técnica e nenhum balão, pois estes talvez ferissem um pouco o estilo clássico das ilustras. Li em algum lugar que Foster encontrou, antes de ser desenhista, uma mina de ouro, mas foi expulso por malfeitores, que acabaram se mostrando benfeitores, caso contrário o mundo não teria conhecido esta maravilha de trabalho!