“Deus me colocou na Terra para divertir e ensinar as crianças!”
Moacir Torres é um dos nomes mais sólidos do Quadrinho infantil brasileiro! Com seu jeito caipirão e pacificador, este libriano bem humorado foi o primeiro quadrinhista profissional que eu conheci pessoalmente, em Santo André, no ABC paulista. Após ler um fanzine chamado Jornal da Taturana, que Moacir fazia com seu inseparável amigo,o escritor Claudio Feldman, tomei coragem e corri até sua casa para lhe mostrar meus desenhos de pirralho revoltado. Mestre Moacir foi muito generoso e pacientemente me recebeu e me incentivou a ter fé na vida e no meu taco (na época, taquinho) e persistir no desenho até virar um profissional competente como ele. Saí todo feliz e realizado de sua casa e meti a cara no desenho, lotando cadernos e mais cadernos. Alguns anos depois, voltamos a nos encontrar, agora como colegas de profissão. Fortalecemos a amizade, bagunçamos muito juntos e firmei com ele um laço de respeito e admiração que perdura até hoje e perdurará forever! Pra mim é uma honra e alegria entrevistar o sujeito, que há mais de vinte anos encorajou um pequeno e espevitado garoto proletário latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do subúrbio operário! Muito obrigado, Mestrão, por mostrar que tudo pode ser divino, tudo pode ser maravilhoso, neste louco e infinito mundo dos Quadrinhos! E hoje eu sei quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude...
Você começou sua carreira em 1977, no ABC paulista. Como foi seu início? Quais as dificuldades que você enfrentou?
No começo foi bem difícil, pois tínhamos que publicar nossas HQs em fanzines, que naquela época eram uma midia alternativa muito forte, como é a Internet hoje. Mas valeu a pena, pois fiz grandes amigos nesse período e nesse universo dos fanzines.
O ABC naquela época era uma região muito politizada. Porque, ao invés de virar um chargista político como o Mastrotti, por exemplo, você escolheu trabalhar para o público infantil?
Sempre persegui esse sonho de ser quadrinhista infantil, não é por acaso que segui esse caminho. Acho que Deus, o Mestre do universo, me colocou na Terra para que eu, através dos meus desenhos, levasse até as crianças histórias com as quais elas pudessem rir e ao mesmo tempo aprender. Ele me colocou na Terra para divertir e ensinar as crianças!
Você tem influência do Mauricio de Sousa? Na sua opinião por que nenhum outro quadrinhista infantil conseguiu crescer tanto como ele? O que você acha que ele tem que os outros autores não tiveram?
Na verdade eu nunca me baseei no trabalho dele, minha influência veio do Ziraldo, que sempre foi o meu ídolo, e quem eu respeito muito pelo trabalho profissional que ele sempre fez. Acho que o Mauricio é um desenhista que deu certo porque está cercado de grandes profissionais, eles é que deveriam ser aplaudidos...
Você foi o primeiríssimo quadrinhista que eu conheci na vida! Lembra que você morava na Rua Carijós, em Santo André, e eu fui lá te encher o saco pra mostrar meus desenhos?!? Eu tinha uns onze anos. Você foi muito paciente com um moleque pentelho como eu (risos).
Imagina, Marcio! Você não me encheu o saco, não. Você precisava de uns toques profissionais e eu fiz o que pude. Acho que você também não é desenhista por acaso. Bem que naquela ocasião eu já tinha te avisado que desenhista rala muito e ganha pouco (risos)!
Depois eu cresci, entrei na profissão e ficamos "broders". Passamos a nos encontrar em todos os eventos de Quadrinhos do ABC. A turma era eu, você, Mastrotti, Gilmar, Luke Ross, Fernandes, X-Kid e outros malucos. Lembra disso? Foi uma época divertida!
Foi uma época muito boa aquela, nossas farras no ABC são inesquecíveis! Vi quase todos esses amigos crescerem profissionalmente. Você esqueceu do Júlio Maga, que era o menorzinho do grupo, pegou o bonde andando e depois de ter feito o curso de Quadrinhos comigo, passou a ser um dos nossos.
Grande Maga!!! Ele era um molequinho e fazia um fanzine chamado X-Salada, junto com o Ed, outro menino que sumiu! Lembro que o personagem principal do Maga era o gato Espeto. Por onde anda o Espeto? Virou churrasco de gato, morreu no espeto (risos)????
(risos) Felizmente o Espeto não virou churrasco, não! O Júlio continua com o Espeto, só que deu uma paradinha para fazer outros trabalhos, mas em breve ele surgirá com boas novas para as HQBs, é só esperar!
E por onde anda o Ed, você tem noticia dele? Ele tinha uma irmã gatíssima, que fez faculdade comigo. Onde anda a irmã do Edddddddddddddddd (risos)?!?...
Depois daquela época eu perdi o contato com ele, talvez quem saiba alguma coisa sobre ele é o Júlio. Quanto à irmã dele, acho que ela casou e tem um punhado de filhos (risos).
O Maga virou um grande parceiro seu, né? Vocês se deram muito bem e ele virou teu arte-finalista principal. Vocês criaram juntos o personagem Serginho Bacana, né? De quem foi a idéia de criar um molequinho que tem um boné falante?
O Serginho Bacana foi eu quem criei, o Maga deu a idéia dele conversar com o boné. Foi legal e ficou algo muito diferente! Eu e o Maga nos damos muito bem, ele não era o arte-finalista, ele sempre fez os roteiros das minhas histórias e desenhava com o traço dele, depois eu passava a limpo e arte-finalizava. Até hoje somos parceiros de trabalho, aliás, somos mais que isso. Somos irmãos!
Lembra que nos anos 80 eu e você organizamos uma Super Mostra de Quadrinhos em Santo André, lá no Parque da Criança, naquele casarão bonito? Foi um grande sucesso, conseguimos originais pra expor de todos os profissionais da época: Watson, Franco, Seabra, Alan Voss, Mozart Couto, Zalla, Collonese, etc. Conseguimos centenas de originais e lotamos o lugar! Foi muito louco!!! Passaram centenas de pessoas por lá!...
Lembro sim! Foi muito legal, essa mostra é que deu o pontapé inicial para as outras exposições de HQs que organizamos em Santo André. Realmente tinha trabalho de caras muito bons. Verdadeiras feras dos Quadrinhos.
Lembro que a gente passava o sábado e o domingo lá, ciceroneando o público e xavecando as minas (risos)!!! Almoçava na padoca da esquina e voltava.
Foi muito legal, a gente não ganhava nada, mas nos divertíamos. Lembro até que em uma dessas exposições você ficou chapado e jogou a taça de vinho no meio do pessoal, no dia da abertura. Todos pararam de conversar, ficou o maior silêncio e todo mundo olhando pra você. Daquele dia em diante descobri que você era maluco (risos)! Teve outra que você tocou com uma banda, junto com o Marcatti.
Euuuuuuuuuuuuuuuuuu???? Não, você deve tá me confundindo com outro cara (risos)!!!! Vamos mudar de assunto rápido (risos)! Quando você morava em Santo André, você tinha um parceria muito sólida com o escritor Claudio Feldman. Por onde anda o Claudio, vocês ainda produzem algo juntos?
O Cláudio continua publicando seus livros, muito bons por sinal! No momento não produzimos mais nada juntos, mas continuamos nos correspondendo. A filha e o filho dele, a Fani e o Bruno Feldman, são atores de primeira!!!
O Jornal da Taturana era um fanzine bem popular no ABC na época, né? Era praticamente uma instituição, reunia grandes escritores, poetas e cartunistas.Quanto tempo durou o Taturana?
Nós ficamos com o Taturana por dez anos, era muito difícil, pois não tínhamos nenhum patrocinador forte, era nós mesmos que bancávamos a publicação. Mas valeu, pois foi através dessa publicação que cheguei até a Abril Cultural.
Pois é!!! Você trabalhou no famoso e histórico estúdio da Abril, né? Que gibis você fazia lá e quais foram os grandes profissionais com os quais você conviveu?
Fiquei por mais de dez anos na Abril Jovem. Fiz as artes finais de vários personagens da época, como: Trapalhões, Sergio Mallandro, Gugu, Alegria, Brave Star (com Marcelo Campos), Luluzinha, Zé Carioca, Pato Donald e etc. Convivi com grandes feras das HQs como: Gustavo Machado, Aluir Amâncio, Paulo Borges, Watson Portella, Marcelo Campos, Paulo Fukue, Marcelo Cassaro, Primaggio e muitos outros.
Foi uma época ótima para o Quadrinho Nacional!!! Mas fala um pouco do teu super herói Papo Amarelo. É um super-herói ecológico, né?
Isso mesmo! Quando criei o Papo Amarelo foi justamente numa época em que a Amazônia estava sendo devastada de todos os lados, desmatamentos e caça ilegal de animais. Hoje tem bem menos, mas não mudou muito. E não é que o herói caiu no gosto do público?!? Agora só falta achar um parceiro que faça desenhos de heróis para começarmos a fazer as HQs.
Você foi um dos primeiros quadrinhistas a ter quadro fixo em programas de TV infantis. Fale um pouco dessa experiência e quais foram os programas. Você está afastado das TVs atualmente?
Isso mesmo! Participei por quase um ano do programa Turma do Pipoka, (apresentado pelo ex-Bozo, Wanderlei Tribek) da TV Gazeta, não ganhava nada, mas curti muito aquela época, foi bom para o meu crescimento profissional. Na TV Record, participei do Pintando o Sete, que era apresentado pela minha amiga e ex-paquita Andréa Veiga. Lá, além de desenhar eu me fantasiava com a roupa do meu personagem Malucats. Cara, eu suava tanto com aquela roupa, que a cada programa que eu gravava, emagrecia uns dois quilos. Por isso que eu tenho esse corpinho enxuto (risos)!!!
Seu personagem principal, o garotinho Gabi, já completou mais de trinta anos. Fale um pouco dele. Como ele surgiu?
O Gabi foi um personagem enviado por Deus! Numa noite, num sonho, Ele me passou o personagem, o nome e também o cãozinho Fred e no outro dia eu só transformei eles em desenho. Depois fui incorporando outros personagens até formar a Turma do Gabi. Graças a essa turminha iluminada eu consegui mais do que sonhava. Essa galerinha também trouxe muitas alegrias na minha vida, pois tenho feito muita criança crescer espiritualmente com o meu trabalho.
É impressão minha ou atualmente o Gabi está um pouco maior, aparentando uns dez anos?Tenho a impressão que quando ele surgiu era um totico de uns cinco anos.
De fato quando ele surgiu, realmente era bem criancinha. Mas com o tempo ele evoluiu graficamente como todos os personagens evoluem.
Hoje você mora em Indaiatuba. Você, além do estúdio, tem uma escola de desenho?
Eu moro em Indaiatuba, mas não tenho uma escola de desenho. Eu dou aulas de desenho para crianças numa fundação aqui da cidade. Tenho um sonho de montar minha própria escola, mas por enquanto o momento não é favorável. Vamos ver mais pra frente.
Porque é tão difícil para um personagem com tantos anos como o Gabi, ter um gibi periódico nas bancas? Você já teve gibi por algum tempo, fale dessa experiência.
Acho que tudo na vida tem o seu momento certo, quem faz a nossa hora é Deus. Enquanto não aparece um grande editor (honesto!!!), vamos fazendo as revistas por nossa conta e com a ajuda de amigos como o José Salles (Ed. Júpiter II). Na década de noventa cheguei a publicar oito números da revista da Turma do Gabi por uma editora paulista.
Você também já teve inúmeras revistas para pintar e de atividades infantis nas bancas. Como está esse mercado atualmente? A Internet atrapalhou muito esse mercado infantil ou não?
Eu já cheguei a ter doze revistas de atividades simultâneas nos bons tempos! Hoje em dia publico só três pela Editora Minuano. Acho que a Internet só veio acrescentar, não veio subtrair nada. As boas revistas, aquelas de qualidade, continuam vendendo muito bem. Agora aquelas porcarias feitas por uns picaretas, essas as crianças passam longe. Criança não é boba, sabe muito bem definir o que é um bom trabalho.
Você acha que os gibis e a mídia impressa em geral durarão mais quantos anos?
Na minha opinião eles durarão por muitos anos, pois o leitor pode até ver na web uma HQ mas certamente ele vai querer pegar a revista impressa. Você não viu que a Disney tinha acabado com as animações 2D para fazer só em 3D? Pois eles viram que o público gosta de animação com desenho feito à mão e voltaram a fazer. O mesmo acontece no mundo das HQs!
Você, que é um cara que trabalhou com crianças a vida inteira, acha que esses videogames, gibis e programas violentos de hoje em dia provocam algum mal na formação dessa molecada atual?
Acho que os pais é quem devem saber o que é melhor pros seus filhos. Sempre existiram essas baboseiras, eu mesmo quando era criança vi muitos filmes violentos. A criança não vira marginal ou Juiz por acaso, por causa de um filme ou game, tudo tem uma explicação para Deus.
Se você fosse Ministro da Educação e Cultura, o que você faria pelo Quadrinho Nacional?
Eu convocaria todos os quadrinhistas do país e falaria: “A partir de hoje vocês todos estarão recebendo um incentivo para que possam produzir HQS dignamente!”. Quem sabe criaria uma “bolsa-Quadrinhos” para esses artistas. O governo deveria apoiar mais a nossa categoria, que está à mercê de editores picaretas que pagam tão pouco e escravizam os artistas.
Pra encerrar, se você ganhasse um milhão de reais pra investir na sua editora, o que você faria?
Se eu ganhasse um milhão, com certeza lançaria várias revistas em Quadrinhos. Pois tem muito material nacional bom. E, é claro, convidaria você, Marcio, para fazer parte do meu elenco!
AEEEEEEEEEEEEEE: MESTRÃOOOOOOOOOOOOOO!!! GANHEI O DIAAAAAAAAAAAA (RISOS)!!!
(risos) Valeu, amigão. Grande abraço a você e ao Bigorna!
O Bigorna.net agradece a Moacir Torres pela entrevista, realizada no dia 30 de janeiro de 2010