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Entrevista: José Salles
Por Marcio Baraldi
05/02/2010

”Hoje me transformei num soldado de Cristo!”

UFA! Entrevistar José Salles não é tarefa fácil, nem pra qualquer um! O polêmico escritor e roteirista de Quadrinhos, dono da editora Júpiter II, uma das mais importantes e prolíficas editoras independentes de HQ do Brasil, e avesso a entrevistas, e tem uma personalidade, digamos, pra lá de forte. O Bigorna.net tentou entrevistá-lo há dois anos e este recusou. Agora, por ocasião do Prêmio Angelo Agostini que acaba de ganhar (o segundo de sua carreira, o primeiro foi justamente um Troféu Bigorna, no ano passado) o Bigorna.net voltou a xavecar o hómi para tentar arrancar uma entrevista. E desta vez o big boss aceitou! Mas com limites! Como se verá no texto, Salles se refere aos roqueiros e a diversos quadrinhistas undergrounds, de maneira não lá muito carinhosa. Tentei argumentar que roqueiros são pessoas cultas, honestas, trabalhadoras e que podem ser cristãs como quaisquer outras. Basta ver a imensa quantidade de igrejas onde jovens cantam e dançam rock alegremente todos os dias. Tentei argumentar também que entre o próprio cast de autores da Júpiter II há roqueiros, alguns com bandas e até discos gravados. Mas não adiantou nada. Salles, um homem de valores rígidos, não admitiu que eu levantasse mais nenhuma questão. Não faz mal. Apesar de não ser tão completa como eu gostaria, já é um grande feito, considerando a aversão de Salles a entrevistas. Conheçam então agora, caros leitores, um pouco mais sobre o homem por trás da Júpiter II. E não deem um pio ou o chicote vai estalar! Paffff!!!...

Geralmente os quadrinhistas já nascem com a vocação para o desenho. E você? Você já nasceu escritor? Quando você decidiu escrever livros? Você tem muita afinidade com escritores ”malditos” tipo Plínio Marcos, Glauco Mattoso e Nelson Rodrigues, não? Quais são seus autores preferidos?

Bem, eu não nasci escritor, nasci simples e ignorante como qualquer espírito de Deus. Comecei a escrever e a lançar livros independentes ("livros egocêntricos" seria uma definição mais adequada) somente na primeira metade dos anos 90. Quanto aos autores citados, de fato tive afinidade com eles, mas somente durante o tempo em que eu vivia de forma abertamente ateísta, materialista e hedonista. Quando consegui superar isso, esses autores foram perdendo importância em minha vida e hoje já não me despertam qualquer interesse, nenhuma importância - exceção, entre os citados, de Nelson Rodrigues, de quem ainda admiro a posição ideológica, de independência e muita coragem. Quanto aos outros dois, hoje em dia fico até envergonhado em lembrar que cheguei a achar a obra daqueles senhores algo genial... como é que eu pude pensar dessa forma, que diacho?! Só mesmo muita imaturidade e ignorância de minha parte, por ter achado que obras como as daqueles senhores, essas coisas destrutivas, depravadas, desesperançadas, desnecessárias, fossem coisas que valessem a pena serem conhecidas. Atualmente os autores que me agradam são, entre outros: Santo Afonso Maria de Ligório, Lutero, Jean Yves Leloup, Paulo Antônio de Colo, Emmanuel.

Mas você, como escritor, nunca sentiu vontade de sair da pequena cidade de Jaú, onde vive, e ir para a metrópole, para "ganhar o mundo"?

Mas eu morei na capital paulista durante 15 anos de minha vida!!! Aliás, foram 15 anos tentando sair de lá. Foram os anos que marcaram minha decadência moral, foi durante esta época que mais me afastei das coisas boas da vida, me tornando cada vez mais um egoísta depravado, drogado, devasso, etc. Mas claro que não é "culpa" da cidade de São Paulo, eu é que estava tendo esse comportamento ridículo por livre e espontânea vontade. Claro que as péssimas energias na atmosfera paulistana não ajudam muito, mas evidentemente eu é que optei por aquele caminho turvo, que por pouco não abrevia minha vida. Hoje não abro mão de morar em cidade pequena, aliás, Jaú já me parece grande demais para meu gosto. E minha intenção hoje é "ganhar o mundo" onde quer que eu esteja, sendo uma pessoa útil dentro da sociedade onde eu estiver vivendo e atuando.
 
Já li uma entrevista sua em que você se autodefinia como um “pequeno burguês”. O que isso significa exatamente?

O sujeito que "nasceu em berço esplêndido", vamos dizer assim, que nunca precisou trabalhar para sobreviver, e com certo conforto. Conhecido popularmente como um "filhinho-de-papai". Mas, atenção, sequestradores: sou um PEQUENO BURGUÊS, e não um milionário, tá bom?

Que peeeeena, eu já ia pedir uma grana emprestada (risos). Sabe, eu conheci seus fanzines há um bom tempo. Lembro que eu gostei do seu texto de imediato porque você escreve com muita paixão sobre a Silver Age (Marvel, DC e outras editoras nos anos 60), que é meu período preferido dos Quadrinhos. O que você acha dos Quadrinhos de Super-Herois atuais?

Dos heróis estadunidenses da Marvel e DC não acompanho nada há uns bons anos. Nem sei o que se passa nos gibis, não tenho interesse nem de folheá-los nas bancas. Nos fanzines específicos, a que você se refere, como o Gibizóide que faço há muitos anos, procuro comentar somente gibis que me marcaram - Marvel e DC dos anos 60 e 70, incluídos. Dos anos 80 pra frente é só decadência crescente.

AEEEEEEEEEEEEEEEE!!! Concordo!!! E qual foi o gibi que mais marcou sua vida, aquele que virou sua Bíblia de cabeceira, que você leu e pensou: "Vou virar quadrinhista também, até a morte"?

Não tenho "gibi de cabeceira", mas considero importante as primeiras impressões afetivas com os gibis, as lembranças que guardo de determinados títulos, mais especificamente dois, que minha saudosa mãe leu pra mim, antes mesmo que eu aprendesse a ler: o Almanaque Batman de 1973; e o sexto número de A Maior (de 1970, com os Marvel) lançados pela Ebal. A propósito, o Almanaque Batman de 1973 eu não consegui recuperar até hoje, se algum caridoso colecionador estiver lendo isso e tiver o gibi, podemos negociar.

Atenção, leitores!!! Vocês ouviram o hómi!!! Arrumem esse gibi imediatamenteeeeeeeeeee (risos)!!! Outra coisa que me chamava atenção no seu texto era um radicalismo ideológico muito forte. Você fazia sempre questão de deixar claro que era um pensador de direita e que abominava a esquerda. De onde veio essa natureza radical? Seu pai, por acaso, é militar?!?

De fato o radicalismo daquela fase era evidente, pois eram textos escritos sob forte rancor e ressentimento. Eu era de esquerda, militei na esquerda, mas conforme ia conhecendo seus bastidores, sua estrutura, seus líderes fajutos, fui pegando abominação daquilo tudo. Hoje procuro não mais escrever sobre a esquerda, embora ainda tema os malefícios terríveis que o governo comunista ateu vem provocando em nosso país, e de maneira ainda pior em outros países da América do Sul. Ah, meu pai não é militar não, é jurista, e muito mais de esquerda do que eu.

A-rá!!! Então você é a ovelha negra da família (risos)?!? Mas eu percebo que hoje em dia seu texto abrandou um pouco no radicalismo. É só impressão minha ou de fato a maturidade lhe deixou mais moderado?

A maturidade sem dúvida me deixou mais moderado. Mas também foi resultado de mais estudo, mais trabalho, e principalmente mais compreensão com nossos irmãos de jornada, sejam de esquerda ou não.

Afinal de contas, qual é sua ideologia? Você vota em quais partidos? Ou você no fundo não gosta de política nem partido nenhum? Quais são seus filósofos preferidos?

Hoje em dia minha ideologia é de direita, não somente por aversão a partidos de esquerda, mas por uma postura que busco, defendendo valores abominados pelo comunismo.Tenho por princípio não votar nulo, mas como aqui no Brasil não há partidos nem políticos de direita, pois francamente acho ridículo considerar PSDB e DEM como sendo partidos de direita, acaba sendo duro pra mim escolher candidato pra votar. Por isso acabo votando sempre naquele menos esquerdista, vamos dizer assim. Quanto aos meus "filósofos preferidos", na resposta da primeira pergunta já citei alguns.

Você foi professor de história na rede estadual, não? Como foi essa experiência de ser docente?

Quanto a isso, a melhor resposta é que justamente não sou mais professor!!! Pois quanto tentei ser, mostrei ser, nesta área profissional, um tremendo fracasso! Mas de qualquer forma foi boa minha passagem pelo magistério, pois, graças a essa experiência, passei a respeitar mais ainda os professores.

Se você fosse secretário estadual da Educação ou Governador de SP quais as medidas que você tomaria para melhorar o ensino público?

Antes de tomar qualquer medida burocrática e/ou legislativa, em qualquer área, o Brasil está precisando de uma guinada moral sem precedentes. É preciso fazer com que as pessoas sejam mais amáveis e caridosas, menos egoístas e hedonistas, para, a  partir desta reforma íntima, de consciência, de sentimentos, começarmos as grandes mudanças em todos os setores de nossa sociedade.
 
Seus Quadrinhos do Jack the Fag e Máscara Noturna são muito violentos e depravados. De onde vem esse teu gosto por assuntos tão pesados?

Bem, eu, assim como milhões de jovens dos anos 80 (e mesmo anteriormente, desde os anos 60), sou cria da cultura do rock and roll, dos Quadrinhos underground, dos poetas beats e outras babaquices. Nesse caldinho aprendemos a ser materialistas, hedonistas, niilistas, misóginos, a ser indiferentes e intolerantes com quem não é roqueiro, a sermos revoltados, depravados, promíscuos, cônjuges infiéis, a sermos grosseiros e sarcásticos com as pessoas, aprendemos a ser descrentes, desesperançados, e não poucos de nós acabam definhando em suas casas, ouvindo rock, drogando-se solitariamente, enfim, tudo quanto é porcaria que nos afasta da vida verdadeira. Personagens como esses que você citou foram resultado disso, da influência dessa cultura em meu imaturo e ridículo intelecto. Felizmente a conversão aos valores cristãos me fez rever todo esse comportamento deteriorante, e descobri como é ruim para um autor fazer obras que transmitam aos leitores sentimentos tão nefastos. É evidente, para quem acompanha os lançamentos da Editora Júpiter II, a mudança da linha editorial, para gibis que exaltem sentimentos totalmente diversos do que apresentaram os gibis acima citados. Hoje, ao contrário do tempo em que eu era influenciado e guiado por influências tão nocivas, me transformei num soldado de Cristo, encarregado de ser uma Luz no caminho de meus irmãos de jornada, me esforçando para transmitir a todos que cruzarem meu caminho, sentimentos de fraternidade, solidariedade, caridade, sentimentos completamente diversos da cultura rock & underground comics. A propósito, peguei minhas coleções de Chiclete com Banana, Circo, Geraldão, Animal, Tralha, Glaucomix, Porrada, Mil Perigos, entre outros da mesma estirpe, e doei tudo para uma gibiteca. Sei que pareço meio rude (ou muito rude) falando assim, pois até conheci alguns dos artistas desses gibis, e são pessoas honestas, mas a obra que fazem, e o veneno que transmitem às almas dos leitores, isso deve ser combatido com valores morais rígidos, que apresentem incondicionalmente o lado positivo da vida. Por isso, nenhum interesse mais tenho pelos underground comics, já não fazem parte de minha vida e, se Deus quiser, jamais voltarão a fazer.

Deixa eu mudar de assunto antes que eu apanhe (risos). Sua editora Júpiter II já completou cinco anos de existência. Quantos títulos você lançou até o momento e quais foram os mais bem sucedidos?

Serão cinco anos em agosto de 2010, com vários títulos em mais de 50 gibis lançados. Os mais requisitados pelos leitores são Raio Negro, Máscara Noturna, Corcel Negro e O Gaúcho.

Ahhhh, tá vendo?! Você não gosta mais do Máscara Noturna, mas o povo gosta (risos)! A editora já lhe dá algum lucro, ou você mais gasta com ela do que ganha?

Só prejuízo de monte!!! Tenho em estoque todas as edições que lancei até hoje, e estoque razoavelmente generoso. E como eu disse: a Júpiter II só consegue existir graças, primeiramente, ao talento & esforço dos envolvidos, e também à condição pequeno-burguesa do editor.

Quais são os critérios que você avalia para publicar um Quadrinho por sua editora?

A resposta da questão sobre Jack the Fag e Máscara Noturna dá uma idéia disso. De uma forma geral: quanto mais simples a obra melhor; quanto melhores os sentimentos e emoções que transmitirmos aos leitores, fazendo com que os gibis sejam Luz, e não trevas, incentivando o sexo promíscuo e o consumo de drogas, quanto mais distante o conteúdo dos gibis estiverem dessas trevas, melhor, muito melhor!

Como você avalia o Quadrinho Nacional hoje? Sem ufanismo barato, quais autores e quais Quadrinhos você realmente acha bom, realmente gosta e acha que realmente botam o Brasil no mapa dos Quadrinhos mundiais?

Acho que o Quadrinho Nacional passa por uma fase de grande entusiasmo! Me refiro aos Quadrinhos brasileiros independentes. São várias tendências e inúmeros lançamentos. Repare que todos os gêneros de revistas em Quadrinhos estão apresentando queda de leitores, queda de vendas (especialmente os Marvel/DC), somente os independentes nacionais é que vêm conseguindo aumentar as vendas, formando novos leitores. Nessa toada, o futuro nos pertence! São diversos os artistas que merecem admiração, respeito e consideração, não vou ficar citando pois certamente cometeria injustiças. Mas vamos lá, os autores que mais gosto são os da Júpiter II, né (risos)?

Que coincidência, né (risos)?! No final de 2008 você ganhou um Troféu Bigorna, e neste ano acaba de ganhar um Angelo Agostini. São seus primeiros prêmios, não? Como você se sente em ganhá-los? Você acha que você tem tido o reconhecimento que merece?

Bem, em primeiro lugar quem ganhou esses prêmios não fui eu, mas todos os colaboradores da Júpiter II! De minha parte, acho que estou tendo muito mais reconhecimento do que realmente mereço. Repare a lista dos ganhadores do prêmio Jayme Cortez (categoria do Angelo Agostini que Salles ganhou) ao longo dos anos. E agora ponha meu nome lá... não mereço nem servir cafezinho pra eles!

Não seja modesto, você merece (risos)! Bem, você parece ter mudado radicalmente desde que entrou para uma religião. Quero saber o que isso trouxe de positivo pra sua vida? Na sua auto-avaliação quais são as maiores diferenças entre o José Salles de hoje e o de uns três anos atrás?

Esse termo "entrou para uma religião", talvez não proceda. Em algumas respostas anteriores desta mesma entrevista, falei que me converti ao Cristianismo - através de muito estudo, muita reflexão, sendo esta conversão algo intensamente racional. E procuro viver, assim como nos ensina o Sr. Paulo Antônio de Colo (autor do livro III Milênio: o apocalipse e a revelação do anjo), um servidor do "Cristianismo de Cristo", e não do "cristianismo dos homens", que quase sempre afasta as pessoas dos verdadeiros ensinamentos de Jesus. Por isso, não posso me considerar católico, nem protestante, nem espírita - mas sim uma pessoa que se esforça em ser um bom cristão, ou seja, alguém que busca seguir o modelo de vida do Cristo. É isso que importa, sejamos católicos, luteranos ou espíritas, o que importa é nossa fé e principalmente nossa ação, a obra que fizermos a partir de nossa fé.

Se você ganhasse um milhão de reais para investir na sua editora, o que você faria?

Procuraria, de forma responsável, divulgar os gibis em todo o território brasileiro, fazendo imensas distribuições estratégicas por todos os municípios do Brasil - desta forma, eu estaria ampliando um tipo de distribuição que já faço aqui em minha cidade. Investir pesado na divulgação de personagens brasileiros dos Quadrinhos, que certamente criarão enorme identificação com nosso povo. Alguém aí se habilita a me ajudar? Já disse que não sou nenhum milionário...

O Bigorna.net agradece a José Salles pela entrevista, concedida no dia 29 de janeiro de 2010

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