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Por Gonçalo Junior 11/01/2010
Ele cita uma célebre carta a João Gaspar Simões que pode ser uma definição adequada do que seja a atividade do crítico literário por ele exercida: “A função do crítico deve concentrar-se em três pontos: (1) estudar o artista exclusivamente como artista, e não fazendo entrar no estudo mais do homem que o que seja rigorosamente preciso para explicar o artista; (2) buscar o que poderemos chamar a explicação central do artista (tipo lírico, tipo dramático, tipo lírico elegíaco, tipo dramático poético, etc.; (3) compreendendo a essencial inexplicabilidade da alma humana, cercar estes estudos e estas buscas de uma leve aura poética de desentendimento”. Fernando Pessoa, prossegue Carlos Ceia, continua a se auto-definir, advertindo que os aspectos humanos do artista “ao crítico não compete tocar, pois de nada lhe serve que toque”. Infelizmente, afirma o dicionarista, a tradição crítica portuguesa (e aqui caberia a brasileira também) tem optado por esta via e, talvez por isso mesmo, de nada serve ao propósito de sua essência. O crítico literário que persegue a via da investigação científica não deve ser biografista nem retratista, um pouco ainda ao sabor da tradição de um Sainte-Beuve.
Na instância autor/crítico, ainda de acordo com Carlos Ceia, temos essencialmente três tipos: 1) aquele que esporadicamente sentiu a necessidade de fazer crítica literária e/ou pretensos exercícios de poética (Sophia de Mello Breyner Andresen, António Ramos Rosa, E. Melo e Castro, Vergílio Ferreira, etc.); 2) aquele que foi efetivamente crítico e/ou teórico e escritor (Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Vitorino Nemésio, David Mourão-Ferreira, Alexandre Pinheiro Torres etc.); 3) e aquele que nunca produziu crítica literária e não aceita geralmente intromissões críticas na sua obra sob pena de a desvirtuar (todos os que não encaixam em 1 e 2). Os que pertencem às duas primeiras espécies tendem a desconfiar da atividade dos críticos profissionais, que vêem como infratores da arte ou desmancha-prazeres da jouissance da leitura. Regra geral, defendem-se com a questão: “Não quis dizer nada do que o crítico disse que o meu texto dizia!”.
Valor Brito lembra ainda que certa vez perguntaram a João Cabral de Mello Neto quanto os seus livros vendiam. “Mesmo se tratando de um grande poeta, o jornalista procurava associar o valor da obra ao poder de venda. João Cabral citou um número irrisório, mas ressaltou um outro valor não mensurável: mesmo sendo pequena a tiragem de seus livros, o conteúdo se multiplicava pela força inerente à poesia, pela capacidade de transformar e transtornar”. Algumas críticas, prosseguiu ele, ficaram tão fortemente ligadas aos textos originais que fazem parte da história desses livros. O escritor citou, como exemplo, o ensaio de Sartre sobre o Estrangeiro, de Camus; o de Emerson sobre Folhas de Relva, de Whitman; e os de Edmund Wilson sobre os simbolistas Yeats, Valéry, Eliot, Proust, Joyce, Gertrude Stein, L'Isle-Adam e Rimbaud. “Harold Bloom tornou-se um especialista em Shakespeare e seus estudos podem ser incluídos entre as formas de crítica a que Guimarães Rosa se referia, uma reinvenção ou redescoberta do autor”. Os exemplos de crítica que Brito citou estariam mais próximos do modelo acadêmico, com análises minuciosas, profundas, para leitores que curtem literatura. Na sua opinião, Sartre e Emerson também eram escritores e exerceram a crítica numa perspectiva diferente de Edmund Wilson e Harold Bloom. Mas nada parecido com o atual abismo entre o ensaio e a resenha. “O pouco espaço reservado ao jornalismo literário e os novos tipos de leitores transformaram a crítica em divulgação e apreciação ligeira. Ela mais pontua que analisa. O jornalista inventa maneiras de chamar a atenção do leitor, através de resumos de obras e sugestões de leituras”. Quadrinhos Não chegaria ao extremo de chamar isso de falta de coragem ou de interesse em se desenvolver uma crítica séria, capaz de dissecar obras de autores consagrados sem subterfúgios. Mas me parece grave hoje sua inexistência e um caminho sem volta ou desvirtuado na busca pelo que considero aprimoramento de nossos artistas. Não existe no país uma crítica próxima do que Carlo Ceia tenta conceituar em seu verbete. A falta de contundência nesse cenário vem piorada, em muitos casos, pela bajulação, adoração ou simples compadrio que se vê em jornais, revistas, sites e blogs. Este estado de coisa, aliás, cada vez mais dominante, acaba por inibir qualquer iniciativa em contrário, de que pessoas se especializem em crítica de Quadrinhos. Um efeito colaterial disso – que já tratei nesta coluna – é a reação agressiva, o ataque irresponsável e até criminoso de sujeitos que se escondem em pseudônimos para entrar em blogs e ofender quem faz qualquer observação ou questionamento à obra ou ao autor, diretamente. Uma prática, aliás, que poderia ser desestimulada se os blogs criassem mecanismos de cadastro para quem frequenta a seção de comentários abaixo de cada post. Existe uma lei do mais covarde para muitos leitores, colecionadores e "amigos" dos artistas: quem “fala mal” de aguma obra o faz simplesmente porque tem inveja ou despeito. E ponto final. O primeiro e principal prejudicado dessa postura é o próprio artista que, sem ter trabalho questionado, acaba por se acomodar e não se sente estimulado a se superar, a evoluir. Nesse aspecto, a crítica de livros no Brasil – mesmo com as penelinhas que cuidam de promover amigos e criar falsos mitos nas prateleiras das livrarias – leva larga vantagem porque se maqueia comentários e resenhas, que se tenta vender como críticas literárias. Nos quadrinhos, ainda não evoluímos até esse ponto. Não seria justo eu citar aqui um ou dois nomes para exemplificar minha argumentação, porque não é o caso. Mas existem grandes autores de Quadrinhos que vivem do que produziram de brilhante há 20, 30, 40 ou 50 anos. Não fazem nada de relevante faz tempo. E essas pessoas continuam a ser ovacionadas e premiadas não pelo que elas são hoje, mas o que foram há muito tempo ou simplesmente porque tem amigos influentes, decisivos. Existe ainda uma outra norma não escrita que é mais cretina ainda: não se perde tempo ou espaço para se falar do que não presta. Isso justificaria o fato de sites, blogs, colunas de jornais e revistas especializadas destacaram somente “o que vale a pena”. E quem não faz isso, limita-se ao trabalho de mero assessor de imprensa, a reproduzir releases disfarçados de resenhas. A não ser que seja algo estranho ao ninho, fora da patota: esse artista corre o risco de levar umas boas porradas pelo ruim que publicou. Ora, não seria "o que não presta" um interessante objeto para se desenvolver uma crítica séria e responsável? Se os medalhões são intocáveis, assim como os agregados das panelinhas e os marqueteiros, faço aqui uma sugestão: por que não fazer críticas construtivas a quem está começando? Por que o vasto material produzido pela heterogeneidade do Quarto Mundo não é mais detidamente tratado? Por que ninguém destaca o valor ou o potencial de um ou outro autor novato enfiado numa daquelas dezenas de revistas? Por que alguém não escreve que Có, de Gustavo Duarte, é genial? Ele vai precisar ganhar um prêmio Internacional ou entrar numa panelinha para que isso aconteça? Por que ninguém escreveu que o roteirista de Claustrofobia (eu) é ruim mas ali Júlio Shimamoto mostrou porque é o maior artista de Quadrinhos vivo do Brasil, ou fazer sete ou oito histórias com o luxo de explorar em cada um traço absolutamente diferente? Senhores, vamos fazer a carroça andar. |
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