Talvez dentro de muito breve nos deparemos com um anúncio assim em algum classificado de grande jornal, site, blog ou revista especializada em gibis: "Se você é autor de Quadrinhos e quer ter seus trabalhos publicados por uma grande editora, os seus problemas acabaram! Venha correndo fazer (ou trazer) para nós adaptações literárias para os Quadrinhos de obras de grandes autores brasileiros. De preferência que tenham caído em domínio público. Vamos! Essa é a chance da sua vida! Seja mais um astro dos Quadrinhos brasileiros, concorra ao Prêmio Jabuti, seja convidado para a Bienal dos Quadrinhos de Belo Horizonte, ganhe um troféu HQMIX ou Angelo Agostini". Ou algo mais formal e mais barato – afinal, classificados de jornais não custam barato: “Editora procura artistas de Histórias em Quadrinhos para produção de adaptações literárias. Interessados, entrar em contato pelo telefone tal”.
E eu, com os meus botões, acrescentaria: sim, faça uma adaptação do conto O Alienista, de Machado de Assis. Machado é chique, intelectual, dá respeitabilidade. Domínio público quer dizer que a editora não precisará pagar um único centavo de direito autoral para a família do autor. Pelo que sei, o escritor entra nessa categoria se morreu há mais de setenta anos. O mais incrível desse suposto anúncio é a sua consequência: você pode até ganhar algum dinheiro como autor de Quadrinhos no Brasil sem ter de desenhar super-heróis americanos – o que é, aliás, um trabalho digno, que tem todo o meu respeito. E ficar mesmo famoso. Sim, pois o seu álbum será vendido para o Governo Federal, governos estaduais e até municipais. É a glória do artista nacional! Por que é isso que interessa: o programa de distribuição de obras em Quadrinhos para bibliotecas e escolas públicas, que resulta em vendas expressivas, às vezes, de tiragens inteiras. Crianças e adolescentes de todo Brasil vão ver seus desenhos!
Ou você acha que o mercado de Quadrinhos no Brasil mudou, está em euforia e temos agora uma nova mentalidade gerenciando a cabeça dos nossos bravos pequenos, médios e grandes editores? Pare e pense um pouco sobre a primeira afirmação. Se existe euforia, quantas editoras somente de Histórias em Quadrinhos desapareceram nos dois últimos anos ou praticamente interromperam suas atividades? O que houve com a Opera Graphica? E a Conrad, sua falência foi só problema de gerenciamento? Quantos títulos a Devir e a HQM lançaram nos últimos vinte meses? Ora, por que, então, as editoras estão lançando tantas adaptações literárias e de qualidade quase sempre questionável? Será por que tem muita gente supostamente comprando mais Quadrinhos nas livrarias? Não se deixe iludir, caro autor de Quadrinhos que me lê. Essa onda de adaptações literárias não vai a lugar nenhum e nem deixará maiores saldos positivos que não alguns artistas com traços mais apurados e alguma frustração. E com algum dinheiro no bolso. Uma merreca, uma esmola, provavelmente. Primeiro, porque tudo não passa de uma onda oportunista, parasitária, vampiresca, da parte de editoras comandadas por comerciantes que se fazem passar por editores de livro (uma espécie tão rara no Brasil quanto Ararinha Azul ou Mico Leão Dourado).
Claro que existem exceções e não é difícil separar o joio do trigo para quem acompanha o mercado. E não me refiro aqui só a editoras que vivem exclusivamente de Quadrinhos. Falo de marcas tradicionais. Se o governo interromper seu programa de compra de obras com adaptações em Quadrinhos, eles cancelam tudo imediatamente e seguem seu negócio atrás de acordos com o governo. Segundo ponto a ser observado: o oportunismo é tamanho que qualquer coisa ligada a adaptação literária é publicada, o que pode queimar o filme de muita gente, como acho que já está acontecendo. Quantos trabalhos, inclusive premiados e badalados, um bom editor realmente mandaria para as livrarias pelo critério qualidade? Um? Dois? Três? Nenhum? Dez? Mas se você não concorda com nada do que acabou de ler e quer aproveitar a chance para publicar e divulgar seu trabalho, como macaco velho do mercado editorial, com experiências bizarras junto a alguns editores pilantras, sugiro que fique atento a armadilhas que essas criaturas costumam plantar nos contratos. Primeiro, exija imediatamente a assinatura de um contrato quando receber alguma proposta.
A segunda exigência: um prazo limite para que a obra seja publicada. Se a data não for cumprida, o acordo estará automaticamente cancelado e você poderá procurar outro editor sem dar satisfação a ninguém. Não deixe ultrapassar doze meses. É tempo mais que suficiente. Se não fizer isso, você provavelmente vai ficar na mão. Pior, ninguém lhe dará a menor satisfação. E se você procurar outro, ainda será alvo de críticas, de queixas. Outra cláusula: o percentual de vendas. Tem editor que só quer pagar sete por cento. Brigue por dez. E acrescente que esse percentual será aplicado “sobre o valor integral do livro estabelecido no catálogo da editora", para que não inventem que vendeu tudo em promoção e lhe passem a perna. Deixe claro que queima da tiragem só depois de um ou dois anos e com o seu consentimento. Outro perigo nos contratos é o item doações: aqui é outra festa em que você vai tomar o maior calote se não colocar um freio textualmente. Limite as doações (para bibliotecas e para os jornalistas e professores) a 10% da tiragem. Se não, os caras vão dizer que doaram uma quantidade absurda e desproporcional de exemplares. Em alguns casos, as “doações” podem chegar perto da metade da tiragem. Dizem isso só para embolsar seu dinheiro e aplicá-lo na compra de outras editoras – porque é preciso expandir os negócios. Tenho livro publicado que as doações já se aproximam de 900 exemplares. Você ficaria assustado com a quantidade de dinheiro que perdi com isso.
Embora alguns editores sejam sérios e honestos – uma grande minoria –, não se deixe levar por sorrisinhos, por promessas mirabolantes e nem acredite que estão apoiando os Quadrinhos no Brasil. Ou que seu editor adora você e seu trabalho. É pura lábia. O cara, certamente, vislumbrou que pode ganhar dinheiro com o seu trabalho. E só isso. Não se deixe impressionar quando um editor aparece na entrega de um prêmio com pose de Dom Quixote. Papo furado. Velhas editoras – ou editoras velhacas –, com nome no mercado há 30, 40 ou 50 anos são ainda piores. Ao final dessa breve reflexão misturada com serviço de utilidade pública, ficam algumas perguntas para quem tem dúvidas sobre o que foi dito: você acredita em Papai Noel? Você acredita que Elvis Presley, Jim Morrison e, agora, Michael Jackson, não morreram? Que existe vida em outros planetas e que ETs visitam a Terra? Ou que vale a pena confiar em editores brasileiros? Se respondeu NÃO para todas as perguntas, parabéns, você está no caminho certo para sobreviver no meio e ter a sua dignidade respeitada.