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Entrevista: Samicler Gonçalves
Por Marcio Baraldi
10/07/2009

“Aprendi que amar ao próximo não é motivo para vergonha!”

O grande poeta roqueiro Cazuza cantou certa vez: ”Eu vi a cara da Morte e ela estava viva!”. Pois foi essa mesma arrepiante sensação que o quadrinhista catarinense Samicler Gonçalves experimentou no ano passado, ao ser diagnosticado com câncer no cérebro e receber a sentença de apenas seis meses de vida por parte dos médicos. Mas, há mais coisas entre o Céu e a Terra do que supõe nossa limitada medicina e Samicler contrariou todas as expectativas médicas, vencendo o câncer e mandando Dona Morte cantar noutra freguesia. Após lutar a maior batalha de sua vida, digna dos melhores gibis de super-heróis, Samicler voltou com tudo para o mercado, lançando numa paulada só dois gibis por sua editora SG Arte, o oitavo número do Cometa, seu principal personagem, e o primeiro número de Grandes Encontros, seu novo título. Nesta entrevista exclusiva, o artista falou abertamente de sua luta contra a doença, de fé, religião, política, e claro, de muitos Quadrinhos! E termina confessando que hoje, graças ao susto que passou, é uma pessoa melhor e mais amadurecida. Como diz o bom e velho ditado: ”Depois da tempestade vem a bonança”. Vamos todos, então, comemorar os novos dias ensolarados que pairam sobre Sami e nos emocionar com seu exemplo de fé e coragem. Play it again, Sami!...

No ano passado você foi diagnosticado com câncer no cérebro. Como você recebeu essa notícia? Sua vida virou de ponta cabeça? No que você pensava numa hora dessa?

Na realidade eu estava dando aula normalmente como faço todos os dias e simplesmente apaguei de repente. Quando acordei estava em uma UTI com um buraco de cirurgia na cabeça. Naquele momento não pensei em nada, só agradeci a Deus por estar vivo. Minha esposa foi a primeira pessoa que vi quando acordei depois de sete dias em coma. Não tem como descrever o que você sente, mas é um mix de felicidade com surpresa!

Como foi sua luta contra a doença? A gente já leu muitas HQs e viu muitos filmes com personagens enfrentando essa situação, mas nunca imaginamos que isso pode nos acontecer na vida real, né?Ainda mais com sua idade.

Pois, é! Eu sempre fui meio esportista e nunca tinha ficado doente, e de repente... câncer!!! Foi estranho, é nesse momento que vemos que a vida é como um vapor, uma coisa que não podemos segurar, e que temos que aproveitar os bons momentos dela, como nossa família e amigos. No fim não levamos nada dela, somente o que plantamos no coração das pessoas. Eu acho que eu até encarei bem toda essa situação, tinha certeza que Deus não me deixaria morrer. Sabe, eu sou evangélico, então minha fé neste momento foi de muita importância.

Você tem filho pequeno, como ele e sua família enfrentaram a situação?

Meu filho tem 4 anos, foi um pouco difícil para ele me ver em uma cadeira de rodas por um tempo. O bom é que isso não durou mais que um mês e minha esposa foi uma guerreira digna de Histórias em Quadrinhos, quando o primeiro médico me deu apenas 3 meses de vida e o segundo me deu 6 meses ela aguentou firme e guardou isso tudo para ela, não me contou nada, e ficou sempre me motivando e me dando apoio. Minha mulher é meu maior tesouro! Ela e meu filho são a razão da minha vida!

Você acha que a fé ajuda as pessoas a se curarem ou, no mínimo, a enfrentarem com mais serenidade uma situação dessa?

Sou evangélico e pra mim a fé é indispensável em todas as situações. Como Jesus disse, se tiver fé, com um único grão de mostarda você pode abrir um negócio de terraplenagem, pois a fé pode remover montanhas.

Agora você está curado. Ficou alguma sequela, tipo uns lapsos de memória? Você não vai ficar que nem o Sideralman, que não lembra nada do passado, né (risos)?

Hehehehehh!!! Achei que fazendo radioterapia iria ganhar algum super poder, mas além da pele vermelha não ganhei mais nada. Vou ter que fazer o estilo Lagarto Negro, ser um herói sem super-poderes mesmo (risos). Mas, graças a Deus, não ficou nenhum tipo de sequela.

Você não pensa em aproveitar essa experiência marcante pela qual passou e fazer uma HQ do Cometa abordando o câncer também?

Olha, o Estevão Ribeiro, que faz o personagem Tristão, quer fazer uma HQ sobre isso e eu estou bem motivado a fazer, só estou me organizando nos compromissos antes de começar para não ficar parando na metade.

Cometa encontra outros heróis

 nacionais (clique para ampliar)

Por falar em Cometa, no ano que vem o personagem fará 25 anos. Você fará alguma edição especial para comemorar a data?

Bem, tou pensando em fazer um livro de imagens com o Cometa nos pontos mais importantes do Brasil, tipo ele no Rio de Janeiro, na Amazônia, etc...

Por causa da doença você precisou parar com todos os seus trabalhos por um tempo. Quanto tempo você ficou de molho e o que você estava produzindo na época?

De fato tive que ficar de molho por oito meses. Eu estava produzindo o Cometa #8 na época e um projeto de desenho animado. O Cometa já lancei e o desenho animado eu já estou retomando.

Você estava fazendo cards para a DC, você ainda produz pra editoras americanas? O que você já fez pro mercado exterior?

Fiz os cards do Batman, Phantom, Mandrake e uma edição do Tigre e Crane. Acho que meu traço talvez não esteja com qualidade suficiente para entrar no mercado americano de Quadrinhos, ou talvez eles não estejam com espaço. Quanto aos cards, aquilo é um absurdo, eu fiz e me arrependi! Eles são muito exploradores, pagam apenas 3 dólares por desenho!!! Eu ganho no meu trabalho normal em 30 minutos o que eu ganharia em uma semana fazendo cards.

Você esta sendo muito modesto, man! Seu trabalho tem nível internacional e não deve nada aos artistas da “Art e Comix”. Porque você ainda não faz parte do cast deles? Não acha que tá na hora dos caras te contratarem?

Na minha opinião eu acho que sim, mas tou há tanto tempo fazendo testes lá na “Art e Comix”  e esperando eles me chamarem que começo a duvidar se tenho talento mesmo.

Ahhhh,não acredito!!!! Ô, Joe Prado, chama logo o Samicler aí, olha o nível do trampo do cara!!! Cês tão comendo bola, pô (risos)!!! Eu vou fazer um abaixo-assinado pra você contratar logo ele(risos)!...

Hehehehe!!!! Tomara que ele ouça (risos)!...

Você mora num dos estados mais lindos do Brasil, com uma natureza linda, uma cultura alemã muito gostosa e mulheres exuberantes. Você não é besta de sair dai nunca, né (risos)?!? Aliás, você tem irmã solteira (gargalhadas)?!?

Hehehehe!!! Tenho uma, mas ela é morena e meio braba, você vai ter que amansar ela (risos). Santa Catarina é realmente um estado lindo e propício ao crescimento, mas o problema é que, infelizmente, é muito longe das capitais.

Você é um artista consciente e um nacionalista. O que você pensa sobre política? Você vota em quem ou quais partidos? Como você vê o Brasil atual?

Nossa política é uma vergonha, eu não entendo como o povo simplesmente pode admitir que uma pessoa que seja suspeita de roubar, ludibriar ou qualquer ação que lese o próximo possa ser um candidato. Vamos dar nomes aos bois, o Collor por exemplo: o cara roubou, foi provado que era corrupto e agora foi eleito de novo. Como podemos ter um país decente com políticos imorais, sem falar de pedófilos e assassinos?!? Eu faço campanha para o volto nulo, se conseguirmos 51% de votos nulos a eleição é anulada e os candidatos tem que ser mudados, se repetirmos os 51% de votos nulos conseguiremos a reforma política.

Na sua opinião, por que o brasileiro ainda não dá o devido valor para sua própria produção cultural, valorizando mais  a estrangeira? Acha que isso está mudando?

Acho que tá mudando sim. Isso se deu por causa da época da ditadura, hoje estamos muito melhor do que há cinco anos. Eu tenho muita esperança de que, em um futuro bem próximo, a produção nacional será vista com melhores olhos.

Se você fosse um deputado federal, que projetos você apresentaria para melhorar a situação do Quadrinho Nacional? Aliás foi aí no sul que, nos anos 60, muitos quadrinhistas, como Luis Saidenberg, por exemplo, tentaram criar uma lei em prol da HQ nacional, com apoio do então governador Brizola.

Eu sou a favor da lei de cotas de 10% a 50%! Se olharmos o que estava sendo produzido aqui no Brasil antes de 2000 e olharmos o que estamos fazendo agora entenderemos que temos um belo futuro pela frente, só falta investimento. E depois, se a lei de cotas funcionou na China porque não funcionaria aqui no Brasil que temos uma diversidade muito maior de culturas?!?

Suas revistas são muito bem desenhadas, produzidas e impressas. Você é um empresário de si próprio e banca todos seus projetos. Todo esse esforço de sua parte tem valido a pena?

Obrigado! A possibilidade de trabalhar com publicidade e os contatos me permitiram ter uma maior visão de qualidade de impressão e acabamento. Às vezes cansa um pouco porque eu coloco uma grana federal para produzir esse material e tem muita gente que quer publicar aqui pela minha editora e nem se prontifica a comprar pelo menos uma revista, sabe? Às vezes eu fico pensando: compram as revistas dos americanos, se matam para fazer os desenhos e mandar para eles e eles nem dão a mínima. Na melhor das hipóteses dão uma carta xerocada padrão que vai para todo mundo que manda material.

Cometa, Crânio e Lagarto Negro e um
(clique nas imagens

 teste de Samicler para a DC Comics
 para vê-las ampliadas)

Vamos falar sobre seus novos lançamentos, primeiro o Cometa #8. Que você achou do crossover do Cometa com os heróis cômicos TopMan e Bucha? A idéia era colocar um pouco de humor nas histórias de um super-herói tradicional como o Cometa?

Sim! Eu queria sair um pouco do tema tradicional e fazer algo divertido. Para mim foi muito prazeroso participar da história, acho que essa quebra do tradicional ajuda a fundamentar mais os personagem em um contesto mais abrangente.

Além do seu próprio gibi, você agora está abrindo espaço para outros autores. É o caso do seu novo lançamento Grande Encontros. Qual é a idéia desse gibi? Como você escolheu os autores que integraram esse primeiro número?

A idéia é dar espaço a novos autores, desenhistas, roteiristas, etc. Na realidade a seleção tem dependido muito mais de quem manda material e tem uma preocupação mais significativa no resultado final.

No que você está trabalhando atualmente e quais seus próximos projetos?

Eu tenho duas escolas de arte e uma agência de propaganda. Meus projetos futuros, além dos desenhos animados, estão naquela lista de revistas que pretendo publicar que está no meu blog. Eu sempre cumpro o que prometo então pode ter certeza que cada uma daquelas histórias eu vou publicar!

Pra encerrar, diga aos leitores o que você aprendeu com a doença com a qual conviveu algum tempo e no que essa experiência mudou sua vida ou sua maneira de enxergá-la. O que você aprendeu com o câncer que poderia ensinar aos outros? O que realmente e importante pra você hoje?

Aprendi a dar mais valor às pessoas e a viver cada dia como um presente dado por Deus! Aprendi que amar ao próximo não é motivo para vergonha, aprendi que Deus pode curar, que Jesus morreu por todo mundo, que nunca é tarde para mudar e que a fé REALMENTE remove montanhas! E, sobretudo, aprendi que eu sou muito feliz em ter amigos como todos vocês que sempre apoiaram a mim e meu trabalho. Quero ver cada um de vocês na Eternidade!

Amém, man!!! Deus te ouça! Esperamos estar lá (risos)!

Hehehe!Amém! Abraaaaçãooo!!!

O Bigorna.net agradece a Samicler Gonçalves pela entrevista, concedida em 19/6/2009.

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