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Por Ruy Jobim Neto 26/05/2009
Encerrada no dia 24 de maio, domingo, a 62ª edição do Festival de Cinema de Cannes (com a vitória do filme do austríaco Michael Haneke, A Fita Branca (Das Weisse Band) e recolhidos os tapetes na Croisette, na costa litorânea francesa, fica a lembrança de uma competição em que o júri deu uma curiosa resposta: a de que os setores artísticos europeus estão revendo e reavaliando o seu próprio continente e isso está refletido nas telas, estampado com visceralidade. O espaço multi-étnico em que se transformou a Europa dos últimos cinquenta anos, mais os pesadelos da Al Qaida nesta última década e os conflitos entre os imigrantes e os europeus, tudo isso deixou suas marcas. Os filhos das ditaduras fundamentalistas do Oriente Médio, dos regimes de exceção do Extremo Oriente e a volta ao passado como um liquidificador de veias abertas são temas que estiveram presentes nas obras. Quentin Tarantino apresentou, em première mundial, o seu Inglorious Basterds (algo como “Bastardos Inglórios” ou o que valha), que levou a Palma de Ouro de Melhor Ator para Christoph Waltz. O filme, que é estrelado por Brad Pitt, trata de um esquadrão de judeus americanos que se propõe a "tirar escalpos" e matar indiscriminadamente soldados alemães na França ocupada durante a Segunda Guerra Mundial. O próprio Tarantino disse que, pela primeira vez se viu às voltas com um empecilho para a criatividade – a História. Ele disse, em entrevistas, que foi preciso derrubar o muro da realidade que aconteceu para que seus personagens de ficção pudessem ser livres, libertários, soltos. O próprio vencedor de Cannes 2009, Michael Haneke, fez um filme de volta às raízes pra tentar entender o passado de seu país antes da aparição do nazismo, ou as origens dele. Rodado em preto-e-branco e todo falado em alemão (depois do cineasta flertar com a França em diversos filmes e mesmo com o cinema americano), Das Weisse Band fala de uma Alemanha anterior à Primeira Guerra Mundial. E é na reconstituição, a procura do entendimento de como os pesadelos familiares de um grupo de crianças podem influenciar, mais adiante em suas vidas, os pesadelos sociais e políticos como um todo. Uma tradução de uma coisa na outra. Haneke já tinha estado em Cannes com Caché (que tinha Juliette Binoche no elenco), em 2005, mas não venceu o festival.
Outra l’enfant terrible é Charlotte Gaisbourg, filha do cineasta Serge Gainsbourg e da atriz e cantora Jane Birkin - pais também enfants terribles -, Charlotte então recebe a Palma de Ouro de Melhor Atriz (ano passado foi a brasileira Sandra Corveloni, por Linha de Passe, lembram?) com o violento AntiCristo, sob direção de Lars Von Trier. O dinamarquês fez mais barulho que seu elenco (no filme também está Willem Dafoe, que narra a história). Trier chegou a dizer, em tom jocoso, que era “o maior cineasta de todos os tempos”. O filme é chocante, as imagens ficaram guardadas na memória do juri e das platéias que assistiram a ele. Trata de um filho pequeno de um casal que retorna para azucrinar os pais, uma vez que morreu acidentalmente enquanto os pais transavam. A partir do momento em que o casal se instala num chalé nas montanhas, o inferno vem junto. E dá-lhe estômago. O diretor-emblema do Dogma 95 e da quase trilogia Dogville e Manderlay não quis poupar ninguém. Muito menos a platéia. E ainda parece que o filme virá remontado para entrar no mercado norte-americano, bem mais suavizado. Em Cannes, ouviu vaias.
O prêmio do júri, presidido pela atriz francesa Isabelle Huppert, que trabalhou inclusive com Michael Haneke no prestigiado e muito forte A Professora de Piano, deu também a Um Profeta, de Jacques Audiard, o Grand Prix, uma espécie de segundo lugar em Cannes. O filme de Audiard era a grande aposta da crítica especializada presente no festival. Mas Cannes 2009 também será lembrado por filmes como Los Abrazos Rotos, o mais recente trabalho de Pedro Almodóvar com Penélope Cruz, tendo dado à sua musa dois papéis. O filme brinca com o melodrama de Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos e o film noir, gênero que o cineasta espanhol já havia experimentado anteriormente. Será o festival em que nenhum filme brasileiro levou nada, embora Vincent Cassel, o maior ator francês da atualidade, já tenha se declarado um ator “franco-brasileiro”, num gesto de muita simpatia pelo cinema brasileiro e pelo Brasil. Ele adorou participar de À Deriva, a mais nova obra de Heitor Dhalia (diretor de Nina e O Cheiro do Ralo).
Alain Resnais, prêmio em Cannes pelo conjunto da obra |
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