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Por Eloyr Pacheco 23/01/2009
Sam Hart já concedeu uma entrevista para o Bigorna.net junto com a equipe de produção da revista Kaos! (veja aqui). Agora, depois de terminar o álbum Robin Hood (saiba mais aqui) para uma editora inglesa e ter lançado um fanzine, ele volta a conversar com o Bigorna.net. Nesta entrevista, entre outros assuntos, Sam Hart fala do seu início de carreira, seus trabalhos como quadrinhista e como ilustrador e do mercado independente no Brasil. Confira. Essa eu faço como primeiro passo, sempre: como surgiu seu interesse por Quadrinhos? Desde pequeno esse universo de mundos e sub-mundos, criaturas fantásticas e histórias impossíveis me cativou. Lá pelos 6 anos de idade decidi trabalhar com a visualização desses elementos mágicos e por volta dos 14 comecei a longa jornada de tornar esse sonho realidade. E o que você fez para tornar esse sonho realidade? Bem, li livros que ensinam desenho e narrativa (como os do Will Eisner), mandei páginas e ilustrações minhas para as editoras, fui em lançamentos, fiz fanzines na escola com amigos. Se estivesse começando hoje em dia com certeza faria um fanzine ou histórias na Internet. Quais os quadrinhistas que você gosta ou que o influenciaram? Quando pequeno: Brian Bolland, José Luiz Garcia-Lopes, Alan Davis, John Buscema. Depois Laerte, Fernando Gonzalez, Moebius, Bilal. Qual foi sua primeira HQ publicada? Fiz um fanzine na 7ª série, que foi a primeira vez que tive uma revista pra distribuir com HQs minhas - mas o primeiro trabalho publicado foi um cartoon, numa revista infantil na Inglaterra, aos 8 anos. Recebi 5 libras de pagamento. Legal! Se considerarmos que profissional é aquele que é remunerado por seu trabalho, você foi bastante precoce, não é mesmo? Isso deve tê-lo motivado bastante! Foi ótimo mesmo, não parei mais de desenhar e mandar meu material para as editoras. Mas acho que meu primeiro trabalho regular com desenho foi aos 14 anos, por quase um ano como assistente de Régis Rocha, que fazia uma página no Pasquim e algumas atividades infantis pra revista Cuca. Você participou de publicações independentes como Matrix. Como foi essa experiência? Publicar seu próprio trabalho sempre vale a pena. Ver suas histórias ganharem vida no papel e poder se abrir para elogios e criticas (parece que os dois sempre andam juntos) é o que, ao meu ver, possibilita o avanço profissional e pessoal. E o projeto da revista Kaos!? Como foi essa sua empreitada? Muito bacana, apesar de todas as discussões, brigas, desentendimentos e pouco dinheiro. Amizades se formaram, outras morreram, mas como dizia Goethe: “o talento se forma na solidão; o caráter no tumulto da vida” Ou algo parecido. Pretende enfrentar outra empreitada como esta da Kaos!? Sempre tenho vontade e as idéias não faltam, já conversei com o Jean Canesqui (outro criador da Kaos!) algumas vezes sobre outros projetos, mas ter idéias leva bem menos tempo do que escrever, desenhar ou organizar uma revista ou álbum. Então acho que vai levar um tempo até estarmos prontos pra outra. Você simplesmente conheceu John Higgins ou trabalhou com ele? Conheci o John na época em que eu estava morando em Londres, quando eu estava, ahãm – conversando com a filha dele numa convenção britânica. A gente se deu bem, ele é um dos ingleses mais brasileiros que conheci: simpático, aberto, bem-humorado. Logo depois, ao completar um curso de computação eu precisava fazer um mês de estágio pra ganhar o certificado. Liguei pro John e acabei trabalhando com ele por quase um ano. Nesse um ano trabalhando com ele, o que você aprendeu na prática? Um pouco da teoria das cores; Photoshop; como funciona um pequeno estúdio e como organizar o tempo para ser profissional. Na época o John estava desenhando a minissérie Crime e Castigo, escrito pelo Garth Ennis, e uma outra assistente e eu estávamos fazendo as cores. Tinham vários outros desenhistas e ilustradores no mesmo (pequeno) prédio, inclusive o Steve Dillon, então foi um tempo bem divertido e proveitoso. Gosto do desenho do Dillon, especialmente em Preacher, que publiquei. Como é o cara? Super simpático e tranquilo. Ele começou a carreira aos 16 anos então entende da narrativa e do mercado de HQ como ninguém. Ele até criou uma revista nos anos 1980/90, a Deadline, onde vários personagens, como a Tank Girl, e autores, como Nick Abadzis, foram publicados pela primeira vez. Hoje você faz muitas ilustrações editoriais, especialmente para revistas da Editora Abril. Esse é o seu ganha-pão atual? No momento divido minha renda em três fontes: ilustrações, aulas (na Quanta e pela prefeitura de São Paulo) e HQs. Ao longo dos últimos 5 anos estou me esforçando para a HQ ocupar um espaço cada vez maior. Qual das três atividades é a mais desgastante para você? Por quê? As três atividades têm características específicas: na ilustração você tem alguns dias, talvez uma semana, para fazer a arte, mas normalmente há detalhes e orientações minuciosas do que é necessário, e o diretor de arte muitas vezes vai sugerir alterações para seu desenho se encaixar melhor na matéria ou na linha editorial da revista. Para HQ você tem que desenhar uma página por dia, ou quase isso, dependendo do mercado onde vai publicar (americano, europeu, autoral, etc) e vai desenhar os mesmo personagens e cenários centenas de vezes de dezenas de ângulos diferentes. É cansativo, mas muito recompensador ao perceber que o todo compõe uma narrativa mais complexa do que uma imagem estática. E dar aula, para mim, não parece que estou trabalhando, mas sim encontrando maneiras de expressar, de transformar em palavras, a experiência e o conhecimento com a qual lido, aprendo e me dedico faz duas décadas. O retorno maior é quando os alunos evoluem no desenho ou na narrativa, e você sente que as aulas foram úteis. Ou seja, as três atividades são prazerosas nesse caminho de compartilhar histórias. E você tem alcançado este objetivo? Sim, aos poucos, como a tartaruga na fábula infantil: devagar, mas sempre. Começou com o Starship Troopers, que foi uma minissérie, depois a Kaos!, o Golem, Juiz Dredd e agora álbuns. Como foi a aceitação de Starship Troopers nos EUA? A primeira minissérie que desenhei estava entre as 300 revistas mais vendidas nos meses de lançamento, e a editora resolveu continuar as aventuras dos personagens (que não são os mesmos dos filmes). Vários outros desenhistas talentosos deram continuação, mas parece que recentemente a revista foi cancelada. Lembro que Juiz Dredd é um dos seus personagens preferidos. Como é para você trabalhar com esse personagem? Foi fenomenal poder desenhar um personagem que li quando criança, e cujos desenhistas foram alguns dos mais importantes da Inglaterra e me influenciaram por anos. Receber as revistas com as histórias que desenhei me fez voltar à infância por algumas horas! Seu mais recente trabalho foi álbum Robin Hood para a Inglaterra. Fale um pouco como foi produzir esta adaptação. O roteirista é o Tony Lee, com quem já trabalhei em outros projetos, que conseguiu fechar contrato com uma editora – a Walker Books, que faz livros infanto-juvenis – para fazer um álbum de 142 páginas. Tem sido ótimo revisitar uma das lendas mais queridas da minha infância, e poder fazer pesquisa dessa época da história inglesa – inclusive aproveitei no meio da produção do álbum para visitar a floresta de Sherwood (pelo menos o pouco que sobrou). Já terminei essa história que deve sair na Inglaterra em junho do ano que vem, mas a pesquisa histórica continua agora com meu próximo projeto com o Tony, para a mesma editora – o Rei Artur. Pelo visto vocês planejaram uma série? A editora, Walker Books, publica livros infantis (como Onde está Wally?) e infanto-juvenis (de aventura, suspense, etc) e gostou tanto do Robin Hood que sugeriu da gente criar uma série de “Heróis e Heroínas.” Se gostarem do Rei Artur, poderemos fazer outros personagens. Tem uma publicação independente sua circulando: Golem. Como surgiu essa revista e como está sendo a comercialização dela? A Marcela Godoy estava completando um roteiro sobre a segunda guerra e quando eu soube que tinha como personagem principal o Golem de Praga, um figura da mitologia judaica, implorei para poder desenhar. Ao perceber que eu não ia desistir ela me deixou ilustrar o excelente roteiro. Fiz as páginas ao longo de um ano, na mesma época em que estava desenhando Tropas Estelares para a Inglaterra e editando a Kaos! para o mercado nacional. Quando acabei, Marcela e eu decidimos fazer uma edição independente e pedi ao Cariello, professor da Quanta, para fazer o design. É uma história fechada de 24 páginas, capa colorida, cujo titulo na verdade é SchemHa-Mephorash, mas apelidamos de Golem por ficar mais fácil de lembrar. Está à venda na Comix, Livraria HQMIX, Devir, na banca do Quarto Mundo e no site Bodega, e tem um preview de 8 páginas no meu site. E como foi a aceitação desta produção independente? Fizemos uma tiragem de 1.000 exemplares, vendemos quase 400 nos primeiros meses e mais uns 150 desde então, o que para uma revista independente é ótimo. Quase recuperamos o investimento, que era nossa preocupação mais urgente. Como você vê hoje no Brasil o mercado independente de Quadrinhos? O mercado independente no Brasil está muito promissor e muito parecido com o que acontece nos EUA e na Inglaterra: desenhistas e roteiristas iniciantes (e até vários profissionais) perceberam que as grandes editoras não estão podendo publicar HQs em quantidade suficiente para dar conta de todas os autores, histórias e gêneros possíveis, então estão publicando e distribuindo sozinhos ou em grupos - como por exemplo o coletivo Quarto Mundo ou o site de vendas Bodega do autor Leo Santana. Quais suas dicas para um desenhista iniciante? Não escute o que os mais velhos te dizem. Vá em frente e faça do seu jeito. Obrigado, Sam, pela entrevista. E parabéns, pelas páginas de Robin Hood é possível perceber que você está sempre em evolução. Valeu Eloyr! Temos que continuar aprendendo, não é? O Bigorna.net agradece a Sam Hart pela entrevista concedida por e-mail e finalizada no dia 15 de janeiro de 2009. |
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