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Entrevista: Pryscila Vieira
Por Humberto Yashima
05/12/2008

A premiada ilustradora, designer e cartunista curitibana Pryscila Vieira é a criadora da personagem Amely – uma mulher de verdade, uma boneca inflável que vem com dois graves erros de fabricação: ela pensa e fala. Não seria preciso saber mais nada sobre essa talentosa e simpática moça para saber que ela tem um ótimo senso de humor. Pryscila também produziu vinhetas da Rede Globo, os famosos Plim-Plims que separavam os filmes e comerciais na programação da emissora. Seus trabalhos (e pensamentos) podem ser apreciados nos blogs Freeakomics e Obrapryma e no site oficial da Amely. Com vocês, Pryscila Vieira!!

Como você se tornou uma “profissional do traço”? O gosto pelo desenho nasceu na sua infância?

Desenho desde criancinha, sim. Lembro do gosto pelo desenho... Passei a infância comendo pastel oleoso azul e tomando nanquim, o que surtiu um efeito físico sobre mim. Acabei desenvolvendo escamas douradas nas costas e antebraços, característica básica de todo cartunista.

Conte como aconteceu a criação da Amely e como tem sido a reação do público às tirinhas da personagem.

A Amely foi criada despretensiosamente, apenas para ser veiculada no meu blog. A personagem agradou tanto que foi selecionada em concursos de humor gráfico (Sa­lão Carioca e Concurso de novos talentos do humor gráfico da Folha de S. Paulo), é publicada diariamente no grupo Metro International, a maior rede de jornais do planeta e no site Sextoy. Pela temática, que trata da diver­si­dade sexual e, principalmente, da luta pelos direitos da mulher, A Amely foi convidada também para exposições de Quadrinhos no Peru, Colômbia, Espanha e Grécia. Só que Amely, cujo nome foi inspirado no samba Ai, que sau­dades da Amélia!, de Mário Lago, representa exatamente os direitos de­siguais da mulher. Amely é uma mu­lher de verdade, embora paradoxal­mente seja uma boneca inflável. À pri­meira vista, ela é apenas um obje­to sexual perfeito, desejado, plastica­men­­te bonita e eternamente feliz. Nu­­ma segunda análise, ela frustra os ho­mens ao mesmo tempo em que se pro­­­jeta co­mo salvação das mu­lhe­res. Tudo por­que chega às mãos de seus com­pra­dores com dois grandes e ir­re­­­­ver­­­sí­veis ‘defeitos de fabricação’, ela pen­sa e fala... Mas a grande inspiração para a Amely são as mulheres infalíveis a que o gê­nero feminino se obriga a ser hoje em dia: mães, empregadas, donas de casa etc. Tudo ao mesmo tempo. O fato de Amely pensar, falar e ter uma vida cheia de sobrecarga, como a de qual­quer mulher, a transpõe do patamar de ‘mulher inflável’ para o de ‘mu­lher falível’. Ela adquire von­tade, ini­ciativa e independência, ape­sar de seus ‘proprietários’ não esperarem nada dela, além do que um objeto sexual proporciona. Os Quadrinhos tratam dos senti­mentos e pensamentos de alguém que não esperamos que os tenha, muito menos que os expresse tão veemente­men­te. Além de Amely, ainda há outro personagem que interpreta o com­pra­dor da boneca. Ele resolve ad­quirir uma Amely porque desistiu de tentar compreender as mulheres de verdade. Ele tem a esperança de que ela seja uma mulher perfeita. Como não tem vontade própria, não ten­ta­rá julgá-lo. E tudo isso por um pre­ço módico! Mas a solução perfeita pa­ra sua crise existencial dura pouco. Para seu desespero, Amely chega pen­sando e falando muito, como qual­quer mulher. E pior: ela recusa-se a ser um mero objeto sexual. Aproveito situações reais que ocorrem no dia-a-dia e, com freqüência me apodero das histórias e diálogos que escuto. A arte imita a vida, e a vida é en­graçada por mais desgraçada que seja. Tudo vira comédia depois de al­gum tempo não é?! O fato de conhecer o universo femi­ni­no, de certa forma influencia meu tra­balho; no entanto, acredito que cada mulher tem seu próprio universo, não somos padronizadas. Nenhuma mulher tem o comportamento previsível. 
 
Você lê Quadrinhos? Tem acompanhado o trabalho de quadrinhistas brasileiros, que são publicados principalmente em revistas independentes?

Admiro muito um belo roteiro, bem representado graficamente. Mas, gosto da síntese da informação, por isso minha predileção por cartum e tirinha.

Fale sobre Ziraldo, o seu grande ídolo.

Quem me conhece pessoalmente sabe: eu gosto do trabalho do Ziraldo. Só gosto não, eu amo! Desde criança os desenhos dele me despertavam o apetite artístico. Eu tinha vontade de devorar cada traço, de entender matematicamente como cada respingo aleatório de tinta tinha ido parar tão perfeitamente em cada milímetro quadrado de seu desenho. Para mim, Ziraldo é um dos melhores artistas gráficos do planeta. Acho que não existe uma só palavra que defina um artista ilimitado como ele. Talvez "criador" ou um simples "etc." sejam as palavras mais cabidas. Fico impressionada também com o público que o Ziraldo é capaz de conquistar: todo mundo. Ele não tem fronteiras de pensamento. Desenha um livro infantil, em seguida um cartum pornográfico e agrada de 8 a 80 sem jamais perder a classe. É autor de um humor inteligente que não se baseia na escatologia nem na exploração cômica da melancolia pelo qual o humor gráfico tem arrancado sorrisos amarelos ultimamente. Tem um humor solar, saudável, comovente, temperado ao sabor da irreverência e do deboche que só ele consegue mesclar com maestria. O trabalho do Ziraldo Alves Pinto (Alves por parte da mãe e Pinto do pai) é perfeito. E ainda afirma em rede nacional que nunca broxou! Isso, aos 75 anos! Estive no RJ e, claro, visitei o Ziraldo. Levava comigo uma rara encadernação dos oito números da revista "O Bicho", editada lá pela década de 70. Mostrei estas revistas para o mestre esperando apenas um autógrafo na contracapa. Mas percebi um brilho diferente no olhar dele quando viu a raridade. Motivo: Ziraldo não tinha guardado tais publicações! Diante disso, como eu negaria de presentear o mestre com estas revistas? Não havia escapatória. Já tinha me conformado com voltar para casa sem minha coleção rara e com um autógrafo dele na minha testa mesmo, quando tive uma brilhante idéia: escambo!!!! Insolente, truquei o mestre: "Troco minha raridade por um original seu! E tem que ser colorido!". Afe! Silêncio sepulcral. Ziraldo olha para mim por um instante e dirige-se até seu arquivo de desenhos. A partir daí, presenciei a mais bela seqüência de cenas da minha vida: Uma gaveta enorme cheia de originais do mestre, que ele ia folheando. Parecia um imenso flipbook em câmera lenta. Ele estava procurando um original em especial para a troca que eu ousara propor. Durante a procura dele falei várias vezes, afoita: "Pode ser este, Ziraldo. Ou aquele ali mesmo! Ah, vai... Este aí embaixo, então... Tá! Então vamos à sorte: dá o próximo que tiver uma borboleta sorrindo?!". Ele negava meus pedidos e folheava, folheava, folheava... Foi uma tortura. Eu já estava tremendo, babando, na eminência duma diarréia, enlouquecida com aqueles originais exibindo-se para mim. Devia ter pedido uma gaveta de desenhos e não um só desenho! A verdade é que eu aceitaria qualquer traço que ele próprio tivesse feito... Mas eis que ele põe fim a minha ansiedade e resgata do fundo da gaveta um original: nada mais nada menos do que o primeiríssimo desenho do personagem "Mineirinho Come Quieto", publicado por muito tempo na Playboy. O porquê de ele insistir na troca por este desenho ficou entre nós, como que no silêncio de um cartum que diz tudo na eternidade de um só frame. Papo de cartunista, saca? Inteligente, irreverente e classudo. Esse é o Ziraldo que eu digo. Por motivos óbvios, não ousei fechar o negócio com um aperto de mãos...

Qual a sua rotina diária de trabalho? Você trabalha em sua casa ou tem um estúdio em outro local?

Trabalho em casa. Meu uniforme é pijama e pantufa. Tenho graves problemas com horários, com rotina. Além disso, funciono melhor de madrugada. A Internet permite trabalhar para o mundo todo sem ter que sair de casa. Mas mesmo sem sair de casa, coleciono alguns boletins de ocorrência. 
 
As tiras estreladas pela Amely serão reunidas em um livro em um futuro próximo? Ou você tem algum outro projeto que pretende publicar?

A Amely é publicada diariamente no Metro internacional e semanalmente no maior site de produtos eróticos do país, o Sextoy. Neste site, são mais de quatro mil itens à disposição de clientes sexualmente exigentes. Em 2009, produtos da Amely estarão à venda neste site. Entre eles, um vibrador recomendado pelo Ministério da Saúde contra histeria feminina e uma caixa com calcinhas para cada dia da semana, estilo panos de prato. O livro da Amely é previsto para o primeiro semestre 2009, segundo previsões da Dona Néia e de Nostradamus.

Qual dos seus múltiplos talentos artísticos - de ilustradora, design e cartunista - você mais gosta de utilizar? Por quê?

Tenho um talento além desses que você citou que é pouco conhecido pelo público. É a preguiça. Quando não tenho que desenhar, fico tomando Todinho na frente da TV, assistindo coisas de profundo teor intelectual como, por exemplo, a primeira temporada do Muppets Show. Mas desses talentos que colocam pão na mesa, gosto mais é de escrever mesmo. Dá menos trabalho. Desenhar cansa.

Deixe um recado para os leitores do Bigorna.net e para os aspirantes a desenhistas que pretendem seguir carreira na profissão.

Recado para os leitores: Se quiserem ajudar uma cartunista preguiçosa a não fazer nada, por favor, depositem com freqüência qualquer quantia na minha conta no Banco do Brasil. Quando somar R$ 1.000,000,00 em doações, prometo viajar pelas melhores cidades do mundo, tomar os melhores vinhos e mandar cartões postais e abraços virtuais para meus mecenas. Já o recado para os que pretendem seguir carreira: Isso é coisa da geração das décadas de 70, 80. Coisa démodé é achar que alguma droga faz com que alguém crie coisas mais bacanas. Cheirar essa mistura gratuita de oxigênio com poluição que temos nas grandes cidades, já é suficiente.

O Bigorna.net agradece a Pryscila Vieira pela entrevista, realizada por e-mail e finalizada em 28 de novembro de 2008

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