Em São Paulo, o Anima Mundi (que ocorreu entre 23 e 27 de julho, a versão carioca do evento foi de 11 a 20 de julho) – que é considerado um dos cinco maiores festivais de animação do planeta – desta vez se dividiu, deixando um pouco as dependências do Memorial da América Latina, como tem ocorrido nos anos anteriores. O outro local de exibição dos filmes do festival foi o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), no Centro da Capital paulista, que se dedicou, entre outras coisas, a passar os longas do animador americano Ray Harryhausen, cujo rico material foi tema de um dos Papos Animados.
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Ray Harryhausen e o cíclope de Fúria de Titãs |
Harryhausen, nascido em 1920 em Los Angeles, é tido pela História da Animação mundial como um dos grandes mestres do
stop-motion (a técnica de fotografar quadro-a-quadro bonecos feitos de massinha e outros materiais) e do
split-screen (uma retroprojeção onde ele conseguia diversos planos com seres animados). Depois de assistir ao clássico
King Kong, de 1933, o então adolescente Ray Harryhausen interessou-se pelo mundo da animação e chegou mesmo a trabalhar mais tarde com o diretor de efeitos visuais do filme, Willis O. Brien. Entre os muitos filmes conhecidos em que ele empregou suas criações mágicas de animação estão
Fúria de Titãs e
A Sétima Viagem de Sinbad. Harryhausen trabalhou com diversos diretores, desde Ernest B. Shoedsack (do primeiro
King Kong), Irwin Allen (o produtor e criador de seriados clássicos de TV como
Terra de Gigantes e
Perdidos no Espaço) e Nathan Juran. Para falar sobre os trabalhos de Ray Harryhausen, o
Anima Mundi convidou seu agente,
Arnold Kunert.
Se no saguão principal do Memorial estavam desde as já famosas oficinas de animação, houve também instalações de filmes animados, palestras como a de Heather Kenyon, roteirista americana que, tendo trabalhado diversos anos nos estúdios Hanna-Barbera, veio falar tanto sobre como se produz um documento para pitching internacional de produtos audiovisuais (explica-se: pitching é a avaliação e escolha de projetos para TV aberta ou paga) como também analisou o 1º Ato do filme Os Incríveis, da Pixar/Disney, mostrando à platéia presente como um filme se estrutura a partir de seus personagens centrais, da apresentação deles. A platéia também pôde acompanhar durante todo o evento os comentários e dicas dos diretores do Anima Mundi através do blog. A sensação que fica é de que o Anima Mundi está se transformando em algo muito mais do que um dos maiores festivais do planeta, ele está se voltando, a cada edição, para o mercado. Isso é muito bom, extremamente benéfico, ainda mais para nós, brasileiros, praticamente isolados em termos de conhecimentos sobre venda, pitching, exportações, leis, editais, licenciamento de materiais audiovisuais para o mercado externo. Foi o que deu pra sentir também com o Anima Fórum, que é sempre feito, não sem motivo, na versão paulista do evento.
Importante ressaltar que os editais (e mesmo os pitchings) para produção de desenho animado – nos formatos curta, longa e seriados de TV – precisam ser melhor dimensionados, pois o Brasil tem uma tradição recentíssima com isso. Artifícios antigos de mercado (onde a própria produção se encarrega de criar os recursos para futuros materiais audiovisuais), coisa com as quais os americanos estão acostumadíssimos, chegam até nós como novidades, tal o atraso que nos proporcionaram não só a ditadura militar e a censura cultural que veio junto com ela, mas primordialmente a abertura de mercado para o diferente, para o novo, para o outro. Ainda precisamos reverter o processo de aculturação que sofremos nesses anos todos (essa mania de que o que vem do exterior é melhor que o nacional, o produzido aqui), e isso se faz com formação de público.
Produtores e criadores de animação de vários países (Colômbia, Venezuela e Argentina) foram convidados a falar sobre como estão fazendo filmes animados nos seus países, bem como executivos da TV Cultura, da Ancine (Agência Nacional do Cinema) e do Canal Brasil falaram sobre nossas dificuldades e formas de combater esse isolacionismo, que é mais cultural do que qualquer outra coisa. É importante que se quebre essa barreira mercadológica nossa, pois não se pode continuar única e exclusivamente com a importação de produtos europeus e norte-amercanos (BBC inglesa e National Film Board do Canadá à frente), uma vez que possuímos – sim! - artistas suficientes para enfrentar esse desafio. O que nos falta é gente especializada em vendas. Para compras já temos até demais.
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Martín Fierro |
Mas fica a lembrança de um festival repleto de produções criativas (como
Post, simpático filme suíço sobre um carteiro que queima as cartas que irá enviar a pessoas e reescreve outras no lugar delas, trazendo assim alegrias aos seus destinatários) e a belíssima co-produção Espanha/Argentina que é
Martín Fierro (e que trouxe ao Brasil um de seus produtores, o argentino
Horacio Grinberg). Essa adaptação em desenho animado 2D do maior clássico da literatura argentina, um poema épico do século XIX que foi vertido para as telas finalmente ficou pronto em outubro de 2007, sem que o grande cartunista
Roberto Fontanarrosa (morto em julho do ano passado) pudesse tê-lo visto completo. Explica-se: o cartunista foi a escolha mais do que acertada para compor todo o
design dos personagens do longa-metragem de quase duas horas (deliciosas) de duração. É uma produção vibrante, muito latino-americana, onde tudo funciona impecavelmente, é um grande filme e uma importante versão animada a respeito de nossas origens.
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Dossiê Re Bordosa |
Outro fato foi
Dossiê Rê Bordosa - divertido curta metragem de 16 minutos de duração dirigido em 35mm por
César Cabral em 2007 - ter ganhado nas categorias de
Melhor Filme de Animação Brasileira e de
Melhor Curta-metragem, tanto no Rio como em São Paulo. César "costurou" em massinha uma série de entrevistas (além do próprio criador dos personagens da revista
Chiclete com Banana,
Angeli, o editor
Toninho Mendes, o cartunista
Laerte, o psicólogo
Tales Ab'Saber, entre outros). Unanimidade nacional. Outro que esteve no
Festival foi o argentino
Juan Pablo Zaramella, que não só participou do
Papo Animado sobre sua obra – ele trabalha com diversos materiais (entre eles massinha) - e foi o diretor do
Melhor Curta-metragem vencedor na edição 2007 do
Anima Mundi, com o seu
Lapsus, o filme em que uma freirinha fica dividida entre a luz e as trevas, todo em preto-e-branco, divertidíssimo.
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Princess e seu diretor, Anders Morgenthaler |
O público elogiou também filmes como o polêmico Princess, longa-metragem do dinamarquês Anders Morgenthaler, em que um homem perde num acidente de carro a sua irmã, uma ex-atriz pornô chamada de "Princess". Assim, ele adota a sobrinha, uma garotinha de cinco anos de idade e tenta apagar o passado da irmã perante a menina. Essa edição também teve filmes elogiados como o divertido e criativo Isabelle au Bois Dormant, filme de animação 2D produzido pela National Film Board do Canadá, dirigido por Claude Cloutier, e que sendo bilíngüe, recebeu também o nome de Sleeping Betty, uma direta e completamente insana alusão à Bela Adormecida.
Uma notícia que fica aqui é o alegre retorno da Disney aos curtas animados em 2D (lembram quando o Anima Mundi exibiu um filme do estúdio que seria o último do gênero? é que o 3D está dando visíveis sinais de desgaste). O filme que veio representar esse novo tempo - têm cara de jogada de marketing essas idas e voltas da Disney - é o curta dirigido por John Lasseter (o sr. Pixar) e estrelado pelo Pateta, How to Hook Up your Home Theater (algo como Como Pendurar seu Home Theater), com trechos do filme que foram produzidos aqui no Brasil. Vem vindo por aí um longa disneyano em 2D, que também terá alguns minutos a serem produzidos aqui no Brasil (ainda não tivemos a autorização para informar mais do que isso), mas é certamente um alento de mercado para vários profissionais da animação. Por um tempo, ao menos.
A Premiação do Júri Popular no Anima Mundi 2008, versão paulista, ficou assim:
Melhor Filme de Estudante
1 - OKTAPODI - Julien Bocabeille, François Xavier Chanioux, Olivier Delabarre, Thierry Marchand, Quentin Marmier, Emud Mokhberi - França
2 - BLIND SPOT - Johanna Bessiere, Cecile Dubois Herry, Simon Rouby, Nicolas Chauvelot, Olivier Clert, Yvon Jardel - França
3 - LA QUEUE DE LA SOURIS - Benjamin Renner - França
Melhor Longa-Metragem
1 - PRINCESS - Anders Morgenthaler - Dinamarca
2 - IDIOTS AND ANGELS - Bill Plympton - Estados Unidos
3 - DELGO - Marc F. Adler & Jason Maurer - Estados Unidos
Melhor Animação Infantil
1 - UM DIA DE SOL (EIN SONNIGER TAG) - Gil Alkabetz - Alemanha
2 - SEU LOBO - Humberto Avelar - Brasil
3 - CUCURUJAS (HUHU - POLE HOLE) - Alexei Alexeiev - Hungria
Melhor Animação Brasileira
1 - DOSSIÊ RÊ BORDOSA - César Cabral
2 - SEU LOBO - Humberto Avelar
3 - O JUMENTO SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR - William Paiva, Leo D.
Melhor Curta-Metragem
1 - DOSSIÊ RÊ BORDOSA - César Cabral - Brasil
2 - ISABELLE AU BOIS DORMANT - Claude Cloutier - Canadá
3 - OKTAPODI - Julien Bocabeille, François Xavier Chanioux, Olivier Delabarre, Thierry Marchand, Quentin Marmier, Emud Mokhberi - França
Prêmio dos Diretores de ANIMA MUNDI
LA QUEUE DE LA SOURIS - Benjamin Renner - França
Prêmio Núcleo de Animação de Campinas - para a Melhor Animação de Estudante Brasileira
O POVO ATRÁS DO MURO - Marconi Loures de Oliveira