Fazer um filme de super-herói ou inspirado em qualquer História em Quadrinhos é um risco. Primeiro porque, para os padrões que se pretende atingir hoje em dia, demanda um custo alto de produção. Segundo porque quase nunca agrada aos fãs do gênero, que sempre se revoltam com a falta de fidelidade à história original, a ineficiente caracterização dos personagens, o não respeito a detalhes importantes da trama de onde se baseia o filme, entre outras reclamações. O que mais se costuma ouvir da boca desses mesmos fãs e até da crítica especializada é que o “bandido” é melhor que o “mocinho”.
A bola da vez é Homem de Ferro, a mais nova investida da Marvel para levar às telonas outro de seus personagens. Só que não qualquer um, trata-se do Vingador Dourado, o assim chamado guarda-costas do milionário, inventor e playboy Tony Stark, não sendo outro que não ele mesmo esse herói. O personagem é mais uma das crias da mente fértil de Stan Lee - que dúvida -, mas não só, estavam juntos nessa o Mestre Jack Kirby, Larry Lieber e Don Heck, lá nos idos de 1963. É claro que muito desta produção já foi divulgada e até vista na Internet, é a tecnologia diminuindo as surpresas, porém, ambientar o filme no presente, apresentando um conflito em uma área do planeta onde estão mesmos ocorrendo os fatos mais recentes da nossa história bélica não foi surpresa nenhuma, foi até muito útil à história e, com certeza, provoca em quem está assistindo uma familiaridade cúmplice. Sem querer revelar muito para não tirar o resto do prazer de qualquer fã ou, no mínimo, curioso em saber o que fizeram com o Homem de Ferro, posso dizer que a personalidade que escolheram para Stark, no início do filme, condiz melhor com o desenrolar da história do que em certas fases do herói nos Quadrinhos. Ainda sem querer “entregar” ou “estragar” o que virá a seguir sou obrigado a comentar que a sua primeira aparição, devidamente trajado, mesmo que ainda no visual primitivo, impressiona e a ação que decorre daí começa a fazer você achar que gastou bem o seu dinheiro. Existem diálogos leves e bem-humorados durante quase todos os momentos, no entanto, isso não transforma o filme numa comédia; as piadas funcionam bem e não comprometem na estrutura do personagem às voltas com a decisão da mudança de postura, de milionário fabricante de armas em alguém mais preocupado com as conseqüências e resultados do seu “ganha-pão”. A reflexão, sem intenção ou proposital, sobre a grande quantidade de armamentos que estão espalhadas pelo mundo a fora que levam a assinatura dos EUA, matando, inclusive, norte-americanos, existe.
Uma boa sacada foi mostrar que Stark não veste a armadura e já sai por aí dando piruetas e enfrentando supervilões, existe um tempo para ele aprender a manejar a “roupa” e o filme gasta esse tempo, que é essencial para o espectador vestir junto o aparato high-tech. A supertecnologia presente também não incomoda e é uma coadjuvante importante do filme. Computador com superinteligência, interfaces táteis, e, é lógico, a própria armadura que sozinha já é um primor. A segunda aparição do Homem de Ferro, agora sim com a brilhante indumentária dourada e vermelha, coloca o espectador de frente com o herói podendo observar os efeitos especiais e o CGI (Computer Generate Imagery, ou Imagens Geradas por Computador) que dão vida e movimento ao Homem de Ferro. É que aqui que se percebe a competência da ILM (Industrial, Light & Magic, empresa de efeitos especiais de George Lucas), onde os efeitos não provocam nenhum desconforto visual; aqueles com olhar treinado, sempre em busca de falhas, terão de acurar bem a visão. Ainda sobre esse aspecto do filme fica uma sugestão: assistam numa sala onde o som for de ótima qualidade, assim esses efeitos poderão ser mais bem apreciados. Creio que o vilão do filme, o verdadeiro, não será uma grande surpresa, porém, pelo bem da necessidade prazerosa de quem vai ao cinema, não posso me permitir comentar essa parte.
No elenco principal temos Robert Downey Jr., agora mais velho e recuperado dos seus maus momentos, que interpreta um Tony Stark com muita competência, dando credibilidade ao papel; o visual lhe caiu muito bem. Gwyneth Paltrow não dá um show de interpretação; também, o papel de secretária dedicada não pede muito. Sua beleza, agora mais discreta, transforma a personagem em mais que um rosto ou um corpo bonito: para trabalhar com Stark é preciso ser inteligente. Como par romântico funcionou. Terrence Howard tem seus altos e baixos como o amigo Rhodey, os fãs dos Quadrinhos sabem muito bem quem ele é; no filme, desta vez pelo menos, ele é só isso mesmo, o amigo e o contato militar de Tony. Jeff Bridges, sabidamente um ator muito experiente, levou esse conhecimento para esta produção: Obadiah Stane é o seu personagem, o homem que divide o controle das Industrias Stark. Segundo o próprio Bridges, quando ficou sabendo o nome do seu personagem pesquisou e descobriu que é nome do livro mais curto da Bíblia (Obadias ou Abdias) que fala a respeito a um acerto final de contas, algo muito presente neste filme. Shaun Toub interpreta Yinsen, o médico que, não só salva a vida como também ajuda Tony a construir a primeira armadura durante o cativeiro. Faran Tahir é o vilão, para alívio dos fãs ele não será melhor que o herói... não desta vez.
Em resumo, Homem de Ferro é um filme de ação que, por acaso, se baseia num personagem de Quadrinhos; é diversão, não ridiculariza, não acrescenta absurdos nem destrói nada na mitologia do herói, é para sentar na cadeira e se divertir por 126 minutos, engana-se quem estiver esperando outra coisa. Talvez nos extras do DVD. Por último, todo mundo sabe que em filme da Marvel tem presença de Stan Lee, então prestem atenção para ver quem o grande criador está encarnando desta vez.