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Por Humberto Yashima 07/03/2008 O ilustrador e quadrinhista curitibano José Aguiar, autor do álbum Folheteen (Devir Livraria) e do recém-lançado Quadrinhofilia (HQM), co-criador de O Gralha e, entre outros trabalhos, desenhista de dois álbuns do personagem Ernie Adams - escritos pelo também brasileiro Wander Antunes e publicados na Europa (infelizmente inéditos no Brasil) -, arrumou um tempinho em seu atarefado dia-a-dia para conceder por e-mail esta entrevista ao Bigorna.net. Você criou o álbum Folheteen a partir da HQ de uma página Ponto Final, com a qual venceu o 1º Concurso Internacional de Quadrinhos do Senac-SP. Fale sobre a produção desse livro. Na verdade, essa HQ veio das tirinhas de Folheteen. Havia uma seqüência que se passava naquele mesmo ponto de ônibus. Quando soube que haveria o concurso da Devir, achei que seria interessante partir daquelas idéias curtas para compor uma HQ de apenas uma página. O regulamento do concurso promovido pela Devir e Senac-SP era muito específico quanto ao fato que estaria sendo avaliada uma história com apenas uma página. Hoje essa página é o final do livro Folheteen. Foram feitos apenas alguns ajustes nos balões por questões de continuidade. No todo, posso dizer que o livro começou pelo fim. Na verdade, ele é para mim uma espécie de longa-metragem das tiras. Reli todo o material antigo, pincelei as melhores situações e amarrei tudo numa trama coesa. Metade dele eu fiz na Alemanha em 2006. Sendo um artista versátil, você utilizou um traço mais estilizado em Folheteen e um traço mais realista nos álbuns de Ernie Adams publicados na Europa. Qual o seu estilo de desenho preferido na produção de HQs? Sinceramente eu não sei qual é o meu estilo preferido. Mas posso dizer que o traço usado em Folheteen é mais pessoal e por isso mesmo flui mais fácil. Eu costumo dizer aos meus alunos no curso de HQ da Gibiteca de Curitiba que para desenhar é preciso entender estrutura. O resto é maquiagem. Se é mangá, super-herói ou mesmo um estilo particular, não importa. Todos têm que ter um esqueleto sobre o qual você vestirá a aparência de seu personagem. Acho que esse raciocínio facilita a transição entre estilos. O meu novo livro, Quadrinhofilia, que está saindo pela editora HQM, mostra bem isso. Cada história tem uma proposta de desenho diferente, dependendo do que o roteiro pede. Isso pode causar certo estranhamento para o leitor acostumado a rotular o artista, mas como experimento para mim é muito interessante. Mas convém citar que isso é uma característica que compartilho com muitos artistas brasileiros. A falta de um mercado estável de trabalho nos faz mais flexíveis e adaptáveis diante das oportunidades que surgem. Como professor de Histórias em Quadrinhos, você tem notado algum aumento no interesse dos jovens em produzir suas próprias histórias? Estão surgindo novos talentos em Curitiba? Sim em ambas as perguntas. Nos últimos dois, três anos, a procura por aulas de HQ tem aumentado muito. Não só em quantidade de alunos. Mas também tem se diversificado os perfis. Antigamente era mais comum ter crianças e pré-adolescentes encaminhados pelos pais. Hoje esses adolescentes estão mais velhos e vêm por conta própria, seguidos por estudantes de design, propaganda, até diretores de arte. E, claro, temos sempre aquele aluno que seguiu carreira diversa em outra área e depois de anos decide retomar os Quadrinhos em sua vida. Já tive alunos que eram contadores, farmacêuticos e aposentados. Não raro ministro aulas para pessoas bem mais velhas que eu que antes tinham vergonha de gostar de Quadrinhos. Mas hoje, graças à atenção da mídia, desenhos animados, filmes e dos Quadrinhos em livrarias, superaram esse bloqueio. Também é interessante notar que, pelo menos em Curitiba, há cada vez mais garotas freqüentando os cursos e que tem diminuído o número de obcecados por mangá. As pessoas têm buscado entender melhor o que são os Quadrinhos como um todo. Eu mesmo sou produto das oficinas da Gibiteca. Novos talentos que passaram por lá, alguns inclusive meus ex-alunos estão prestes a explodir. DW, André Caliman e Simon Ducroquet são alguns desses nomes que só não têm maior destaque ainda porque Curitiba, salvo as revistas Quadrinhópole e Avenida, não tem veículos para seu trabalho. Mas isso é questão de tempo. Ultimamente, uma grande variedade de HQs de autores nacionais tem sido publicada no Brasil, principalmente de forma independente. Qual a sua opinião sobre esse "fenômeno"? Para mim, a atual situação econômica e a Internet são as duas molas mestras desse "fenômeno". Grandes roteiristas sempre existiram por todo o país. Mas antes a divulgação era restrita ao número de xerox de fanzines que você conseguia fazer. Era também um processo lento. Hoje com os blogs, sites pessoais e portais houve um salto quantitativo e de qualidade. Fiquei muito contente quando vários grupos de independentes se juntaram para formar o selo do Quarto Mundo. Achei a iniciativa estupenda e um passo importante para que todos os envolvidos possam deixar de ser independentes no sentido pejorativo que a palavra pode ter para a maioria das pessoas: sem retorno financeiro e sem perspectiva de futuro. Eles trabalham para ser independentes no sentido de liberdade criativa e de não precisarem depender das boas graças de uma editora grande para fazer grandes trabalhos. A semente que eles estão plantando vai com certeza gerar frutos duradouros para os Quadrinhos brasileiros. O período em que você viveu na Europa contribuiu de alguma forma no aprimoramento da sua arte? Como era o seu cotidiano por lá? Sem deslumbres, contribuiu muito sim. Foi importante levantar a cabeça da prancheta, dos livros. Vivenciar lugares que eu só conhecia da escola me deu outra perspectiva das coisas. Estar diante de quadros e pinturas que eu só conhecia de reproduções foi emocionante. Principalmente quando você pode ver a tal escultura por trás, por baixo. Entendê-la de fato. No início, claro fiquei fascinado com o gigantismo das obras, da arquitetura, dos monumentos, mas depois passei a me interessar no que era pequeno, nos detalhes. No meu blog do projeto Reisetagebuch - Uma Viagem Ilustrada pela Alemanha eu divido muitas dessas experiências com o leitor. Justamente porque fui desmistificando para mim mesmo o velho mundo ao fotografar seus banheiros, por exemplo. Mais do que estudar os mestres, acho que o meu olhar sobre as coisas mudou. Minha noção de perspectiva mudou muito só por andar por paisagens diferentes. Isso influencia e muito o desenho. Sem falar que dá uma vontade enorme de voltar esse olhar novo sobre o Brasil, descobrir o que há aqui que eu desconheço de tão banalizado que possa estar em meu cotidiano. Isso certamente renderá boas histórias. Sobre meu cotidiano lá: eu passava metade do dia estudando, metade escrevendo, desenhando ou fotografando. Era bem saudável no sentido de ter horários mais fixos para cada atividade. Eu também andava muito mais do que aqui. Nada da rotina do free-lancer padrão, com horários desumanos noite adentro. Foram pausas criativas dentro na minha vida. Foi puxado, mas renovador em muitos sentidos. Algum dia os seus fantásticos textos para a coluna "Lembra Desse?" do site Omelete serão reunidos em um livro? Ei, obrigado pelo elogio!!! Bom saber que tenho um fã graças a esse trabalho! Eu adoraria fazer isso! Na verdade, se alguma editora estiver interessada por um livro teórico levemente debochado (nos estilo do Lembra Desse) sobre Super-Heróis do Cinema, é só entrar em contato comigo que o projeto já existe. Só não viabilizei ainda pois estou priorizando meu trabalho de autor de Quadrinhos. Você prefere produzir HQs completas (roteiro e arte) ou apenas desenhá-las? Está trabalhando em alguma história nova? Nunca tive problemas em ilustrar trabalhos de outros escritores. Isso para mim sempre foi uma escola. Aprendi muito com Gian Danton, ABS Moraes, André Diniz, Wander Antunes e Antonio Eder. Cada um trabalha de um jeito diferente, cada um sempre teve algo a me ensinar simplesmente por estarmos fazendo uma parceria. Mas prefiro me arriscar sozinho. Cada vez tenho mais propensão a trabalhar o roteiro eu mesmo. Pensando em minhas limitações como ilustrador e me impondo desafios. Por isso mesmo estou sempre com várias histórias na fila de espera. De mais adiantado tenho os roteiros do segundo Folheteen e o de Pensão João, outra tira minha que irei transformar em álbum. Junto com Paulo Biscaia, da Cia Teatral Vigor Mortis tenho dois projetos ligando HQs de terror e Teatro em andamento também. Há outros projetos mais embrionários e coisas que estou negociando fora, que não posso comentar por enquanto. Se tudo der certo, terei muitas coisas a serem publicadas nos próximos anos! Para acompanhar o que ando aprontando, convido a todos a entrar em meu blog em meu site oficial. Para quem quiser acompanhar o andamento do projeto Reisetagebuch e saber um pouco mais de minhas andanças na Europa, clique aqui. Ah, claro! E quero aproveitar e deixar meu obrigado ao Bigorna pela oportunidade de falar e divulgar meu trabalho novamente! É sempre um prazer estar por aqui! O Bigorna.net agradece a José Aguiar pela entrevista, finalizada em 05/03/2008 |
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