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Por Eloyr Pacheco 07/12/2007 Num país como o nosso, onde o Quadrinho, de modo geral, é tratado com amadorismo e não tem uma produção independente ainda consolidada, Daniel Esteves se dedica somente a escrever e roteirizar Histórias em Quadrinhos. Neste ano ele recebeu o HQ Mix como Roteirista Revelação em reconhecimento ao seu trabalho. Já publicou em revistas como Quadreca e Quadrinhópole, escreveu um roteiro para a Subterrâneo que acaba de ser lançada, e lançou sua própria revista, a Nanquim Descartável. Neste bate-papo por e-mail, entre outros assuntos, Daniel (bastante prolixo) fala de suas preferências, discute a cronologia nos comics, comenta sobre sua escola, e sobre a Nanquim Descartável. Como você se interessou por Quadrinhos? Quais as primeiras revistas que leu? Meu interesse vem desde tempos remotos da infância. Lia Turma da Mônica e outros Quadrinhos infantis equivalentes. Normalmente os no estilo da Mônica, quando criança não gostava muito de Disney, por exemplo. Mas nessa época ainda não colecionava Quadrinhos de fato. Só com uns 12 anos que comecei a colecionar através das HQs de Super-Heróis, sobretudo os heróis da DC. Com o tempo meu gosto foi se ampliando para outros gêneros e estilos, sejam Quadrinhos americanos, europeus, japoneses, brasileiros, de grandes editoras, undergrounds, autorais, etc. Se fosse listar a coisa iria longe aqui. Acho que lá pros 14, 15 anos que fui entendendo melhor o potencial dos Quadrinhos enquanto meio de comunicação, o que me levou a querer produzi-los e pouco a pouco a ir me especializando em roteiro. Foi na revista Quadreca número 12 lançada em 2002. De lá pra cá publiquei em edições independentes e zines por mim editados, na Front, outros números da Quadreca, Quadrinhópole, Garagem Hermética, na nova fase do jornal Correio Paulistano, no fanzine Subterrâneo e agora a revista Nanquim Descartável. Como foi ganhar o HQ Mix de roteirista revelação? Com toda a certeza foi uma grande surpresa desde a indicação. Fiquei feliz demais, principalmente porque os concorrentes eram muito bons. Tinham dois lá que concorriam a melhor roteirista também (Osmarco Valladão de O Instituto e Volney Nazareno de Encantarias). A Anita Costa Prado vencedora do Angelo Agostini de Melhor Roteirista no começo do ano também concorria. Isso sem contar o Anísio Serrasul que estava bem conhecido por conta do Guerreiros da Tempestade, Gabriel de Mattos do Destino Oeste e Iramir Araújo do Corpo de Delito. Sinceramente eu tinha certeza que não venceria. Então fiquei surpreendido e muito contente. Isso abre portas, desde que você esteja disposto a correr atrás delas e não parar de trabalhar duro. Como funciona a Escola HQEMFOCO? Você é sócio com quem? A HQEMFOCO atua em endereço próprio na Vila Formosa (Zona Leste de São Paulo), com cursos individualizados nas áreas de HQ, Roteiro, Ilustração e Mangá, além da parceria já longa com a E.T.E. José Rocha Mendes, onde ministramos um curso extracurricular de HQ e Mangá. Também atuamos com oficinas, workshops e outras atividades em escolas, faculdades, etc, como por exemplo, uma oficina agora no final do ano na Gibiteca Henfil. Além da minha presença, dão aulas regularmente os artistas Wanderson de Souza e Alex Rodrigues. Também contamos com ocasionais participações de outros artistas-parceiros dando aulas especiais, palestras, etc. Com certeza foi muito proveitoso para os alunos. Como está a aceitação da Nanquim Descartável? Até o momento a resposta tem sido boa. As pessoas que leram de um modo geral gostaram e captaram bem o espírito da revista. Sejam profissionais, jornalistas, leitores de Quadrinhos ou leitores não usuais de Quadrinhos, esse último o público que mais me interessa. A pretensão não é fazer uma mega-saga hiper-complexa, mas contar histórias simples do cotidiano das personagens e me aprofundar na psicologia, história pessoal e no jeito delas a cada edição. Sei que estou longe de alcançar o público necessário e ainda tenho que me mover bastante em mil idéias pra fazer a revista chegar até as pessoas. Mas ao menos sinto que no que concerne ao conteúdo em si o caminho escolhido foi proveitoso. Quando digo que quero atingir o público que não é leitor costumeiro de Quadrinhos, o conteúdo vem exatamente nessa linha. Trabalhar histórias de personagens reais, em ambientes reais, num espírito mais maduro. Não que o leitor normal de Quadrinhos não consuma isso, mas ele já tem uma enxurrada de títulos para escolher. São poucos os que deixam de comprar as HQs dos seus personagens ou autores favoritos para comprar um Quadrinho de um autor e personagens desconhecidos (em comparação com os estrangeiros). Também sei que é difícil alcançar o público constantemente, então a série tem uma estrutura de histórias fechadas dentro de cada edição, por mais que siga com os mesmos personagens. A idéia é trabalhar como uma série de TV, onde cada episódio pode ser apreciado separadamente, mas quando vistos em conjunto formam um todo mais complexo e interessante. Sinto que muitas pessoas não lêem Quadrinhos por puro desconhecimento do tipo de histórias que podem ser publicadas. Isso em 2007... Pessoas que vêem filmes, lêem livros, vão a peças de teatro, e podem se tornar leitores de Quadrinhos, quando se depararem com histórias com as quais elas não precisariam ter lido 500 edições anteriores pra entender o que está acontecendo. Além disso, o momento do lançamento é ótimo, pois coincide com a formação oficial do Quarto Mundo, coletivo de quadrinhistas independentes (do qual faço parte) empenhado em melhorar a distribuição, participar de eventos e organizar outras coisas pra fazer as revistas chegarem até o público. Neste seu comentário você deu uma cutucada em uma das bases dos Quadrinhos de super-heróis: a cronologia. Algo contra? (risos) Na verdade a cronologia não é ruim em si. Pelo contrário, ela lançou base para formar um público-leitor fiel e colecionador de Quadrinhos. Com certeza é ótimo, pois em grande parte a indústria se mantêm em torno desse público. Porém, esse tipo de elemento narrativo não permite em longo prazo uma renovação do público, ou até atrapalha novos leitores interessados em acompanhar determinados personagens. Pra quem é leitor habitual de X-Men a sua cronologia pode ser algo muito bacana, mas pros não iniciados chega um momento que tudo fica tão complicado a ponto do recém-interessado não entender nada. Outros Quadrinhos seriados trabalham no esquema de arcos de histórias, o que é muito interessante, quando você tem alguma garantia de quando pode publicar a próxima história. Em se tratando de um Quadrinho Independente, que depende unicamente do esforço pessoal de seus autores, é mais complicado. Já fiz isso no passado e deixei uma história em aberto, que hoje não tenho o mínimo interesse em terminar. Então tentarei ao máximo fugir disso. Não dou total garantia, pois pode acontecer de criar uma história interessante que leve mais de uma edição, mas não é essa a idéia. Um outro extremo do Quadrinho seriado é o que acontece em revistas infantis ou em tiras de humor, onde o que ocorre numa história não necessariamente influencia os fatos da próxima. Por exemplo, numa edição o Pato Donald pode ficar rico, mas na próxima ele volta a ser pobre. Isso são histórias seriadas sem cronologia. É interessante pra determinado tipo de série, mas também não é minha intenção. Pretendo trabalhar num esquema de histórias fechadas dentro das edições, assim como, por exemplo, uma série de TV, ou como sempre foi feito pelos europeus nos álbuns de personagens seriados. Caso você assista uma série de TV pela primeira vez do décimo episódio a compreensão não é afetada. No máximo uma ou outra piada acaba se perdendo pelo fato de você não conhecer os personagens a fundo, mas no geral você compreende a história. O mesmo acontece, por exemplo, com um personagem como o Asterix. Porém, caso o leitor se interesse e consiga todas as edições ele passa a ter uma leitura em outros níveis, pois pode acompanhar as mudanças das personagens e conhece-las de forma mais completa. A idéia é partir pra esse lado, pois assim você não conta apenas com colecionadores de Quadrinhos, mas com qualquer tipo de leitor que queria ler uma boa história, que poderia ser uma peça de teatro, um conto, um filme, etc. Nem todos que assistem filmes são colecionadores de filmes, certo? Por que insistimos tanto nesse lado para os Quadrinhos?! Como eu falei lá em cima, os colecionadores são importantes, mas só a presença deles não garante um mercado sadio, pois esse tipo de leitor já está viciado em Quadrinhos seriados estrangeiros. Acredito que a saída dos Quadrinhos nacionais é investir nesse novo público e não necessariamente tentar seduzir os leitores/colecionadores de Batman, Dragon Ball, Mônica, Sandman, Calvin, etc. E qual revista em Quadrinhos você indica para quem quer começar a ler Quadrinhos? Fora a sua Nanquim Descartável, claro! (risos) Procuro sempre recomendar álbuns e especiais, aqueles Quadrinhos lançados em livraria, que normalmente possuem uma qualidade editorial, gráfica e tramas mais interessantes. Mas nesse caso estou considerando um adulto não acostumado a ler Quadrinhos. O ideal é realmente oferecer algo que a pessoa possa consumir assim como um filme, livro, etc. Que o leitor não dependa de uma compreensão a priori de fatos, personagens, pra conseguir apreciar a história. Por exemplo, se eu oferecer um álbum dos 10 pãezinhos pra uma amiga minha ler ela vai compreender a história toda e pode ter uma visão diferente do que são os Quadrinhos, além dos super-heróis, mangás, infantis ou tirinhas de humor, que são os tipos de Quadrinhos mais conhecidos. Pra alguém interessado em história, por exemplo, eu ofereço Maus, Gen Pés Descalços, entre outros. Histórias fechadas do Sandman são sempre uma boa pedida também, assim como determinadas coisas do Alan Moore, como, por exemplo, V de Vingança. Balas Perdidas é um Quadrinho que adoro e costumo sempre indicar pras pessoas lerem, assim como Estranhos no Paraíso. Num pique mais light eu indicaria Bone, um Quadrinho que adoro, mas ele tem a desvantagem de não ter sido lançado até o final ainda aqui no Brasil. De uma forma geral a maior parte dos álbuns da Conrad, da Via Lettera e outras editoras que lançam material para as livrarias são ótimas indicações de leitura. Se for indicar algo que está nas bancas colocaria algumas coisas da Pixel, pois apesar de serem seriadas, em sua maioria estão no começo e o novo leitor não teria tantos problemas pra acompanhar. No caso do Quadrinho Nacional a lista seria bem grande, e procuro indicar aos amigos de acordo com as preferências que cada um tem (humor, aventura, romance, histórias non-sense, etc). Os materiais presentes nos lançamentos e eventos do Quarto Mundo me trazem esse leque de opções variadas, pois lá você encontra todo tipo de história, de super-heróis, ao drama, romance, infantil, ficção científica, passando pelo terror, humor, etc. E como está sendo a distribuição da Nanquim Descartável? Onde o interessado pode encontrar a publicação? Por enquanto estou vendendo em eventos e fazendo a venda direta, seja pessoalmente nos meus endereços ou via correio (o e-mail para pedidos é: hqemfoco@hqemfoco.com.br ). Como estamos passando por uma época cheia de eventos ainda não consegui me organizar para distribuí-la corretamente. Um ponto de venda onde ela pode ser encontra é na livraria HQMIX, local onde foi lançada e onde estão acontecendo vários lançamentos de HQs nacionais. Agora começo uma segunda fase, distribuindo em algumas bancas da cidade, seja num esforço pessoal ou através de pequenos distribuidores que fazem esse trabalho, além da distribuição em lojas de Quadrinhos. Outra forma que inicio nesse mês é a distribuição através de trocas com outros autores do Coletivo de Quadrinhos Quarto Mundo. Esse sistema de trocas consiste na troca de revistas entre autores do coletivo, com o intuito de espalhar melhor cada título pelo Brasil, considerando que temos autores de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, etc. Infelizmente ainda não é a melhor distribuição possível e muito tem que ser feito nesse sentido para os Quadrinhos independentes evoluírem, mas sinto que nos últimos tempos novas portas estão se abrindo, de forma que os Quadrinhos não dependam apenas da banda de jornal, que talvez seja um cemitério para os independentes. Beleza, Daniel. Obrigado pela entrevista. Valeu, Eloyr. Qualquer coisa estou aqui, mas agora tenho que sair correndo, estou atrasado. O Bigorna.net agradece a Daniel Esteves pela entrevista concedida por e-mail e finalizada em 29/11/2007 |
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