
Os fiéis leitores de Heróis em Ação* sabem que esta publicação sequer existiria se não fosse pelo Fã Zine #18 – Heróis Nacionais editado pelo sr. José Eduardo Cimó em meados da década passada. Fui conhecer esta pequena enciclopédia dos personagens brasileiros das agaquês tardiamente, e que me fez mudar a linha editorial deste fanzine. Desde então, venho pesquisando alguns dos gibis & personagens que constam no Heróis Nacionais – não só aqueles que me despertaram a memória afetiva, mas também outros de quem eu jamais ouvira falar. E confesso a vocês que, dentre tais tipos, alguns eu pensava que jamais fosse conhecer, como por exemplo aquele que consta da página 103 do Fã Zine #18: João Tymbira, de Francisco Acquarone. Mas não é que de vez em quando a vida nos reserva boas surpresas? Meu confrade Fig gentilmente me mandou um fac-símile de ótima qualidade do exemplar único de João Tymbira, e me deu a chance de conhecer este notável personagem brasileiro dos Quadrinhos. Sorte minha, já posso morrer um pouco menos triste. Diante da atual aridez nas bancas, e essa mania de se lançar edições luxuosas caríssimas aqui no Brasil, ler uma HQ como esta é um alívio refrescante que por momentos me fez esquecer a decadência de nossa sociedade.
João Tymbira Em Redor do Brasil foi lançado no ano de 1938, uma Edição Extraordinária do Correio Universal, pelo preço de três mil réis (três mil e quinhentos pelos correios). Tem 96 páginas (editada no formato “deitado”, com duas tiras por página) e é dividida em três partes. Na primeira parte, Em Busca do Roteiro Mysterioso, o herói é apresentado sem delongas: “João Tymbira, forte e elegante, é carioca da gemma. Pratica todos os sports, até o foot-ball”. E, como é fácil perceber, ele vai mesmo precisar de todas as suas habilidades e sua tremenda forma física para enfrentar todos os perigos desta aventura. Tymbira recebe uma carta de seu tio Gurgel, morador em Ouro Preto/MG, pedindo a presença do sobrinho pois seu avô falecera e deixara uma herança – que ninguém sabia muito bem o que era, pois o falecido havia deixado somente um misterioso mapa, que supunha-se levar a um “verdadeiro thezouro”. Do Rio de Janeiro a Ouro Preto é somente a primeiríssima etapa da longa viagem do herói Em Redor do Brasil. Mal chega e percebe que seu tio havia sido roubado por um vilão inescrupuloso, que tem o sugestivo nome de Cascavel. Com a ajuda de Gorgulho, um índio que conhecia desde a infância, partem em busca do facínora por vastas regiões do território brasileiro. Ainda nesta primeira parte, João e Gorgulho percorrem o interior de Minas Gerais e da Bahia, sempre costeando o Rio São Francisco. Salvam a bonita Rosinha de um grupo de cangaceiros sanguinários (comandados por um sujeito chamado Lampeão – com “e”, mesmo), trocam socos com bandidos e muito mais.
As reviravoltas são incessantes, por vezes os heróis é que ficam a mercê dos bandidos, por vezes acontece o contrário – o danado do Cascavel parece ser mesmo esguio, pois sempre consegue escapar. Esta primeira parte termina quando alcançam as cachoeiras de Paulo Afonso, de onde se inicia a segunda parte chamada Em Perigo nos Ares e no Mar. Da Bahia até Pernambuco, nosso herói faz jus a sua boa forma física: chega até a ficar pendurado numa corda amarrada a um hidroavião, tentando resgatar Gorgulho e Rosinha que haviam sido pegos pelos bandidos. A aventura prossegue incessante pelo rio Jaguaribe, entre perseguições de barcos e jangadas, prontos para a terceira parte, a mais emocionante da aventura: Entre os Selvagens da Amazônia, onde Tymbira e amigos prosseguem na caça aos meliantes pelas florestas das regiões norte e centro-oeste. Claro que numa aventura destas não poderiam faltar índios, alguns amigáveis, outros nem tanto. Finalmente o pérfido Cascavel é preso e nossos heróis podem retornar para casa.

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João Tymbira dando uma de Tarzan |
João Tymbira Em Redor do Brasil é assim mesmo, aventura incessante. Entrando no campo especulativo, arrisco a dizer que o autor se inspirou nos heróis dos Quadrinhos que eram famosos na época – o visual de João é parecido com os mais famosos, como Brick Bradford, Flash Gordon, Red Barry, entre outros. Mesmo assim, nossos heróis encontram tempo para apreciar as belas paisagens das diferentes regiões brasileiras. É isso, a propósito, o grande diferencial desta monumental obra de Acquarone: verdadeiras aulas de História, Geografia, Botânica, Antropologia, enfim, um riquíssimo painel da vida do extenso território brasileiro. Alguns mais afoitos poderiam dizer “
mas eram os tempos do Estado Novo, onde havia uma certa imposição aos artistas para engrandecer o país e dar consistência ao governo ditatorial de Vargas”. Devagar com o andor, minha gente! Uma frase assim, típica do atual esquerdismo ululante, só deprecia a obra de Acquarone. Lembremo-nos que em 1938 o Estado Novo ainda se organizava, de modo que todos os malefícios que ele trouxe à sociedade brasileira (especialmente com os abusos do DIP) ainda não se mostravam muito claramente. Tanto é assim que encontramos crítica social em
João Tymbira. Eu particularmente preferiria mil vezes que
Em Redor Do Brasil fosse distribuído e estudado em todas as escolas do ensino fundamental e médio em nosso país, no lugar da torpe doutrinação marxista dos dias de hoje. Mas quem iria dar importância para um reacionário paranóico como eu, não é mesmo?
* Um dos fanzines editados por José Salles