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Por Roberto Guedes 05/11/2007 Despreocupado, o menino descia a ladeira, sem nenhum tipo de pensamento na cabeça que fosse mais sério ou importante que o fugaz desejo de ser plenamente feliz. Enquanto saltava os degraus desproporcionais da calçada, avistou, ao longe, na esquina, algo como a miragem do prazer definitivo: a banca de jornal. Apressou o passo, ou melhor, partiu em disparada, como se antecipasse alguma coisa de ruim. Chegou ofegante, ao reduto sagrado, templo maior dos colecionadores de Hstórias em Quadrinhos, no exato instante em que o jornaleiro estava a fechar seu diminuto e enferrujado estabelecimento comercial. O garoto não se fez de rogado e bradou: “Opa, moço, não fecha, ainda! Vim pegar meu gibi do Capitão Ájax!”. O jornaleiro, um velhinho simpático que todos conheciam no bairro há anos, olhou por cima de seus óculos, e com um sorriso tristonho nos lábios, respondeu ao guri: “Ah, sim, àquela revistinha que você compra todo mês, não é? Ela está bem aqui, tome.” – o menino, eufórico, pegou o exemplar e começou a folheá-lo avidamente. Com toda a certeza, não há cientista ou psiquiatra no mundo que possa descrever ou sequer compreender o que se passa na cabeça de um garoto naquele átimo de segundo entre o folhear de uma página para outra, mas o velhinho parecia compreender, ao menos, o que se dava no pequeno e pulsante coraçãozinho do menino – talvez, devido, aos longos e cansativos anos de vida que lhe deram tantas experiências e uma sapiência inigualável –, e comentou: “Será que o Capitão Ájax vai se dar bem desta vez?”. Mal o dia raiou, lá veio o garotinho descendo a ladeira e com o seu exemplar do Capitão Ájax na mão. Mais uma vez, saltava por sobre os buracos e degraus da calçada com uma agilidade e destreza dignas dos maiores super-heróis. Mas o que chamava a atenção de todos na rua eram os gritos de alegria do pirralho: “Ele se deu bem! Ele ficou com a mocinha no final!” – porém, à medida que se aproximava de seu destino, notou um movimento estranho na esquina em que deveria estar a banca. Ao chegar perto, viu que a mesma não se encontrava mais ali, e que em seu lugar estavam trabalhadores da prefeitura destruindo a calçada com suas britadeiras. Na parede do bar da esquina, uma placa com os dizeres: Em breve: passarela – Mais uma obra da prefeitura para o conforto de sua população. Durante o mês que se seguiu, o desesperado menino procurou seu amigo jornaleiro por todas as esquinas do bairro, até que, finalmente, ficou sabendo por um vizinho, que o jornaleiro falecera. Enfim, as lágrimas chegaram, e com uma maturidade pouco comum a alguém da sua idade, o garoto compreendeu que a felicidade não pode ser comprada tampouco ser transferida para objetos, pessoas ou lugares – pois uma hora tudo isso poderá ser tomado de você. Exceto os sonhos... |
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