O quadrinhista Sérgio Macedo, que recebeu neste ano o Troféu HQ Mix de Grande Mestre, tornou-se um nome conhecido na Europa, onde publicou vários álbuns, inclusive Xingu!, que acaba de ser lançado no Brasil pela Devir Livraria. No bate-papo a seguir, o artista falou sobre sua carreira, artistas que influenciaram seu traço, rotina de trabalho e muito mais.
Como surgiu o seu gosto pelas Histórias em Quadrinhos? Fale um pouco sobre o início de sua carreira antes de ir para a Europa.
Foi nos primeiros anos de infância. A HQ me ajudou muito a aprender a ler. Lembro-me de, com 4 anos e meio, ter copiado uma página do Último dos Moicanos em Quadrinhos (Edições Maravilhosas, da Ebal, creio), com balões, letreiros e tudo, embora não soubesse ainda ler. Segue-se a biografia que enviei à editora Devir, que responde à segunda parte da pergunta:
Dados biográficos: Nasceu no dia 8 de abril de 1951, em Além Paraíba, Minas Gerais. Autodidata, começou a desenhar antes dos 3 anos, usando gravetos para traçar figuras no chão. Em 1954, foi morar em Juiz de Fora. Com quatro anos e meio, copiou uma página do clássico O Último dos Moicanos, edição em quadrinhos da Ebal. Desde cedo, a HQ torna-se sua linguagem e, na escola, ele enche seus cadernos com desenhos, caricaturas e Quadrinhos. Com 6 anos de idade, começou a pintar a óleo. Em 1969, ganhou o 1° premio de desenho do salão de arte da Reitoria da Universidade de Juiz de Fora. No mesmo ano, começou a trabalhar como desenhista numa agência de publicidade e a fazer ilustrações para jornais, enquanto fazia também pinturas e gravuras e exposições. No começo dos anos 70, já morando em São Paulo, publica ilustrações na revista Planeta da Editora Três, nos jornais Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e ilustrações de publicidade, inclusive a capa do Anuário de Publicidade de 1972. Por volta de 1972-73, torna-se o primeiro autor brasileiro a publicar HQ na revista Grilo que, até então, só publicava artistas estrangeiros. Em 1973, essa HQ, O Karma de Gargoot, é publicado pelo editor Massao Ohno, tornando-se o primeiro livro de HQ brasileiro existente até então. Em 1972, Sérgio funda com um grupo de amigos o jornal underground Soma, cuja venda, nas ruas, nessa época de ditadura militar, é uma verdadeira aventura. Em 1974, parte para a Europa, em busca de aventura, de novos horizontes culturais e de novas possibilidades para os Quadrinhos. Publica capa e ilustrações na revista holandesa Bres e acaba se estabelecendo na França. Publica capas de livros, principalmente de ficção científica, capas e ilustrações para revistas (Galaxie, Horizons du Fantastique, Galaxie-Bis e outras) pôsters, capas de discos e CDs, e HQs nas revistas Actuel, Circus, Métal Hurlant, Rock & Folk, Neutron, Horizon du Fantastique, SexBulles, Ah! Nana, BD Adultes, Pilote, etc. Publica vários álbuns de HQ na França e seus Quadrinhos são também editados pela revista Heavy Metal, que lança também dois álbuns seus de HQ de ficção científica, Psychorock e Telechamp. Suas HQ são publicadas em revistas de vários países europeus (entre elas a Totem, na Espanha). Em 1982, se estabelece na Polinésia Francesa. Lá, se encanta com a beleza e a paz das ilhas, e redescobre a felicidade de viver em harmonia com a natureza, com o sol, o mar, o ar puro e os elementos naturais, se acostuma a viver o ano inteiro de short e descalço. O surf torna-se seu esporte predileto. Depois de Bora Bora, vai morar numa ilha a 17 km de Tahiti, Moorea, onde rolam algumas das melhores ondas de surf do planeta. Continua produzindo e publicando, inclusive no Tahiti, ilustrações, capas (livros, revistas e CDs) e HQs. Na Europa, seus álbuns têm traduções em 8 países diferentes e, nos EUA, seu livro Lakota : An Illustrated History, foi premiado com o Benjamin Franklin Award como a melhor obra multicultural de 1997, escolhido entre 1.100 livros. Em 2007, recebe no Brasil o troféu HQ Mix, categoria Grande Mestre.
Livros publicados:
O Karma de Gargoot (Editor Massao Ohno)
Fume C'est Du Macedo (Kesselring Éditeur)
Psychorock (Humanoïdes Associés)
Telechamp (Humanoïdes Associés)
Caraïbe (Éditions Glénat)
Voyage Intemporel (Éditions Glénat)
Eldorado I - Le Trésor de Paititi (Éditions Glénat)
Eldorado II - A La Recherche D'Agharta (Éditions Glénat)
Les Aventures de Mike The Bike & Molly (Éditions Neptune)
Pacifique Sud I - Le Monde Tabou (Éditions Aedena)
Pacifique Sud II - Le Mystère des Atolls (Éditions Aedena)
Brasil! (Vaisseau D'argent Éditeur)
Honu Iti E (CTRDP)
Te Tere O Te Tupuna (CTRDP)
La Légende de Tuivao (Éditions des Mers Australes)
Lakota: An Illustrated History (Treasure Chest Publisher)
Livros inéditos, ainda não terminados:
Povos Indígenas em HQ (histórias documentário-histórico-etnológicas sobre tribos brasileiras, no qual trabalha há anos). Previsto: 100 páginas. Prontas: 63
Apache. Previsto: 180 páginas. Prontas: 91
Apache Soul. Previsto: 56 páginas. Prontas: 11
El Quetzal. Previsto: 46 páginas. Prontas: 24
Mémoire Ma'ohi. Previsto: 180 páginas. Prontas: 22
Quais os desenhistas que mais influenciaram o seu traço?
Quando criança, os desenhistas de HQ em geral, brasileiros e estrangeiros, e também os ilustradores realistas. No cenário nacional, gostava muito do traço do Inácio Justo e do Jayme Cortez. Mais tarde, nos anos 60-70, fui influenciado pela tendência HQ underground norte-americana, pela HQ de vanguarda francesa (Philipe Druillet, Caza, etc),e pela técnica dos americanos Richard Corben, Wallace Woody e outros. Mas sempre gostei dos pintores e ilustradores realistas americanos, como Norman Rockwell, N.C. Wyeth, Winslow Homer, etc. A partir dos anos 80, minha influência é a natureza, a vida tal qual a vejo, e penso que é isso que dá a força ao meu trabalho.
Dos álbuns que foram publicados na Europa, qual o seu preferido (tanto no texto quanto na arte)?
Penso que o melhor foi Lakota, publicado nos Estados Unidos, onde recebeu o Benjamin Franklin Honor Award, como a melhor obra multicultural de 1997, escolhido entre 1.100 livros.
Foi difícil se adaptar à vida fora do Brasil?
Eu me virei bem, pois gosto muito de descobrir culturas diferentes e novas maneiras de viver. Mas, na Europa, nunca gostei do frio (o que gosto é viver de short e descalço) e nem da visão cinzenta e triste (atualmente ela tende ao niilismo) que a maioria dos europeus têm da vida.
Após a publicação de Xingu! no Brasil, existe a possibilidade de outras obras suas serem lançadas por aqui?
Sim, é claro. Tenho muitos projetos.
Quanto tempo o álbum Xingu! demorou para ser finalizado? Fale um pouco sobre a sua rotina de trabalho na Europa e no Tahiti. Você trabalha sempre no mesmo ritmo?
Mais de 10 meses. Em geral, meu ritmo de vida é: De manhã, esporte. Surf, corrida a pé e natação. Trabalho na parte da tarde e à noite, com intervalo para praticar ginástica. Isso é muito necessário, de 2 a 5 horas de esporte por dia, pois a atividade de desenhar é muito sedentária. Às vezes trabalho de 6 a 16 horas por dia, e até mais.
Você está no Brasil apenas de passagem ou pretende ficar algum tempo no país?
Vou para a Bahia, onde o sol, o mar e as ondas vão me regenerar, depois deste período nos centros urbanos da região sudeste, e penso que, então, saberei se fico por aqui ou volto para Moorea.
Qual a sua opinião sobre o mercado de Quadrinhos no Brasil?
Em relação à época em que vivia aqui, quando o mercado para Quadrinhos de vanguarda era inexistente, atualmente ele é mais do que promissor, com muitas editoras especializadas e que fazem publicações de qualidade.
Para encerrar, deixe um recado para aqueles que pretendem se tornar autores de Histórias em Quadrinhos.
Vi que, aqui no Brasil, há muitos desenhistas cheios de talento, e vi jovens que desenham realmente muito bem. Mas percebi que muitos copiam o estilo americano super-heróis, ou o estilo mangá. Porquê não criar algo que saia dessa linha, que seja uma expressão mais autêntica da alma brasileira? Já está na hora do brasileiro perder esse complexo de inferioridade em relação ao gringo, ao estrangeiro em geral. É só viver nos países deles e vocês verão que, embora sejam mais evoluídos tecnologicamente, não são mais felizes nem melhores do que outros. Muito pelo contrário. Eu gostaria de fazer uma sugestão. Vejo que a HQ brasileira está enveredando de maneira pronunciada numa dimensão de baixo-astral muito pesado. Os desenhistas se comprazem em criar historias de violência, crime, tragédia, horror. Olha, pessoal, isso é muito fácil. Desenhar monstruosidades, a feiura, “denunciar” coisas horríveis é muito fácil. O mundo está cheio de problemas, o que precisamos fazer é encontrar soluções para melhorar a vida, para ser feliz. Ninguém veio a este mundo para ser infeliz. A vida neste planeta que perdeu a conexão com a Fonte-Centro-Original do universo não é fácil, mas este planeta é uma escola muito interessante. Se ligar na positividade, fazer em relação ao outro o que gostaríamos que nos fizessem (isso também se aplica na HQ), são princípios que têm resultados extremamente benéficos para a vida em geral. Está na hora de acordar desse condicionamento que as mídias brasileiras, especialmente a TV, executam na cabeça das pessoas. Vocês não se tocam que é do interesse das classes dominantes manter o povo nesse clima de medo e insegurança para melhor controlá-lo como cordeirinhos? Pessoal, acorde dessa lavagem cerebral que a TV faz na cabeça de vocês! Desenhistas e roteiristas, pensem em fazer HQ mais positiva. Lembro-me dum papo com o Jean-Giraud (Moebius), um dos melhores desenhistas do planeta. A gente comentava certas tendências da HQ, e ele disse: “Desenhar monstros é fácil demais. Desenhar a beleza de um anjo, isso sim, é outra coisa”. Até hoje, não tive paciência nem tempo de fazer um website (um site bem-feito leva tempo para se fazer), mas um brasileiro me entrevistou há uns 3 anos e colocou a entrevista na Internet, com uma série de desenhos meus... Mas a qualidade da reprodução da imagens na Internet é baixíssima, as côres mudaram muito e muitos meios-tons desapareceram. No dia 7 de junho, o Blog dos Quadrinhos publicou uma boa matéria sobre meu trabalho. A qualidade visual das imagens é melhor. Sei que existem muitos sites com matéria sobre mim, mas nunca tive paciência para ver. Não sou fã da Internet, prefiro o ar livre.
O Bigorna.net agradece a Sérgio Macedo pela entrevista, realizada por e-mail e finalizada em 20/10/2007