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As HQtrônicas e suas características
Por Edgar Franco
01/10/2007

Continuando as reflexões sobre Quadrinhos e novas tecnologias, é possível definir a chamada “hipermídia” como a conexão em rede agregada às diversas características de outras mídias - Histórias em Quadrinhos, Fotografia, Cinema, TV e Rádio - gerando assim o surgimento de linguagens multifacetadas que hibridizam características dessas várias mídias. Essa convergência de múltiplos meios e mídias proporcionada pela união de várias tecnologias comunicacionais foi chamada de “sinergia multimidiática” pelo saudoso artista Julio Plaza. Quando essa sinergia promove o surgimento de uma nova linguagem ela pode ser chamada de “linguagem intermídia”. Pude detectar através de uma extensa pesquisa exploratória em dezenas de CD-Roms e sites de Quadrinhos na web que os principais elementos agregados à linguagem tradicional dos Quadrinhos nessas novas HQs intermídia podem ser divididos basicamente em: animação, diagramação dinâmica, trilha sonora, efeitos de som, tela infinita, tridimensionalidade, narrativa multilinear e interatividade.

Para batizar essa nova linguagem intermídia das HQs na Internet proponho o neologismo “HQtrônicas” – formado pela contração da abreviação "HQ" (Histórias em Quadrinhos), usada comumente para referir-se aos Quadrinhos no Brasil, com o termo “eletrônicas” referindo-se ao novo suporte. Devo salientar que a definição do que nomeei HQtrônicas inclui efetivamente todos os trabalhos que unem um (ou mais) dos códigos da linguagem tradicional das HQs no suporte papel, com uma (ou mais) das novas possibilidades abertas pela hipermídia, sendo elas: animação, diagramação dinâmica, trilha sonora, efeitos sonoros, tela infinita, narrativa multilinear e interatividade. A definição exclui, portanto, HQs que são simplesmente digitalizadas e transportadas para a tela do computador, sem usar nenhum dos recursos hipermídia destacados. Segue um breve resumo desses recursos e da forma como são incorporados pelos webquadrinhistas (para maiores detalhes consultar o meu livro: HQtrônicas: Do Suporte Papel à Rede InternetAnnablume Editora):

Tela da HQtrônica Neomaso Prometeu - Edgar Franco

Animação - Tanto as animações em 2D, mais comuns, quanto as 3D, podem ser encontradas nos sites de HQtrônicas que vasculhamos em nossa pesquisa exploratória, mas a forma como estas animações estão dispostas na narrativa pode ser basicamente dividida em quatro manifestações: animação de um dos Quadrinhos da página/cena, objeto animado que sobrepõem-se à página/cena, seqüência animada paralela à narrativa principal e ainda animação do enquadramento. Experimentei algumas dessas possibilidades em minha HQtrônica Neomaso Prometeu.

Diagramação Dinâmica - Agora a tradicional divisão da página em requadros estáticos que comportam as cenas em seu interior ganhou mobilidade, ao invés de simplesmente acionarmos um comando para saltar para a página seguinte o criador de HQtrônicas pode fazer com que alguns Quadrinhos da página movam-se para fora dela, ou para outra posição na seqüência ou ainda que dêem lugar a outros Quadrinhos. 

Trilha Sonora - Uma das principais características das HQs no suporte papel é a possibilidade do leitor imprimir o seu próprio ritmo de leitura, nesse caso podemos dizer que o tempo de leitura é um código variável nos Quadrinhos impressos. As primeiras HQs eletrônicas a incorporarem som e trilha sonora foram aquelas veiculadas em CD-ROM ainda em meados dos anos 1990. A primeira novidade nesse campo foi a idéia de dividir as HQtrônicas em capítulos e criar para cada um deles um tema musical instrumental que retratasse a atmosfera geral do capítulo, esse tema é tocado em loop. É claro que o efeito causado pela música não é tão dinâmico quanto no Cinema, mas é um dado novo que pode ajudar o artista na elaboração geral da atmosfera de uma seqüência.

Tela do CD-ROM The Tales of Captain Claybeard – grupo Orbit Media

Efeitos Sonoros – Como no caso da trilha sonora, muitos artistas que têm experimentado criar HQs com recursos de hipermídia se recusam a utilizar efeitos sonoros, eles preferem usar as onomatopéias e insistem no seu valor como elemento da linguagem dos Quadrinhos. A ocorrência desses efeitos sonoros na narrativa dependerá também do ritmo de leitura de quem navega pelo trabalho, desse modo, a opção mais usual é criar um comando ligado ao Quadrinho que quando clicado aciona o efeito sonoro, recurso semelhante ao usado para acionar as animações, mas algumas vezes o efeito sonoro pode também aparecer em loop, como no caso do barulho do vento e do mar em algumas páginas do CD-ROM The Tales of Captain Claybeard, do grupo Orbit Media

Tela Infinita - Com o advento de um novo suporte, ou seja, a migração do papel para o ambiente digital da tela do computador, as Histórias em Quadrinhos podem ver-se libertas das amarras do formato de diagramação tradicional, imposto pela veiculação impressa. Agora estamos diante de um novo ambiente com infinitas possibilidades de diagramação, a esse ambiente o quadrinhista e estudioso Scott McCloud nomeia como The Infinite Canvas. A “Tela Infinita” rompe com uma das limitações impostas pelo suporte impresso e inaugura um novo leque de possibilidades de diagramação e narração que certamente ainda não foram exploradas nem em uma pequena parte de seu enorme potencial, aos poucos os webquadrinhistas vão tomando consciência desse potencial e experimentando novas diagramações, rompendo com o paradigma anterior.

Narrativa Multilinear - Os hipertextos são estruturas narrativas multilineares que diferem da narrativa tradicional linear. As Histórias em Quadrinhos eletrônicas vêm, ao longo dos últimos anos, aproveitando-se de alguns dos recursos dessa multilinearidade, apresentando narrativas com bifurcações ao longo dos caminhos e links paralelos que levam o leitor a sites de assuntos correlatos aos tratados no roteiro da história. Dentre muitos trabalhos que têm feito uso da multilinearidade narrativa destacamos a HQtrônica Linda de Morrer veiculada no site brasileiro Cybercomix (infelizmente off-line atualmente) e também o já citado CD-ROM The Tales of Captain Claybeard.

Tela da HQtrônica interativa Impulse Freak

Interatividade - Baseados nas pesquisas de formas de recepção apontadas por Norbert Wiener podemos definir a diferença entre meio passivo, reativo e interativo. As HQs eletrônicas veiculadas em CD-ROM ou na Internet, podem então ser divididas em vários níveis de interatividade, esses níveis podem ir desde o mais básico (passivo), onde o receptor tem como única opção os comandos avançar e retornar, repetindo o padrão do suporte papel, passando pelo nível intermediário (reativo) que envolve sites e CD-ROMs onde o receptor pode optar entre caminhos diversos já pré-estabelecidos, ou ainda pode acionar animações, efeitos sonoros e  links que o levam a caminhos paralelos à narrativa; chegando finalmente ao nível mais avançado de interatividade, que seria classificado como “interatividade não trivial” – como na pioneira HQtrônica Impulse Freak - onde o leitor não é só convidado a navegar pela história que apresenta múltiplos caminhos, como também tem a possibilidade de contribuir com a narrativa criando uma das páginas e participando efetivamente como co-criador de uma obra coletiva.

Na próxima edição dessa coluna destacarei vários sites e CD-ROMs pioneiros das HQtrônicas brasileiras.

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