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Por Gonçalo Junior 18/09/2007
Nunca se comentou a respeito dessa história em reportagens e artigos sobre Quadrinhos ou política. Pelo menos que se tem conhecimento na bibliografia disponível. Não há também informação sobre de que forma a editora responsável pela publicação foi contatada para reproduzi-la. Não por acaso, é preciso lembrar, X-9 trazia somente contos policiais, com exceção das duas capas internas que, durante algum tempo, publicou Quadrinhos policiais, em especial na década de 1950. Esse detalhe reforça a idéia de que a RGE se empenhou em divulgar o material, a ponto de romper com o formato editorial da revista. Uma volta ao conturbado Brasil de 1963 permite uma melhor compreensão do propósito de se usar os Quadrinhos para campanha contra o comunismo. Desde o ano anterior, articulava-se principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, uma mobilização para impedir um suposto - e jamais provado - golpe da esquerda, que pretendia instalar no país um regime ditatorial socialista orientado por Moscou. Essa seria a justificativa para um golpe militar efetivado no começo de abril do ano seguinte. A combinação entre Quadrinhos e política, estampada em X-9, não era novidade no Brasil, embora o tempo mostrasse que seria algo pouco explorado na história dos gibis e do humor gráfico - ao contrário da caricatura, da charge e do cartum, que acumularam uma longa tradição, a partir dos primórdios da imprensa nacional, oficialmente surgida em 1808. Desde os primeiros anos da revista infantil O Tico-tico (1905), por exemplo, seus editores e artistas se empenharam em promover campanhas patrióticas junto às crianças, com o propósito de despertar o espírito de um Brasil como nação. Algumas delas deu-se com o uso de Quadrinhos. Entre 1937 e 1942, o editor Adolfo Aizen (1907-1991). proprietário do Grande Consórcio de Suplementos, produziu edições especiais de O Lobinho e Mirim explicitamente engajadas na política ufanista da ditadura do Estado Novo, com a promoção de datas cívicas e vultos importantes da história política brasileira. Em 1941, Aizen foi além e publicou uma biografia em Quadrinhos de Getúlio Vargas, que lhe rendeu uma carta de agradecimento assinada pelo próprio ditador.
Os formatos de tira (com dois, três ou quatro quadrinhos) e de Histórias em Quadrinhos de página inteira - ou até mais de uma - eram constantes no jornal desde os primeiros tempos. Tanto ou mais que a caricatura e o cartum, o Quadrinho com balão deu o tom não somente em tudo que artistas como Ziraldo e Henfil, entre outros, realizaram. Henfil, aliás, costuma ser chamado muito mais de cartunista ou chargista, quando, na realidade, sempre foi um autêntico e devotado quadrinhista, cujas influências jamais abandonou até mesmo no humor diário do cartum. Teria sido ele um quadrinhista-cartunista? Arrisco a dizer que Henfil amava os Quadrinhos mais do que qualquer outra forma de humor. Tanto que chegou a se mudar para os Estados Unidos com o propósito de ver suas tiras distribuídas em todo o mundo por uma grande agência americana, numa incrível aventura que ainda precisa ser devidamente contada. Em O Pasquim, ele se apropriou, juntamente com Ziraldo, da linguagem seqüenciada dos comics para fazer piada contra o regime e denunciar as mazelas do país. Também o fez com a finalidade de apontar peculiaridades do comportamento do brasileiro urbano (futebol) e rural (Zeferino, Graúna e cia).
Boa parte do seu material é formada por histórias em Quadrinhos de uma página. Ao ler essa seleção, o leitor sente certa familiaridade e do quanto o humor de Reinaldo, principalmente em política, está presente nos quadros do programa de TV. Assim como Henfil, esse talentoso cartunista de traço rústico e influenciado por Jaguar precisava quase sempre de quatro a seis Quadrinhos para desenvolver uma história de começo, meio e fim, como nas séries O advogado do diabo, Moacir, a mulher barbada e Jorge, o paranormal normal. No volume dois da antologia do Pasquim, que cobre os anos de 1972 e 1973, o que não faltam são Quadrinhos políticos, no momento mais crítico de repressão da ditadura militar. Tem Nani, Henfil, Ziraldo, Carlos Estevão, Jaguar, Vilmar, Redi e Caulos e até uma história de cinco páginas (e 94 Quadrinhos) escrita e desenhada por Millôr Fernandes. Todos eles aparecem no melhor momento de sua produção, com um humor político reflexivo, inteligente e, principalmente, influente, pois, não raro, era comentado por todos e levava a censura a apreensões e cortes.
Tanto Angeli e Laerte quanto os irmãos Caruso tiveram uma origem em comum e uma trajetória semelhante. Formaram-se da leitura de O Pasquim e dos Quadrinhos de O Grilo - embora eles nunca enfatizem essa segunda influência. Não por acaso, criaram em 1972 a revista alternativa Balão. Depois, foram trabalhar na imprensa alternativa e, em seguida, na "grande" imprensa. Nos jornais, produziram tiras antológicas e preencheram os espaços de charges e caricaturas com seus desenhos. Mas não tiveram expressivos seguidores nas décadas seguintes. Uma pena. A Turma do Pasquim tinha uma compreensão natural desse conceito de Quadrinhos e ideologia - o mesmo do cartum, da charge e da caricatura. Destacadamente no caso de Henfil, para quem criar humor era fazer guerra, militância política. Não deixa de ser curioso, nesse sentido, uma incoerência: sua obra continua a ser cada vez mais reverenciada, mas não consegue influenciar novas gerações. Parte da explicação para isso está na generalização do tratamento dado à sua obra, quando se costuma restringir a um momento específico de humor que foi feito para combater a ditadura. Muito desse espírito pasquiniano sobrevive, felizmente, no engajamento solitário de Allan Sieber. Seus livros, como Preto no Branco (Conrad) e Mais preto no branco (Desiderata) fazem dele uma mosca na sopa no comportamento classe média urbana da primeira década do novo século. Seu estilo (per)segue a escatologia e o bizarro do humano, fisgados das situações mais corriqueiras em que a maioria dos leitores sente bem próximos. Avacalhador nato, ele tem uma habilidade única para fazer humor com uma simplicidade e eficiência desconcertantes. Não se engane. Sieber faz principalmente política ao desnudar o comportamento mesquinho, individualista e medíocre de uma era em que todos nasceram para brilhar e antigos valores humanistas se tornaram babaquice de idealistas. |
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