Eu leio as notícias em jornais, em sites especializados e, até mesmo, em blogs e listas de discussões sobre o anúncio da nona edição de um dos melhores festivais desse tipo que existem no Brasil e tento esboçar um sorriso de orgulho, mas percebo, a contragosto, que tudo o que consigo é imprimir uma careta de melancolia por constatar uma verdade que precisa ser conhecida e debatida para, quem sabe, tentarmos evitar o pior: o Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco está morrendo silenciosamente.
Em primeiro lugar, para se perceber a importância do festival de Pernambuco, basta dizer que um dos maiores gênios da arte-seqüencial – termo, inclusive, que ajudou a difundir – de todos os tempos, o imortal Will Eisner, esteve presente em carne e osso no festival no ano de 2001. E é por isso que a palavra mais importante deste salão é justamente “internacional”. Não só pela mostra competitiva, mas, principalmente, pelo intercâmbio de artistas das mais diversas áreas, estilos e gêneros que eram convidados para o festival. Nada era proibido quando se falava em humor gráfico e arte-seqüencial. Ou melhor, tudo era permitido. Não havia certo ou errado, mas, simplesmente, a troca de conhecimentos, de óticas, de abordagens ou a apreciação pura e simples de tantas culturas diferentes e de suas mais variadas manifestações artísticas. E tudo isso só foi possível misturando gente tão diversificada em estilos e culturas quanto Jerry Robinson (criador do Coringa e do Robin), o já mencionado Will Eisner, Don Rosa (Tio Patinhas) - todos estes do EUA -, Megumu Ishiguro (Pokemom, do Japão) e Jano (da França), só para citar os mais famosos. Mas, de 1999 a 2005, além dos países acima citados, passaram por Pernambuco artistas de países como Portugal, Espanha, Argentina, Cuba e, até mesmo, Eslováquia. Talvez até fosse desnecessário dizer que, obviamente, os artistas nacionais tiveram participação importantíssima no festival, mas faço questão de frisar que Sonia Luyten, Gualberto Costa, Luke Ross, Klévisson Viana, Jô Oliveira, Marcelo Campos, Fernando Gonsales, Octavio Cariello, JJ Marreiro, Angeli, Laerte, Glauco, Adão Iturrusgarai, Sidney Gusman, Heitor Pitombo, Henrique Magalhães, Samuel Casal, Lourenço Mutarelli, e muitos, muitos outros, de quase todos os estados brasileiros, trouxeram seus talentos e experiência para compartilhar com o Festival aumentando consideravelmente o seu valor e sua importância. Mas uma mudança silenciosa está em curso...
O Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco ficou muito importante. E tudo o que alcança um grande valor passa a ser cobiçado. E a cobiça transforma aliados em adversários. Por isso, após 7 anos de muito trabalho, o Festival ganhou uma certa estabilidade em seu modelo. Planejamento, produção e execução estavam estruturados e podia-se dizer que ele até já fazia parte do calendário cultural da cidade. Mas, enquanto tudo parecia estar na mais completa tranqüilidade, nos bastidores, um outro jogo desenrolava-se de modo a mudar o nosso Festival de uma forma perigosa. Uma série de desgastantes brigas internas pelo “poder” fizeram com que o idealizador e curador de Festival durante os seus 7 primeiros anos saísse de cena e entregasse a organização do evento à associação na qual também ajudou a criar mas que, subitamente, parecia não mais concordar com a forma como ele conduzia a produção do evento. Então, já a partir de 2006, a realização do Festival passou a ser feita por essa associação. E não haveria nenhum problema se não fosse o fato de pequenas mudanças que começaram a se refletir de forma tímida e silenciosa, porém, na minha opinião, perigosas e para pior. Antes de informar quais são essas mudanças, vamos tratar do porquê das mesmas.
Parece-me que todos aqueles que se apossam ou assumem trabalhos, projetos ou idéias que não foram concebidas por eles, a primeira coisa que fazem é descaracterizar esse trabalho para que se esqueça quem o concebeu e para que se crie a falsa impressão de que o novo mantenedor desse trabalho foi quem o criou. Por isso, em 2006, dois, aparentemente insignificantes, detalhes foram implementados. O primeiro é que o nome do criador e organizador inicial foi totalmente suprimido de qualquer informação histórica a respeito do festival. Ficou parecendo que a existência do Festival devia-se a uma obra magnífica do espírito santo. A segunda e ainda mais importante foi que o nosso festival deixou de ser de Pernambuco. De FIHQ-PE passou a se chamar apenas de FIHQ. Perdeu-se nesse fechar e abrir de cortinas uma excelente oportunidade de divulgação explícita de nosso estado, de mostrar já a partir do seu nome, que o evento se passa aqui, em Pernambuco, e não na região sudeste, onde eles tendem a ser mais comuns.
Mas, fosse apenas isto, seria triste mas poderíamos fechar os olhos por estas escolhas infelizes. Porém, o pior ainda estava por vir. Este ano, enquanto o Festival Internacional de Quadrinhos de Minas Gerais se mostra antenado e atuante e traz para a sua (apenas) quarta edição nomes como Benoît Sokal, Pascal Rabaté, Carlos Sampayo, Domingo Mandrafina, Juan Sáenz Valiente, Eduardo Risso, Giancarlo Berardi, Melinda Gebbie e Ethan Van Sciver, o nosso Festival, que está em sua NONA edição, não conseguiu trazer um único nome internacional. E ainda há quem comemore a sua realização. A mim, esta escolha parece de uma ignomínia sem tamanho que equivaleria a aplaudir a mediocridade e vaiar a excelência. A maior propaganda em cima do novo festival, visto a ausência significativa de nomes estrangeiros, tem sido feita em cima dos nomes nacionais – que, ao menos isso, foram muito bem escolhidos – e no aumento significativo do prêmio em cada categoria da disputa para seis mil reais. Eu só espero que essa premiação não recaia sobre os principais membros da diretoria e conselheiros dessa associação, pois isso seria o golpe de misericórdia na credibilidade do Festival.
Eu espero sinceramente que as críticas aqui apresentadas não sejam ignoradas arrogantemente com os costumeiros mantras de que não há problemas quando, obviamente, eles existem. Espero que elas possam encontrar alguma parte humilde – se houver – dos novos organizadores para que não deixem o Festival se tornar uma coisa menor do que ele merece e, o que seria pior, que ele venha a morrer por desinteresse ou incompetência. Que eles possam se esforçar para no próximo ano, se ainda viermos a ter o prazer de ter um festival como esse, trazer nomes de fora. Não por que eles são mais importantes do que os nomes nacionais, mas pelo simples fato de que essa é a essência do “internacional” no nome do festival. E só assim poderemos voltar a ter uma arena onde poderemos conhecer e trocar experiências com esses artistas maravilhosos de culturas diferentes e com suas mais variadas manifestações artísticas.