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A capa de Watson Portela |
Uma das editoras independentes mais atuantes no mercado editorial brasileiro na segunda metade da década de 80 do século passado foi a
Press Editorial, marcando presença com publicações de ótima qualidade como
Andróide, Superficção, Ambrak, Wull o Conquistador, e entre tantas outras a revista
Radar, lançada no ano de 1986, e como era praxe nos gibis desta editora paulistana, em suas páginas desfilaram grandes quadrinhistas brasileiros.
Neste que parece ter sido o único número de
Radar – não há numeração (nº 1) na capa, nem no editorial, nem no expediente. E como não sei se houve um número 2, fico pensando se não seria assim mesmo, um número único de acordo com o projeto de autores & editores, já que outras histórias continuariam saindo normalmente nas revistas de linha, como a
Andróide e
Contato Imediato – infelizmente nenhuma delas durou muito tempo. De qualquer forma, o que mais impressiona em Radar é o evidente espírito de fanzineiro que se percebe por todas as páginas: há textos, curiosidades & novidades sobre HQs e um artigo sobre o badalado
Festival de Quadrinhos de Lucca na Itália. A alma dos editores fanzineiros está mesmo na transgressão gráfica: utilizando-se de uma HQ de
Watson Portela – na verdade duas histórias distintas porém interdependentes,
Vôo Livre 6 e
Vôo Livre 7, a primeira precedendo o editorial, e a última vindo após o expediente, como se fossem aspas, ou cortinas. E esta HQ (co-roteirizada por
Franco da Rosa, um dos editores da Press e atualmente um dos profissionais mais requisitados no mercado de Quadrinhos) começa feito misteriosa ficção-científica, terminando como uma tiração de sarro ao Mandrake de Lee Falk.
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A Noite do Desespero: arte de Mozart Couto |
Abram alas para uma das mais claustrofóbicas e assustadoras das HQs udigrudis já feitas:
A Noite do Desespero, escrita por Franco da Rosa e ilustrada cinematograficamente por
Mozart Couto, mostrando o pavor e o desespero de um sujeito sendo perseguido implacável & inexplicavelmente por sujeito misterioso. Através das ruas da cidade e nas estações de metrô, ele se vê obrigado a enfrentar o assustador e inesperado inimigo. Os autores conseguiram dar à narrativa o suspense típico dos seriados televisivos do estilo
Além da Imaginação.
Feliz Demais (t.c.c.
Nascer de Novo) é uma HQ escrita & ilustrada por
Spacca, dedicada a
Flávio Gikovate. Lembro-me que este senhor, renomado psicanalista, apresentava um interessante programa de televisão, onde ele entrevistava uma pessoa diferente por dia – algumas pessoas conhecidas, mas a grande maioria dos participantes era de pessoas comuns, que sempre tinham histórias muito interessantes a contar. Gikovate fazia as entrevistas como se fosse o capitão da Enterprise – o cenário o colocava sentado numa poltrona defronte a um imenso telão, de onde se via o rosto dos entrevistados. Psicanálise na TV. Gikovate não deve mesmo ser de todo mau, pois lançou vários livros e foi após a leitura de um deles que Spacca inspirou-se a fazer esta genial HQ, onde nascimento & morte simbolizam uma coisa só, um parêntese de vida.
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Aurora do Homem, de Bené Nascimento (Joe Bennett) |
Segue
Aurora do Homem, escrita & desenhada por
Bené Nascimento (t.c.c.
Joe Bennett). Vendo HQs como esta fica fácil perceber porque este papaxibé conseguiu encantar os gringos marvélicos: um mini-épico sci-fi primitivo que é antes de tudo uma história de emoções humanas, de amor, traição, desilusão e vingança.
Amor de Mãe de Jonas Schiaffino é uma divertida sátira aos tiras durões, e se
La Mer... do quadrinhista
Sep começa parecendo página dominical do Hagar, termina parecendo coisa do Luiz Gê. Também neste
Radar temos na contracapa uma HQ de
Marcio Baraldi, hoje o badalado autor do Roko Loko e outros divertidos personagens, marcando presença nesta revista
Radar com
O Dia em que as Mulheres Dominaram o Mundo, uma visão satírica sobre a inversão das posições sexuais/sociais. E outras duas HQs que merecem registro, cada uma de meia página cada: uma de
F. Bonini em defesa da criação artística e outra do ativo
Seabra (
Philia), mostrando linda mulher nua cavalgando um vistoso garanhão (o eqüino) em paragens bucólicas. Zôo-“Philia”, é claro, coisa que faz lembrar “crássicos” do Cinema da boca-do-lixo como
Duas Mulheres e um Pônei, de Juan Bazon.