Adquiri a publicação pernambucana Ragú # 6 sem maiores pretensões; porém, bastou me deparar com ela em mãos para minha ingenuidade inicial cair por terra! Visualmente, na questão física, a edição é perfeita. Não perde em nada para qualquer livro de grandes editoras especializadas em quadrinhos do país. Capa cartonada com orelhas, papel de bom acabamento mesclando uma espécie de sufite mais espesso com couchê, formato 20 x 25,5 cm, 100 páginas, preço acessível (R$ 20,00) e o melhor e mais importante: excelentes autores em suas páginas. A lista é extensa: João Lin, Mascaro, Flavão, Osvaldo Pavanelli, Lelis, Hendrik Dorgathen, Greg, Fábio Zimbres, Moa, Jarbas, Helder, Samuca, Guazzelli, Jaca, Daniel Caballero, Fernando Lopes, Carrilo e Samuel Casal. Nem todos colaboram com Quadrinhos, é verdade, como é o caso de Fernando Lopes, cujas ilustrações acrescentam um momento a mais de reflexão no álbum. Guazzelli também, ao invés de fazer HQs trabalha com cartuns, dois no total, ambos em páginas duplas. Uma característica que percebi no autor foi a capacidade de criticar sutilmente, dando boas sacadas de situações extremas; isso sem ter a necessidade de escrever uma palavra sequer.
E histórias “mudas” são em abundância no livro. Vários autores as utilizaram e todos souberam usar com maestria este tipo de narrativa, são eles: Hendrik Dorgathen, João Lin, Flavão, Mascaro e Jarbas. O alemão Hendrik, com seus traços estilizados, à primeira vista simples, trabalha as histórias com diálogos imagéticos ao invés de textuais, uma boa opção para um estrangeiro fazer HQs para outra nação sem a necessidade de uma tradução, que pode ser demorada e com perda de significado. O que não é o caso, as histórias dele, além de trabalharam esse aspecto de imagens como fala, extrapolam a linha natural de leitura do receptor obrigando-o a se adaptar a seu estilo de narração. Bastante singular e inteligente.
João Lin possui como idiossincrático a impressão (não sei precisar se ele realmente usou desse material, provavelmente sim) de usar giz, diferente do habitual nanquim, ou outro material mais comum de se ver. Os traços do autor são bem simples, mas de uma delicadeza e continuidade narrativa única. Em uma história ele parte para o abstrato puro. Já Flavão é mais tradicionalista, possui um traço característico muito bem feito e detalhista, suas histórias tratam de casos cotidianos, sendo uma delas baseada em um texto sânscrito. Mascaro, que também é um dos cabeças da publicação, autor da bela capa da edição e de várias histórias curtas, como outros também experimenta na quadrinização. Todas as histórias por ele feitas são boas, umas mais que outras, porém o destaque (pelo menos para mim) é a que ele fez em uma página, só com uma imagem central e vários quadros acima e de fundo mostrando a vida de um dos “meninos de rua gigantes”.
A história de Lelis é toda em aquarela e sobre um viajante que não gosta de cidades do interior – estando em uma – e que termina de forma inesperada. As cores, disposição dos quadros e enquadramentos só vêm firmar o potencial do autor. Tudo em seu devido lugar. Figurando no conteúdo do álbum há, além dos tradicionalistas nos traços, os que utilizam de recursos modernos para colorização e criação de maneira geral, como é o caso de Pavanelli, que abre as histórias coloridas. Jaca é mais um que trabalha diretamente com o PC, difícil (a meu ver) alguém criar histórias como a dele totalmente à mão sem os recursos de um computador. Jaca usa de tantos elementos nas páginas que chega a poluir a estrutura da história. Outro que passa a impressão de sujar as páginas é Fábio Zimbres, também autor de um texto no meio do livro a respeito de processo criativo, mercado, linguagem e arte. Daniel Caballero usa da mesma técnica empregada na Graffiti 76% Quadrihos #15: traços largos, cores fortes e enquadramento padrão de 12 quadros por página, a maior diferença fica pelo tema (além da história em si) que é mórbido e sério.
Mais destaques ficam por conta de Moa: sua forma narrativa me lembrou a de Antônio Amaral, na obra Hipocampo: 3ª Ocorrência (Opera Graphica), com textos desconexos e altamente subjetivos. Na composição das imagens ele lança mão de desenhos e fotografias. Para finalizar falta falar de Samuel, Helder, Carrilo e Samuca. O primeiro possui traços carregados, com fortes sombras que se assemelham a Mike Mignola, na sua trama há um quê de dark misturado com fantasia. Helder cria uma HQ baseada em textos de Jim Morrison e Charles Baudelaire. Carrilo tem traços simples e escreve uma das maiores histórias do álbum ao relatar a vida de uma menina que se torna arremessadora de facas. Samuca ilustra o roteiro de Ricardo Melo, um trabalho que soa como uma piada/tirada ilustrada.
Dentre os detalhes da publicação há o editorial assinado por Mascaro, algumas ilustrações feitas por ele e o mais legal: os e-mails dos artistas que participam do livro. É importante lembrar que depois da Ragú passar pela Devir e Opera Graphica, agora ela foi financiada por lei de incentivo municipal, incentivo esse que os quadrinhistas do país devem sempre estar atentos para poderem usufruir da possibilidade de lançarem material com dinheiro público. Ragú, juntamente com a Graffiti, hoje formam a nata das revistas autorais independentes do país. Nelas não há espaço para supers e tramas mirabolantes de morte e ressurreição (sem desmerecer o gênero). Mas sim temas do dia-a-dia, subjetivos e experimentais. Uma revista brasileira para o mundo, que se propõem fazer algo a mais que simples Quadrinhos; criar arte de vanguarda.
Para os interessados em adquirir a publicação, basta escrever para o próprio Mascaro no e-mail mascaro@dpnet.com.br. Merece ser lido.