NewsLetter:
 
Pesquisa:

Entrevista: Latuff (o cartunista mais perigoso do mundo!)
Por Marcio “BUUUUMMMM!” Baraldi
30/03/2007

LATUFF!!! O nome dele soa como um murro, uma porrada, um golpe! Pois é exatamente isso que o trabalho do chargista Carlos Latuff é: um murro na fuça dos hipócritas, dos covardes, dos acomodados! Rebelde pela própria natureza, o impávido colosso Latuff desde cedo demonstrou vocação para duas coisas:o desenho e a polêmica! Foi assim que alguns anos trás, já na profissão, o cartunista arrumou briga com a polícia do Rio de Janeiro ao forrar as avenidas cariocas com cartazes criados por ele com o slogan A Polícia Mata!”, para denunciar a corrupção e violência policiais.

Sensibilizou-se também pela questão da invasão da Palestina por Israel, que deu origem a um conflito que já dura 60 anos e é, de longe, uma das maiores vergonhas da dita “civilização” moderna. Verdadeiro vulcão de sangue na geologia política terrestre! Aliás, Latuff mergulhou tão fundo nas veias abertas do Oriente Médio que se tornou um dos cartunistas com a maior produção de charges sobre o assunto no mundo. Seu trabalho, nada imparcial e abertamente militante, como convém a todos que ainda têm coragem e noção de justiça, correu o mundo via Internet e chamou a atenção de gregos e troianos, ou melhor, palestinos e judeus. Dos primeiros recebeu o convite para conhecer pessoalmente a tragédia do povo palestino, o que aceitou sem pestanejar (e olha que pestana ele tem de sobra). Ao vislumbrar “in loco” toda a desgraceira sob a qual vivem os palestinos, Latuff reafirmou de vez seu voto de apoio incondicional àquela nação. Já dos segundos, o cartunista recebeu ameaças de morte pela web de grupelhos radicais que o consideraram “extremamente perigoso”, mas ao mesmo tempo elogiaram a qualidade de seu trabalho. Mas o que poucos imaginam é que por trás do rosto fechado e olhar de pouco amigos deste atarracado carioca, se esconde na verdade um grande galhofeiro, de certeiro e inabalável bom-humor, como convém a todo bom sagitariano. Com todo cuidado, de bandeira branca em punho, Bigorna.net invadiu a trincheira do cartunista mais perigoso do mundo para conhecer suas idéias explosivas. E abaixa que lá vem bomba!...

Vamos falar um pouco da sua infância. As pessoas querem saber se um cartunista tão revoltado como você teve uma infância normal (risos)? De onde veio a veia raivosa, véio?

Bem, se eu fosse mesmo “normal” teria me tornado dentista ou advogado (risos). O fato de ser um cartunista já é sinal inequívoco de que “normal” nunca foi a melhor palavra para me descrever. Tive meus momentos de brincar na rua, jogar pelada e bola de gude, mas gostava mesmo era de ver desenhos animados na TV preto e branco de meus pais, pintando revistas para colorir, desenhando, folheando Quadrinhos. Não acho que tenho uma “veia raivosa”. Indignação sim, mas não raiva. Raiva é coisa que dá e passa. A gente bate o pé, dá um chilique, arranca a cueca pela cabeça e tá tudo certo. Indignação é coisa que segue pela vida toda e suscita ações mais concretas, que no meu caso, se traduz na criação de arte engajada.

Você vem de uma família de militantes ou só você desenvolveu essas preocupações ideológicas?

Não há na família inteira, seja por parte de mãe ou pai, nenhum militante. Todos decidiram seguir vidinhas medíocres, sem questionar coisa alguma. Só trabalho, mulher, filhos, casa, carro, cachorro e só. Nenhuma preocupação político-social. Nada. Nascer, crescer, morrer e não fazer qualquer diferença nesse mundo.

Você iniciou sua carreira na publicidade, mas se estabeleceu na imprensa sindical. Você acha que a imprensa sindical foi fundamental para construir o verdadeiro Latuff? O que você acha da grande imprensa brasileira? Se imagina trabalhando nela algum dia?

A bem da verdade, minha entrada na imprensa sindical não foi ideológica, e sim resultado da falta de oportunidades na “grande imprensa”. Fui batendo de porta em porta com meu portifólio barato e fui vendo uma atrás da outra se fechar na minha cara. Até que minha única opção para mostrar meu trabalho era a imprensa sindical. Claro que a convivência com sindicalistas de esquerda inegavelmente me iniciou ideologicamente, mas até 1997 eu trabalhava apenas profissionalmente, sem envolvimento político. Mas daí conheci o Movimento Zapatista e das trevas se fez a luz! Foi então que surgiu o artista realmente engajado que você conhece. Até hoje continuo trabalhando para veículos da imprensa sindical, já se vão 17 anos. E é algo de que me orgulho bastante. Em que pese as críticas que tenho aos caminhos trilhados pelo movimento sindical de esquerda no Brasil nos dias de hoje, devo a eles tudo o que tenho e o que sou como artista. Deixo aqui registrado, portanto, a minha gratidão. Quanto à chamada “grande” imprensa, tenho pouco a dizer. Não gosto, não confio, não me alio. Bando de sanguessugas calhordas!

Como começou seu envolvimento com a questão Palestina a ponto de você se tornar um dos chargistas mais comprometidos com ela no mundo?

Graças à viagem que fiz aos territórios ocupados da Cisjordânia em 1999 a convite do Palestinian Center for Peace and Democracy. Não há como estar em meio aos palestinos, ver com seus próprios olhos o sofrimento por que passam e não se solidarizar com eles.

Como foi sua visita à Palestina? O que você aprendeu lá? Conheceu algum chargista palestino?

Vou levar essa experiência junto comigo até o fim dos meus dias, cada olhar, cada palavra, cada gesto daquela gente. Povo valente, que não se dobra aos inimigos mais poderosos. Conheci ativistas, mas fiz questão de conversar com o povão. Estudantes, motoristas de táxi, pessoas comuns nas lojas, nas ruas. Não fiz contato com nenhum cartunista, infelizmente, apesar de haverem cartunistas combativos por lá como Baha Boukhari. A frase que melhor representa os palestinos saiu de um graffiti que vi em Ramallah que dizia algo mais ou menos assim: “Não somos baratas que você possa pisar. Somos minas. Você nos pisa e nós explodimos”. Acredite, mais fácil dobrar um poste com as mãos que a resistência daquele povo.

Você já foi alvo de muitas polêmicas com seu trabalho. Como foi a história dos cartazes contra a
polícia?

Fiz graffitis e cartazes contra a violência policial e fui parar duas vezes em delegacia por conta disso. Intimidação de praxe. Mas acredite, nunca recebi uma só ameaça por parte de policiais. Problema mesmo é quando você decide apoiar a causa palestina. Ah, meu filho, aí o buraco é mais embaixo!

E as ameaças de grupos israelenses radicais?

Chegaram aos meus ouvidos informes de que em São Paulo estariam oferecendo grana pra me matar. Se é verdade ou não só o tempo dirá. Uma coisa é certa, Israel é notório pela sua política de “assassinatos seletivos”. Mandar me matar é coisa fácil pra eles, e portanto, não se surpreenda se eu for morto em circunstâncias “misteriosas”. Se isso acontecer, que todos saibam que aí terá o dedo de Israel e dos que apóiam seus crimes contra o povo palestino, não só lá como aqui no Brasil também.

Qual radical é pior: os israelenses que o ameaçaram de morte ou os muçulmanos que queriam matar os chargistas dinamarqueses que fizeram as famosas charges com Maomé?

As charges de Maomé tinham como alvo a religião muçulmana, um ataque ao Islã. Seria o mesmo que colocar Jesus Cristo queimando gente viva na fogueira da “Santa” Inquisição. Meu trabalho nada tem a ver com a fé judaica. Absolutamente nada. Alguns afirmam, de maneira maldosa, que a utilização da estrela de Davi em charges é um ataque ao Judaísmo. Mas então o exército de Israel deve ser o primeiro a ser culpabilizado, porque em seus tanques, jatos, helicópteros e demais máquinas de matar, é estampada a estrela de Davi. Na verdade, o Estado de Israel utiliza símbolos religiosos como emblemas governamentais. O candelabro judaico, o Menorah, por exemplo, que é um objeto religioso, é o símbolo do Estado israelense. Esse tipo de coisa mais parece obra de Estado teocrático.

Você não vai achar em nenhum de meus trabalhos uma associação do Judaísmo com o massacre de palestinos. Não vai ver profetas do Judaísmo empunhando fuzis ou bombas. Até porque meu foco são os agentes responsáveis por crimes de guerra contra os palestinos, quais sejam, soldados, políticos e colonos israelenses, mas nunca profetas ou figuras associadas à fé judaica. Essa canalha que apóia a política genocida do Estado de Israel tenta associar crítica ao terrorismo de Estado com ódio religioso ou racial contra os judeus. Esse expediente é tão manjado que já até virou piada. Um site de judeus de esquerda na Inglaterra fez uma lista de famosos “anti-semitas”. Na lista constam o Michael Moore e o Sean Penn (risos).

Afinal de contas,a religião pode estar acima da liberdade de imprensa ou não?

Se a questão é a tal liberdade de imprensa, porque então os veículos de comunicação do Ocidente
amplamente divulgaram as charges de Maomé, mas se recusaram a divulgar as charges do concurso sobre o Holocausto promovido pelo Irã? Pra algumas coisas a liberdade vale e pra outras não? Fazer charge sobre Maomé pode, mas o Holocausto não? Dois pesos e duas medidas?

Na sua opinião, quem mente mais para o povo:a religião ou a imprensa? Qual o futuro de ambas?

Acho que tudo depende do que está por detrás de cada uma. Apesar de não ser um homem religioso, confesso que exista verdade e sinceridade em algumas religiões e religiosos. A Teologia da Libertação surgiu pelas mãos de sacerdotes da Igreja Católica. Muitos foram perseguidos e assassinados por reacionários, como o bispo de El Salvador Dom Oscar Romero. No Brasil, muitos padres lutaram contra a ditadura militar e alguns foram vítimas dela. E mais recentemente a irmã Dorothy Stang foi executada por matadores de aluguel no Pará por conta de seu trabalho junto aos sem-terra de lá. É possível encontrar verdade na religião, mas na imprensa não. A mídia, o “mainstream”, não é a seara natural da honestidade.

Você passa a imagem de um sujeito muito sisudo e suas charges são muito sérias. Mas quem conversa pessoalmente com você descobre um cabra palhaço e brincalhão. Qual dos dois é o verdadeiro Latuff? Ou é um lance meio Superman/Clark Kent (risos)?

Ah, não, não me compara com Superman, pelo amor de Deus (risos)! Ainda mais agora que fiz uma charge dele levando bala de guerrilheiro iraquiano (risos). Tudo o que difere fisionomicamente Clark Kent do Superman é um simples óculos. E mesmo assim ninguém no Planeta Diário consegue perceber isso. Isso mostra o quanto os estadunidenses são paspalhos (gargalhadas)!!! Esse negócio de sisudo é só impressão, estou mais pra brincalhão mesmo. A violência de minhas charges não reflete minha personalidade cotidiana.

Não me lembro de ter visto charges suas que não falassem sobre política internacional ou
violência. Você não faz piadas com sexo, costumes, besteirol em geral? Considera isso futilidade
?

Pra falar disso já tem gente demais por aí. Quero tratar daqueles assuntos que as pessoas preferem jogar pra debaixo do tapete por conveniência ou cagaço mesmo! Acho que não sou o cartunista engraçadinho de piadas moderninhas.

O que você acha dos cartunistas (e músicos) que adoram falar sobre drogas? Você nunca fez nada do gênero? Estando aí no Rio, perto dos morros e do olho do furacão, o que você pensa sobre o assunto?

Creio que não sou o mais indicado pra falar sobre drogas. Já fumei maconha, mas não vi muita graça. Não recrimino quem usa. Acho que o assunto deve ser tratado sob a ótica da redução de danos, como faz de maneira competente e séria a psicóloga Mônica Gorgulho, diretora da Associação Internacional de Redução de Danos. Não entendo o porquê da maconha ser ilícita e a bebida alcoólica não, já que ambas são drogas. Qual o conceito que faz uma droga ser mais lícita que outra? O que é droga afinal? Uma coisa é certa. A repressão sistemática tem se mostrado ineficiente, e só faz alimentar a violência. Esse caminho nós já sabemos que não deu certo.

Pra encerrar, deixe uma mensagem explosiva para as massas que leram esta entrevista
incandescente, fervente, apocalíptica e incendiária.

Mensagem explosiva? Bem, leitores, não fumem quando estiverem abastecendo num posto de gasolina. Não posso pensar em nada mais explosivo que isso (gargalhadas)!!!

Para ver muitas charges de Latuff, clique aqui.

O Bigorna.net agradece a Carlos Latuff pela entrevista, realizada em em 28/03/2007

Quem Somos | Publicidade | Fale Conosco
Copyright © 2005-2024 - Bigorna.net - Todos os direitos reservados
CMS por Projetos Web