|
Por José Salles 29/03/2007
O modelo gráfico-editorial da Mil Perigos foi mesmo a revista Animal – só que, ao contrário desta última, que publicava majoritariamente material estrangeiro (europeu), os cinco números de Mil Perigos foram dedicados quase todos aos Quadrinhos brasileiros, exceto por breves incursões de Fontanarrosa e Mosquil, ilustradores argentinos. Mil Perigos publicou também algumas HQs vencedoras de um Salão de Humor no estado do Piauí – e isso indica uma curiosidade peculiar, pois especialmente para nós que habitamos no Estado de São Paulo, o Piauí é muito mais distante, é muito mais “estrangeiro” do que Argentina, do que os Estados Unidos, a Europa, mais distante até mesmo do que o Japão. Os diretores da Dealer ofereciam aos artistas plena liberdade de criação, e estes por sua vez se preocupavam exclusivamente com seu trabalho, deixando diagramação, busca de distribuidores, etc, para os funcionários da editora. Lançada na fase final do já mencionado “boom” dos Quadrinhos marginais brasileiros, e certamente abalada pela depressão dos anos “colloridos”, Mil Perigos não alcançou as vendas desejadas pela Dealer, e foi cancelada no quinto número. Para se ter uma idéia das dificuldades financeiras deste período, a revista terminou com sua edição final custando o dobro da edição de lançamento – não devo deixar de citar que a revista teve ampliado o número de páginas também, o que certamente encarecia a produção (de 78 páginas no primeiro número, teve 98 nos dois últimos).
E preparem-se aqueles que jamais ouviram falar da Mil Perigos até este artigo, e a partir de agora pensam em procurar estas revistas nos sebos de usados (neste caso então se apressem, pois os cinco números da Mil começam a ficar cada vez mais raros e caros de se encontrar e adquirir – menos mal que atualmente os álbuns de Lourenço Mutarelli vivem sendo republicados, e se encontram nas melhores casas do ramo): a história de Mutarelli publicada no terceiro número da revista, chamada Deus Está em Todas as Partes, é a mais assustadora HQ jamais produzida e publicada. Duvidam? Arrisquem, mas já estão avisados... há uma outra HQ de Lourenço no terceiro número, História em Quadrinhos (t.c.c. Walt Disney, você me enganou). Carregando nas sombras, Mutarelli retorna com tudo no número 4 em Paloma Movia as Pequenas Coisas, onde um jovem apaixonado por uma freirinha morre assassinado após ritual diabólico. Este autor encerra sua participação na Mil Perigos com Viver é Morrer Lentamente, publicada no quinto e derradeiro número, onde retornam alguns personagens da HQ Porque Sinto Tanto Prazer com a Dor, que havia sido publicada no segundo número. Ainda não me arrisco a fazer qualquer análise dos Quadrinhos de Lourenço Mutarelli. Imagino que as pessoas que se debruçarem sobre a obra deste artista, com intenção de pesquisá-la com seriedade, descobrirão que é impossível analisá-la sem conhecer a vida pessoal do homem-autor. Sei que estas HQs publicadas na Mil Perigos são de uma fase, digamos, mais hard-gore (com “g”, mesmo), e a partir do álbum O Dobro de Cinco com o detetive gorducho Diomedes, o trabalho do ilustrador paulistano mostra sensível mudança de estilo/sentido. Paro por aqui, deixo aos historiadores do futuro um entendimento mais adequado sobre este assunto – mesmo porque, Mutarelli ainda tem muito a fazer e nos legar. Continua... |
Quem Somos |
Publicidade |
Fale Conosco
|