Na cultura humana, os heróis sempre foram fonte de inspiração para os homens comuns e para a sociedade. Os mesopotâmicos tinham Gilgamesh, os hindus, Rama e Arjuna, os gregos tinham Teseu, Jasão, Héracles (ou Hércules), Ulisses e Aquiles. Da Inglaterra vieram Arthur e seus cavaleiros da Távola Redonda e até mesmo os japoneses possuem o mito de um Espadachim Cego que combate as injustiças em nome daqueles que não tem mais a quem recorrer. Se os heróis são tão importantes para nós, por que eles têm sido tão duramente criticados?
Os heróis (sejam eles anti, super, ou qualquer outro prefixo que vocês queiram ou não usar) foram criados com um propósito escapista (não importa em que século seus criadores os idealizaram), porém nobre. Embora criados para distrair, traziam em suas entrelinhas mensagens subliminares de solidariedade, sacrifício, luta e esperança. Sua mensagem simples, transvestida de mirabolantes aventuras, atingia grande parte da população. Principalmente a jovem. Os anos passaram-se e o mundo evoluiu rapidamente. Mas os heróis mantiveram-se. Suas histórias não mais eram passadas de boca em boca (ou de ouvido em ouvido), pois, agora, tínhamos os Quadrinhos. Essa nova mídia se tornou um palco fabuloso para que os heróis pudessem materializar, para seus fiéis observadores, as incríveis possibilidades que, antes, ficavam expressas apenas no campo da imaginação.
O Mundo continua em acelerado estado de evolução tecnológica e essa tecnologia pode, um dia, acabar com os Quadrinhos como nós o conhecemos. Mas não irão acabar com os heróis. Suas histórias continuarão sendo contadas por inúmeras gerações. E pelas gerações após essas gerações. Então, qual o problema, afinal, com os heróis? Eu respondo: O problema não está com eles – ou melhor, neles. O problema está conosco, leitores de Histórias em Quadrinhos. Ou, pelo menos, em uma pequena, porém barulhenta, parte de leitores. Quem pode, num sincero exame de consciência, dizer que nunca leu ou nunca gostou de uma História em Quadrinhos de aventura? Não importa se foi com The Spirit, Super-Homem, Homem-Aranha, Batman, X-Men, Naruto, Pokémon, Lobo Solitário, Tex, Zagor, Tintin, Asterix, Raio Negro, Capitão 7, aventuras de capa e espada, terror ou de ficção, ou qualquer outro aqui não citado. Em algum momento de sua vida como leitor de Quadrinhos, você deve ter sentido uma quedinha por aquele personagem que corria atrás de suas convicções e não desistia da luta enquanto tivesse ar em seus pulmões. O que acontece é que, nós, que criticamos os heróis, crescemos. Seus roteiros pueris já não nos encantavam mais. Já tivemos nossa dose excessiva de histórias que se repetem mudando apenas o cenário e o nome dos personagens (algumas vezes nem isso). Começamos a ter um senso crítico mais apurado e mais seletivo (o que é perfeitamente correto e normal).
O problema é que, quando fechamos os olhos para os heróis e a forma e o porquê de como eles são concebidos, esquecemos de que eles ainda continuam atingindo seu público, mesmo que nós não façamos mais parte deste público. Eu leio em todos os lugares sobre a crise dos Quadrinhos. Algumas pessoas parecem sentir um prazer especial em associar essa crise aos heróis. Pode ser que elas tenham razão, mas, ao meu ver, elas estão equivocadas. Os heróis continuam gozando de um prestígio imenso – basta ver a luta recente, em nosso país, para a detenção dos direitos de uma das duas maiores franquias desses títulos – e, inclusive, começam a cair nas graças de outras mídias (como o Cinema, por exemplo). Quanto à crise, nunca houve tantas editoras, tantos títulos publicados, tão diversificados e a preços tão altos. Talvez a crise se deva muito mais ao abandono dos novos leitores (aqueles que querem ler histórias pueris, repetitivas e a preços acessíveis) do que, de fato, aos heróis ou a outras mídias. Pode-se vender menos do que há alguns anos, mas os heróis ainda são o carro-chefe para boa parte do mercado de Quadrinhos mundiais.
O problema criativo das HQs de heróis (histórias repetitivas) pode ser resolvido com artistas sérios e talentosos. Mas, independente disso tudo, o leitor de Quadrinhos de heróis – aquele que começa no limiar da adolescência e não tem hora para deixar de sê-lo – continuará vendo os heróis, pura e simplesmente, como aquilo que eles sempre foram: ícones inspiradores que lhes permitirão fugir da realidade por alguns breves e inesquecíveis momentos.
(Ilustração: Gerson Witte)