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Por Gonçalo Junior 22/01/2007 Um dos sintomas para se perceber o que há de interessante, curioso ou relevante no mercado de Histórias em Quadrinhos, do cinema ou da televisão é a chamada propaganda boca a boca. Por mais distante que alguém esteja de uma dessas formas de entretenimento, acaba atraído quando uma pessoa fala entusiasticamente de algo novo que acaba de sair ou está em exibição. Queixa-se, por exemplo, da falta de interesse de público pelo cinema em si, pela diversão de ir a uma sala. Os motivos são diversos: estacionamento caro, distância, restrição a shoppings centers e, claro, o preço do ingresso. Mas, como explicar ou entender o que acontece com filmes como 2 filhos de Francisco, do diretor Breno Silveira, que levou mais de seis milhões de pessoas aos cinemas em 2006 e vendeu centenas de milhares de cópias em DVD? Não é diferente no ramo de Quadrinhos. O que é mais legal, os amigos comentam, os vendedores sugerem, a crítica opina. Faz tempo, por exemplo, que muito pouco tem sido dito sobre o que acontece no mundo dos heróis e super-heróis fantasiados americanos, principalmente das duas maiores editoras, Marvel e DC. Exceto comentários dos fãs mais fieis e seguidores de seus personagens. A não ser quando estréia no cinema alguma produção adaptada dessa linha de personagens – o que tem acontecido bastante nos últimos cinco anos. Queria aqui voltar a enfocar o que já tratei anteriormente nesta coluna: a crise de criatividade que passa esse segmento há mais de uma década e tentar, novamente, provocar alguma reflexão sobre porque os gibis não se beneficiam do sucesso dos filmes com seus super-heróis. Em outros tempos, isso seria bastante natural. Desta vez, prefiro deter-me num ponto específico: o sucesso de público e de crítica dos filmes Batman Begins (2005) e Superman Returns (2006). Em ambos, quando soube que seriam feitos novos filmes, desdenhei e reagi da mesma forma: de novo? Não vai ficar bom, pensei. Principalmente, depois de ter me maravilhado com Quarteto Fantástico – que muitos consideram superficial e infantilizado – e vibrado com as séries X-Men e Homem-Aranha – todos da Marvel. Gosto muito de Demolidor, mas acho que seu brilho foi um pouco ofuscado pelo mega-sucesso do Homem-Aranha, lançado poucos meses antes, em 2002. Hulk é sensacional. Pecou apenas pela incapacidade dos realizadores em não criar uma figura mais realista. O verdão parece mais um boneco de videogame da era Atari – alguém lembra disso? Quebrei a cara quanto aos novos Batman e Superman. Seus filmes ajudam a explicar porque o cinema vence os Quadrinhos no esforço de atrair platéias. Claro, não há qualquer competição nesse sentido, é apenas força de expressão. Se a tecnologia digital tornou hiper-realista o universo dos super-heróis, o cinema perde por causa da limitação de se contar em duas horas uma breve história cuja continuação possível levaria pelo menos dois anos para ser feita, sob o risco de apagar o interesse da platéia – por isso, os filmes devem ser sempre conclusivos, com raras exceções, como De volta para o futuro e Piratas do Caribe, cujas seqüências foram filmadas de uma só vez. Em relação aos dois mais famosos personagens da DC, havia um agravante. As histórias originais foram bastante repetidas, batidas, reinventadas em dezenas de seriados, desenhos animados e cinesséries. Os Quadrinhos, por sua vez, não têm a atratividade das mídias eletrônicas, do movimento, da desobrigação de ler as histórias – só as legendas. Não há movimento, som, o brilho das imagens em tempos de tecnologia midiática. Por isso, creio, a Internet e a televisão têm ajudado muito o cinema de diversas formas. Colocados os "poréns", a conclusão imediata possível é que, se falta imaginação nos comics, sobra nos roteiristas de cinema. Acredito que a discussão principal está na capacidade de criação de um e de outro. Se os Quadrinhos ficaram mais complicados e sombrios, o cinema tem encantado sim pela tecnologia. Mas não me parece fácil tornar tramas ou enredos tão desgastados mais uma vez interessantes para o público. As versões de Batman Begins e Superman Returns, assim como os dois filmes do Homem-Aranha e a trilogia X-Men, não inventam muito. Também não abusam dos recursos da criação gráfica. Poderiam ser piores, como aconteceu com as partes 4 e 5 de Guerra nas Estrelas (Star Wars). Os dois filmes originados da DC fazem o que poderíamos chamar de um feijão com arroz, bife e fritas básico, apenas adicionado um tempero inigualável, daquele que só nossas mães sabem fazer. Ou seja, a tecnologia digital para torná-los capazes de voar e de nos encantar com realismo, exatamente como seria num bom e velho gibi. Batman Begins, do diretor Christopher Nolan, talvez tenha sido o filme dessa safra made in comics que mais ousou em sua estrutura narrativa – inversamente proporcional à linguagem conseguida em Sin City. A história é a mesma de sempre: o Homem-Morcego aparece mais uma vez ainda atormentado pelo assassinato de seus pais, ocorrido muitos anos antes. Na idade adulta, o ainda jovem Bruce Wayne decide viajar o mundo em busca de aprendizado e do conhecimento das mentes criminosas. Quando sente que está pronto, volta a Gotham-City para lutar pela justiça. O filme tem um elenco bastante conhecido – Christian Bale (Batman), Morgan Freeman, Michael Caine, Rutger Hauer, Liam Neeson e Katie Holmes. Mas não foi isso que levou à sua consagração de público e de crítica. A trama de David S. Goyer – roteirista dos três filmes de Blade – agrega uma intensa carga psicológica e emocional ao personagem de Bob Kane. Assim, não são os efeitos especiais que salvam o filme. O sombrio do personagem – que veio das novelas de rádio, dos pulps e dos clássicos de terror dos estúdios Universal da década de 1980 – ganhou densidade e fascínio por causa de um roteiro bem amarrado, de alto apelo sentimental, que o aproxima muito do espectador médio e moderniza a sua idéia original, sem deturpá-la. O maior mérito de Superman Returns, de Bryan Singer (diretor de X-Men, X-Men 2 e Os Suspeitos), assim como Homem-Aranha, de Sam Raimi, foi ter preservado ao máximo a essência, os primórdios da gênese de tudo, quando o super-herói foi singelamente concebido pelos adolescentes Joe Shuster e Jerry Siegel na década de 1930. Com orçamento de 260 milhões de dólares, trazer o mais famoso personagem dos Quadrinhos de volta ao cinema talvez tenha sido um dos maiores desafios da indústria do cinema nos últimos vinte anos. Os roteiristas Michael Dougherty (co-roteirista de X-Men 2) e o novato Dan Harris não optaram por “zerar” o personagem. Ao contrário, mantiveram-se fieis não só aos Quadrinhos como à própria história no cinema. E deu certo. Basta ver a emocionante homenagem que fizeram ao ator Marlon Brando, ao recuperar do primeiro longa-metragem dos anos de 1970 sua breve participação na caverna de cristais. A música, elemento marcante no imaginário mundial nas últimas três décadas por causa dos quatro filmes anteriores, foi integralmente preservada, com apenas algumas variações de orquestração. A simples introdução da composição traz à memória uma identificação imediata e provoca uma sensação de grande emoção. Num outro aspecto, esse novo Superman pode ser visto como sinal dos tempos. Ao contrário dos outros, não sai por aí como um imbecil carregando uma bandeira americana na mão ou em pose ao lado de um mastro – exceto numa cena em que se lê sem muito destaque na lateral de um avião “Exército dos Estados Unidos”. No caso do Homem-Aranha, pode-se até perdoar, pela proximidade do filme aos eventos de 11 de setembro de 2001. Superman encanta porque prega valores básicos, sem moral exagerada ou ideologia de espécie alguma. Numa cena, Lois Lane diz para Perry White que ele é um sujeito bom, que quer ajudar as pessoas em situação de perigo e que nunca mente – uma mensagem bastante simplória, porém educativa para as crianças, numa época em que princípios básicos parecem esquecidos. Para fazer a nova aventura, os roteiristas tomaram como ponto de partida os acontecimentos dos dois primeiros longas-metragens da série, com o ator Christopher Reeve, a quem o filme é dedicado – justamente aqueles considerados os melhores. Superman volta à Terra depois de seis anos desaparecido. Ele viajara ao planeta Krypton, em busca de algo que remetesse às suas origens e o ajudasse a se entender melhor. Ele chega ao seu planeta de adoção no momento em que um velho inimigo planeja uma maneira de destruir seus poderes de uma vez por todas e dominar a Terra. Mesmo que, para isso, tenha de matar bilhões de pessoas. Superman Returns é apenas entretenimento. E da melhor qualidade. Todo o filme foi estruturado a partir de uma reportagem de Lois, magoada por ter sido abandonada pelo amado durante cinco anos: “Por que o mundo não precisa do Superman?” Ela parecia convicta disso, até que ele retorna e abre mais uma vez seu coração. Desde que surgiu a indústria do cinema que se sabe: uma boa história tem de ter romance. E o amor parece ser a única coisa capaz de acelerar o coração do Homem de Aço e aproximá-lo dos humanos normais. Ao voltar, Clark Kent tem de encarar uma verdade cruel: a mulher que ele ama está casada e é mãe de um garoto. É possível que se faça uma leitura ideológica a partir da abordagem do artigo de Lois Lane. Principalmente quando, no final, ela começa a escrever um outro de temática contrária: “Por que o mundo precisa do Superman?” Nas entrelinhas, Superman seria os Estados Unidos? Em tempos de fanatismo religioso, quando nunca se matou tanto quanto nos dois últimos séculos em nome de Deus, seria o Superman, ícone do imperialismo americano, o deus que o planeta precisa? Não quero crer nisso. Prefiro apostar na ironia, na descrença do filme em pregar que, pelo menos na fantasia, é preciso contar com um super-herói para nos proteger de tudo e de todos. Até dos governos – tema que o filme não trata. Além disso, parte representativa do próprio povo americano – ainda uma minoria – está menos ingênua e mais crítica de que seus soldados estão longe de serem super-homens. Até mesmo de um Rambo. Servem, muitas vezes, para defender interesses econômicos e matam gente inocente ou comentem barbaridades como qualquer “selvagem” ou xiita do Oriente Médio. No cinema, o herói indestrutível ainda carrega as cores da bandeira americana. Mas veio de longe, do espaço, para trazer a paz e proteger as pessoas do mau. Talvez, um dia, algum produtor de Hollywood o leve para os campos de batalha e ele ajude a destruir os demônios personificados de Alá, de acordo com a ótica maniqueísta da era Bush. Por enquanto, não dá para não acreditar que, com tantos princípios éticos, o Supeman do cinema tenha uma opinião bastante consolidada sobre isso. Pelo menos na telona, Superman não chega a ser mito americano, embora os Estados Unidos ainda precisem dele. A seguir: Quadrinhos, a maior de todas as subversões |
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