Certa vez me deparei, em Cubatão, com uma trupe de professoras que tinham coisas a dizer. Fui mostrar a elas o que ministraria aos seus alunos sobre História em Quadrinhos e sobre que tipo de coisa eu falava nos cursos que eu dava dentro do Instituto Pró-Ler da Fundação Biblioteca Nacional. Elas me ouviram atentamente, eu fui à lousa a maior parte do tempo, exemplifiquei coisas, desenhei balões, fiz o esqueleto de um boneco de Quadrinhos (acho que era o Mickey, salvo engano) e elas ali, quietinhas, a ouvir.
Pouco depois, quando abri a elas para que dissessem o que tinham achado, as professoras deslancharam uma série de histórias sobre as tentativas ineficazes delas de armarem com suas colegas alguns projetos interdisciplinares. Eu falava basicamente da amplificação de informações que um aluno poderia arrebatar ao pesquisar, escrever e desenhar uma História em Quadrinhos, do quanto aqueles elementos todos juntos (texto + imagem + seqüência) poderiam colaborar para o aprimoramento da Leitura e da Produção de Textos.
Saibamos que há muitos autores, mesmo de Quadrinhos, que refutam essa teoria, a de que Quadrinhos colaboram para a prática da leitura, pesquisa e escrita. Muitas idéias defenderão ou não os Quadrinhos. Eu posso exemplificar comigo mesmo, um inveterado leitor de Disney na infância que, ao me deparar com uma historieta do capitão Moby Dick, fiquei me sentindo um idiota, um aparvalhado ignorante. Os termos náuticos que o personagem utilizava ora ali, ora aqui, eram demais para minha compreensão. Meti meu nariz num dicionário para tentar passar incólume por aquela narrativa. Aqueles Quadrinhos haviam me compelido a pesquisar. Ainda bem. Aprendi mais alguma coisinha, naquele instante.
Pois bem, quando as professoras começaram a falar, uma delas contou que a coordenadoria pedagógica de sua escola pouco incentivava a que eles fizessem projetos interdisciplinares. Outra, por sua vez, contou que uma criança havia se aproximado do professor de Língua Portuguesa com o livro didático onde, numa certa página, havia uma reprodução de um quadro histórico. A criança pediu ao professor que explicasse o quadro, obviamente não entendendo a relação de uma coisa e outra. O professor de LP disse sumariamente ao aluno que procurasse o professor de Artes. Esses descalabros, desde a falta de incentivo à vontade de pesquisar ou de trazer a informação na próxima aula, foram a tônica da conversa. Elas, ao final, tendo gostado muito da minha explanação, deram-me de presente uma caixinha com os livros do PCN (que, por sua vez, incentivam o uso de Quadrinhos em sala de aula).
Para você ver, amigo internauta, a imensa dificuldade que professores de escolas públicas fora dos grandes centros encontram para pesquisar, trabalharem em conjunto e tecerem novas e melhores estratégias de ensino. No tocante especificamente a Quadrinhos, esta é uma linguagem pela qual eles nutrem muita curiosidade, a despeito de parecer algo conhecido por todos desde a mais tenra infância.
Internetando por aí...
E por falar em Quadrinhos e ensino, continuamos a indicar nosso blog História, quadro a quadro, que traz nesta segunda semana um artigo do Professor Waldomiro Vergueiro sobre a dupla dinâmica ensino/quadrinhos e uma compilação de um estudo sobre Gibitecas escolares. Além desses materiais, há a compilação de um artigo da versão digital da Revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita, sobre o personagem Asterix e o uso dos Quadrinhos de René Goscinny e Albert Uderzo no aprendizado de História Geral.
Pelas Bancas
O cartunista pernambucano Lailson Cavalcanti, autor da versão atualizada de Camões em Lusíadas 2500 (imagem ao lado) começou neste mês a publicar na Revista Nossa História, da Fundação Biblioteca Nacional, a vinda da família real portuguesa, que chegou ao Brasil em 1808. Em Quadrinhos. Fica-se a imaginar duas coisas a partir desta empreitada: a de que o material, que seguirá publicado mensalmente pela revista, possa encerrar em 2008, quando se completa o bicentenário deste marco histórico. A outra coisa a imaginar é que isso possa se tornar um livro a ser editado pela FBN exatamente no ano de comemorações.
E só para relembrar, os Quadrinhos de Lusíadas 2500 foram expostos com extremo sucesso em Alcalá, na Espanha, e no Festival de Amadora, em Portugal, para onde Lailson se dirigiu no mês de outubro. Enfim, o material sobre a vinda da família real está nas bancas de todo o Brasil.
Travas e Viseiras
Certa vez, ministrando História em Quadrinhos para uma turma de adolescentes em São Paulo, deparei-me com um tédio enorme que os alunos tinham por causa de apostilas que a escola fornecia (acreditem, essa escola continua aberta) e que não diziam rigorosamente nada a eles. Conversei com a diretora, na ocasião, quando expus uma idéia que tive, a de mudar de trás para a frente o aprendizado de Quadrinhos.
Depois de sete anos ministrando aulas de HQ (em Santos, pelo Senac e pelas Oficinas Culturais Regionais da Secretaria de Estado da Cultura e mesmo em São Paulo, pela Secretaria Muncipal de Cultura), cheguei à minha conclusão de que aquele meu sistema de ensinar estava falimentar. Ainda bem. Aquilo precisava de uma virada de mesa. E é exatamente quando você não está pensando na coisa, é que as idéias vêm prontinhas.
A diretora fingiu que entendeu minha proposta e me deixou seguir em frente. Coloquei em prática: fiz um trato com os alunos que dali em diante seria tudo diferente, e que não seguiríamos mais a apostila, que não dizia nada mesmo. Faríamos o seguinte trajeto – a narrativa que os alunos viessem a criar é que daria a tônica do curso. Daí levei os alunos à porta do Metrô Sumaré, bem próximo da escola de arte, e eles se divertiram como nunca eu tinha visto, fazendo junto comigo uma série de esboços livres das pessoas que por ali passavam. Queriam mais, queriam voltar. Tinham adorado.
Expliquei que faríamos, sim, aquilo mais vezes, e que aquilo fazia parte do aprendizado do olhar deles, que ajudaria muito na criação de expressões e poses para os seus próprios personagens. Nas aulas, por sua vez, que agora ficariam entremeadas com nossas saídas à porta do Metrô, eles criavam seus personagens e eu os auxiliava dentro das necessidades de cada um. Tal qual a escola propunha – um acompanhamento individual. Era sensacional.
Resultado: quando as notícias de minhas alterações e minhas idas com os alunos ao Metrô estavam sendo feitas, a diretora me chamou à sala dela. Ela reclamou do que estava acontecendo, e eu rebati dizendo que os alunos estavam adorando a nova didática, que a anterior apenas os entediava, e que ela mesma tinha aprovado tudo aquilo. Numa segunda ida à sala dela, a diretora me demitiu. E eu disse, em troca: "que bom, porque eu já ia mesmo pedir demissão".
Não se pode dizer que não tentei tirar o tédio do aprendizado de Histórias em Quadrinhos tanto da minha mente, quanto da mente dos próprios alunos. Vejam só.