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Os sabichões dos Quadrinhos e suas verdades absolutas
Por Gonçalo Junior
31/10/2006

Como em qualquer outra área do conhecimento humano, especialmente relacionada à cultura, as Histórias em Quadrinhos despertam não apenas interesse como paixões em vários níveis – leitores, fãs, colecionadores, estudiosos, professores, etc. É assim também no cinema, na literatura. Existem até subgêneros com especialistas. Quer dizer, aqueles que se interessam por um tema bem específico. No cinema, temos os seguidores das séries Jornada nas Estrelas, Guerra nas Estrelas ou de filmes de terror. Nos Quadrinhos, os fãs de faroeste, super-herói, ficção científica, erótico, etc. Quase sempre essa relação se dá de forma saudável, sem maiores neuras. Quase sempre, repito.

Quando Eloyr Pacheco me convidou para escrever esta coluna, o primeiro tema que pensei tratar aqui é o modo como acontecem algumas distorções de alguns colecionadores, leitores, editores e jornalistas ditos especializados em Quadrinhos. Refiro-me a uma minoria, claro, que se acha não apenas bem informada como dona da verdade. É uma turminha porque faz questão de se posicionar de modo exibicionista e arrogante sempre que surge alguma discussão ou mesmo se alguém se propõe a questionar alguma informação considerada sacramentada, mesmo que o faça de forma documentada, por meio de pesquisa ou testemunho.

Depois de tratar de alguns outros temas que propus discussão aqui, tenho agora a oportunidade de fazer referência ao que chamo de sabichões dos Quadrinhos por causa de um fato motivador que aconteceu recentemente: uma discussão levantada no começo de setembro pelo editor e escritor Roberto Guedes de que o nome da editora Ebal, fundada em maio de 1945 por Adolfo Aizen e a mais importante editora brasileira de Histórias em Quadrinhos, poderia ser uma homenagem de Aizen, que era judeu, ao monte Ebal, citado na Bíblia. Entendi que Guedes fez apenas uma suposição, não uma afirmação. Mas a polêmica que se seguiu beirou o delírio e a irresponsabilidade de se adotar hipóteses como verdades absolutas.

Meu nome acabou envolvido e tive de justificar o que havia tentado explicar e fundamentar no livro A Guerra dos Gibis. Afirmei que nada encontrara nos manuscritos de Aizen que desse a entender que o nome viera dessa observação de Guedes. O próprio filho de Naumim Aizen a descartou. A discussão, porém, prosseguiu. O mais absurdo de tudo e que me causou perplexidade foi a participação do especialista que disse ter notado a semelhança citada por Guedes há dez anos. Ele observou também que havia uma legenda com data errada numa foto na página 38 de A Guerra dos Gibis. Eu disse que já havia identificado e que a mesma seria corrigida numa segunda edição. Até ai, tudo bem.

No pano para manga que continuou, porém, esse leitor, sempre num tom de autoridade, discordou quando eu disse que a primeira revista em quadrinhos da Ebal havia sido O Herói, lançada em 1947. Tentei explicar o critério que usei para isso no bate-papo, sem discordar dele. E o que aconteceu? Ele passou a fazer uma série de colocações para consolidar sua tese que só poderia ter retirado de dois livros meus, A Guerra dos Gibis e O Homem-Abril. Como se a verdade estivesse com ele e eu a ignorasse. Ou seja, no meu entender, apropriou-se de minhas afirmações para me desacreditar diante das pessoas que participavam do fórum de discussão. Esse caso é ilustrativo dos muitos absurdos que encontro quando me proponho a contar um pouco da história dos Quadrinhos no Brasil. Acontece muito em palestras. Sempre aparece um que pede a palavra, fala por cinco ou dez minutos, faz uma extensa colocação e nada pergunta. Quer apenas, creio, mostrar que sabe tanto ou mais que o palestrante.

Não se trata de estabelecer aqui quem é o dono da verdade. Longe disso. Mas é preciso fundamentar de modo mais consistente possível tudo que se escreve. Não me esquivo de ir ao encontro de dados que eram tidos como verdadeiros. Também acho que questionamentos devem e precisam ser feitos. Se alguém quer discordar, fique à vontade. Por favor, entretanto, que apresente argumentos e documentos que dêem base a isso. Não me venha com exibicionismos apenas porque acredita que sabe mais que todo mundo. Gostaria de citar mais dois exemplos desses tipos chatos que, aliás, encontraram na Internet um meio propício para massagear seu ego. Tem um leitor que escreveu para a Companhia das Letras para dizer que eu cometera um erro na página 106. Segundo ele, o lote de histórias que o distribuidor Alfredo Machado comprou do Tocha Humana em 1942 não era da Fawcet e sim da editora Timely. Roberto Guedes já havia chamado minha atenção assim que o livro saiu – porque ele tem o estranho hábito de realmente ler livros e não apenas dizer que leu. Concordei com o leitor e prometi que corrigiria noutra edição. Ele, no entanto, não se deu por satisfeito. Sempre que pode, repete seu ato heróico, como se uma bobagem dessa lhe dessa alguma expressividade.

Pois bem. Essas pessoas que fazem parte da turminha dos que só fazem falar, não foram capazes de perceber que A Guerra dos Gibis tem pelos menos uma dezena erros. Isso mesmo. São tropeços que em nada comprometem o conjunto da obra, mas que estão lá e serão corrigidos assim que for possível. Fica o desafio para que os localizem. Chateação maior aconteceu quando saiu a edição comemorativa dos 50 anos de Tex para a Opera Graphica, em 2002. A primeira reação dos “donos” de Tex no Brasil foi torcer o nariz. Quem esse cara pensa que é para escrever sobre NOSSO Tex? Precisei, no dia do lançamento, explicar que eu lia as aventuras do herói desde 1975 – havia 27 anos! Disse que tinha todas as coleções completas – série normal, segunda edição, coleção, álbuns, etc – o que é verdade. Mesmo assim, a turma de um famoso site apontou uma série de pontos que seriam erros. Na verdade, tratava-se de omissões. A não ser uma legenda errada. Ora, deixar informações de fora que não considerei relevantes é cometer erros, cara pálida?

Ainda no lançamento, um sujeito saiu do interior e veio à capital paulista apenas para tentar provar que eu estava errado quanto ao ano de lançamento de Tex no Brasil. Eu havia consultado a coleção completa da revista Junior (RGE), gentilmente cedida pelo colecionador Tomzé, checado todas as datas e estabelecido o mês de fevereiro de 1951 como o mais provável da estréia do personagem. Para me contestar, o tal colecionador mostrou as datas que ele mesmo colocou quando comprou os gibis por ocasião do lançamento. Ele só não considerou que as minhas datas eram as do Rio de Janeiro, aonde a revista chegava primeiro às bancas. Meio século atrás, a distribuição podia atrasar de 15 dias a seis meses para chegar ao interior. Inclusive de São Paulo. Assim, era mais provável que ele estivesse equivocado.

Poderia citar muitos outros exemplos aqui. Felizmente, como já disse, esses chatos que se acham donos dos Quadrinhos e escrevem um amontoado de besteiras em sites de discussão e revistas são poucos. Quem se propõe a esse papel deveria ao menos se submeter ao esforço de pesquisar ou estudar o assunto. Ou ler os livros publicados a respeito. Ser colecionador ou leitor dedicado não faz de ninguém um especialista. Menos ainda dono de um tema. A memória dos Quadrinhos precisa de seriedade para ser recuperada e preservada. Não de achismos, de especulações. E essas pessoas devem botar na cabeça que um pouco de humildade não faz a ninguém.

A seguir: Histórias nada agradáveis de editores de Quadrinhos no Brasil – Parte 1 de ...

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