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Qual é a personalidade do super-herói brasileiro?
Por Alberto Pessoa*
04/10/2006

É possível fazer um super-herói que reflita a alma brasileira?

Esta foi uma pergunta de um aluno do Projeto Mamute e confesso que não tive uma resposta concreta ou definitiva acerca do assunto. Afinal, o termo super-herói é, de fato, um termo associado aos comics americanos e, portanto, automaticamente nós vamos associar o nosso super-herói brasileiro a algum Homem-Aranha ou Super-Homem. Ou será que não?

Apesar dos super-heróis terem surgido de fato nos comics em 1938 nas mãos dos criadores Jerry Siegel e Joe Shuster na figura do Super-Homem, o Brasil tem vários personagens que possuem poderes e podem, por que não, serem considerados super-seróis brasileiros. Só para mencionar alguns deles, o Capitão 7, criado em 1954 por Rubem Biáfora, tem uma importância ímpar para os meios de comunicação no Brasil: é a primeira série brasileira feita com o tema super-herói. Os responsáveis pela adaptação do personagem para os quadrinhos foram Jayme Cortez e Júlio Shimamoto, pela editora Continental/Outubro. Era um personagem com todos os preceitos de um super-herói: identidade secreta, super poderes e capa, entre outros, apetrechos clássicos dos comics. Atualmente, Danyael Lopes vem realizando um trabalho de revitalização do personagem. Na internet, duas partes da HQ, com um total de 23 páginas, estão disponíveis para download (em PDF) no site Retrografia, onde também pode ser encontrado um perfil do Capitão 7; o Arquivo Secreto, com fotos e capas de edições da revista em quadrinhos; e A História do Personagem. (Confira a matéria publicada aqui no Bigorna.net)

Em 1966, Gedeone Malagola criou o personagem chamado Raio Negro. Ele é o piloto da FAB, o tenente Roberto Sales, que em sua primeira missão secreta em vôo orbital, encontra um disco voador avariado, original do planeta Saturno e, ao salvar seu ocupante da morte, recebe em agradecimento um anel magnético que o transforma em um super-herói: o poderoso Raio Negro! Que só tem poderes em defesa da justiça. Vale lembrar que quando Raio Negro foi lançado, os leitores brasileiros ainda não conheciam os hoje famosos X-Men. Segundo Franco de Rosa, “As aventuras do Raio Negro não eram confusas como as de Superman, cômicas como as de Batman, nem dramáticas como as da Marvel - estilos que predominavam na época. Raio Negro apresentava maior influência da narrativa fictícia dos seriados cinematográficos dos anos 40 como Buck Rogers, Flash Gordon e Homem-Foguete, que Gedeone assistia quando criança”.

O Gralha é um caso a parte nos quadrinhos nacionais: é uma releitura do Capitão Gralha de Francisco Iwerten, criado no início dos anos 1940. Em 1997, o Gralha reaparece como um herói curitibano, cujo alter ego é o jovem estudante Gustavo Gomes, que enfrenta, entre outros, inimigos inusitados como Araucária, Café Expresso, Bagre Humano em uma Curitiba idealizada e transformada em uma Megalópole. Apesar de possuir todos os clichês dos super-heróis convencionais como identidade secreta, poderes e deveres, sua interpretação é bastante original, já que são vários artistas que trabalham com as histórias do Gralha. Entre estes artistas, podemos destacar Alessandro Dutra, Gian Danton e José Aguiar, variando estilos, narrativas e até mesmo a forma básica do Gralha, passando de um herói extremamente musculoso a um personagem baixinho e gordinho. Publicadas semanalmente desde setembro de 1988 no jornal A Gazeta do Povo, o Gralha já teve uma publicação especial pela editora Metal Pesado, Via Lettera e até virou filme.

Simacnot é uma criança mandada para Terra por sua mãe, a Rainha Silena no intuito de protegê-lo de um planeta dominado por mulheres. Aqui no Brasil foi encontrado por cientistas que desenvolveram seus poderes e, após uma fuga, ele adota o nome Marcelo Vasconcelos e acaba trabalhando para o governo sob a alcunha de o Cometa. Cometa é um personagem criado por Samicler Gonçalves e tem todos os clichês necessários para ser considerado uma cópia de um Super-Homem, mas o personagem nada mais é do que um super-herói e seu embasamento não poderia ser diferente. Todas as origens de heróis e super-heróis já foram inventadas. Todos os tipos de poderes, uniformes, fraquezas... o que faz o Cometa ser original está em sua personalidade, no seu modo de resolver os problemas. Uma coisa muito importante que o Samicler vem fazendo é trazer em cada edição personagens de diversos criadores. Isso gera novas opções de leitura e identificação com o leitor.

São inúmeros os super-heróis que poderia citar aqui neste artigo: Mylar (Eugênio Colonnese), Ultrax (E.C. Nickel), Judoka (Floriano Hermeto e outros), Escorpião (Wilson Fernandes), e Velta (Emir Ribeiro), entre outros tantos, mas eu não estaria respondendo a pergunta inicial: qual é a personalidade do super-herói brasileiro? Apesar do termo super-herói ter surgido com os comics, os preceitos, virtudes e características psicológicas são universais, ou seja, o super-herói brasileiro vai ter o senso de justiça, de preservação da espécie, da doação - até da própria vida - para poder salvar o planeta, assim como um super-herói americano, japonês ou de qualquer parte do mundo. O que pode diferenciar o super-herói brasileiro dos outros está na forma como o super-herói é encarado por nós mesmos, enquanto leitores e criadores de super-heróis, por exemplo. Ao contrário de um Super-Homem, cujo sua importância é de um ícone cultural americano, o super-herói brasileiro tem como função propiciar boas histórias e criticar, de maneira despretensiosa, a própria figura do super-herói em uma sociedade.

Concluindo: é possível fazer um super-herói brasileiro, com personalidade brasileira, mesmo se baseando em clichês clássicos, pois independente de origem, roupa ou poderes, o que conta é como o autor conta essa história e é exatamente isso que vai fazer o super-herói, alien ou não, ter uma personalidade brasileira.

*Quadrinhista, Mestre em Artes Visuais – UNESP – SP, e docente do curso de Histórias em Quadrinhos e ilustração digital na Universidade de Sorocaba (UNISO)

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