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Cotas e Profissionais
Por Alexandre Nagado
25/07/2006

Um debate recente que surgiu no meio dos Quadrinhos é o do projeto de lei que obrigaria editoras a publicarem material nacional. Tal assunto tem sido divulgado e discutido na imprensa especializada, incluindo aqui no Bigorna.net. O autor do projeto, o Deputado Simplicio Mário (PT-PI) participou de um debate recentemente no Rio de Janeiro (como visto aqui), onde várias questões pertinentes foram levantadas.
 
Baseado no que foi discutido (ou melhor, no que aparentemente não foi discutido), gostaria de tecer alguns comentários.

A princípio, sou a favor de algum incentivo fiscal ou governamental para ajudar a produção nacional. Todo país luta por suas reservas de mercado, mas aqui muita gente no meio dos Quadrinhos fica indignada quando ouve isso porque imagina que vai ficar sem o seu Batman, ou sem o seu mangá. Sinceramente, apesar de favorável a um apoio governamental, não sei se uma lei rígida de cotas pra HQ resolve se não for bem planejada em todos os aspectos. Principalmente no tocante ao pagamento dos profissionais envolvidos. Pois, se não pagar preço justo, não vai ter muita gente profissional se envolvendo. Muitos se esquecem ou desconhecem que não basta publicar, tem que ser justamente remunerado.
 
Obrigar as editoras a publicar material nacional não adianta nada se publicarem lixo, material inconsistente ou - pesadelo supremo - material sem regularidade. Sim, a periodicidade (ou a capacidade de produzir material aceitável regularmente) é uma das chaves para o êxito no mercado. Não adianta nada uma boa revista se ela não tiver periodicidade para manter o leitor fiel. Normalmente, fanzines não são feitos com regularidade rigorosa. Já as revistas precisam ser feitas assim. Já soube de fanzineiros que, quando tiveram chance de publicar uma historinha curta em revista que dava oportunidade, levavam três meses pra fazer três páginas.
 
Sem um preço de página decente, os profissionais de verdade não vão largar trabalhos de ilustração ou de aulas para ficar dois, três meses trabalhando a troco de nada ou de um salário mínimo simbólico pra ver no que dá. Daí, essa "bolha" de trabalho de HQ será ocupada por iniciantes, o que em alguns casos pode significar um desastre. Claro que haverá os talentosos que cumprem prazo (note que as duas virtudes têm que vir juntas) e o mercado vai filtrar o que é bom, mas note que falo não de técnica de desenho ou roteiro, mas de PROFISSIONALISMO.
 
A internet, com suas páginas online, expandiu o horizonte dos fanzines e, de certa forma, nivelou todo mundo. Qualquer um vira quadrinhista desse jeito. Faz uma HQ, monta um site, divulga e pronto, já se imagina um profissional. Mas publicar uma revista regularmente exige disciplina. Tenho a posição de que profissional é quem tira seu sustento de uma atividade. Se o desenho ou Quadrinho é hobby, se é feito quando se tem inspiração ou como atividade paralela, seu autor não é exatamente um profissional. Talvez chamar de "amador" seja muito duro, então vamos chamar de "diletante". Um diletante pode desenhar e escrever muito melhor que muitos ditos profissionais, sem dúvida. Mas, se ele não vive daquilo, não é um profissional. Não se trata aqui de corporativismo ou panela de profissionais, mas de realidade.
 
Claro que muitos diletantes podem se revelar profissionais pontuais e impecáveis numa situação real de trabalho, mas convenhamos que uma lei que beneficie uma categoria profissional tem que levar em conta os que já trabalham ou trabalharam nessa área. E esses merecem ou precisam (para sobreviver) ganhar por página, além de eventuais royalties. Caso contrário, continuarão dando aulas e fazendo ilustração pra ganhar todo mês seu sustento. Situar bem o que é HQ Nacional também é importante. Considero mais importante que a HQ Nacional, que o quadrinhista nacional seja protegido. Uma HQ genuinamente nacional, para mim, seria aquela criada, escrita e desenhada no Brasil por autores daqui, seja ela de humor, infantil, estilo mangá, super-heróis ou o que for. Um Batman apenas desenhado aqui não entraria nessa categoria, obviamente. Mas até material licenciado, como Disney ou de heróis, desde que inteiramente feito aqui, já ajudaria muito, pois isso ajuda a movimentar o mercado, como já aconteceu muito.
 
Mas não adianta pagar 10 reais por uma página, que nenhum profissional vai aceitar. E o que dizer dos brasileiros que publicam lá fora ganhando relativamente bem? Se não for pra ganhar dignamente bem, ninguém vai deixar de desenhar o Capitão América pra desenhar cangaceiros ou jogadores de futebol pelo patriotismo.
 
Então, um dos grandes problemas a se pensar é: além de obrigar as editoras a publicar material nacional, como obrigar que paguem bem? Como cobrar 300 reais por página de um editor que não sabe se vai ter um prejuízo enorme? De onde ele vai tirar esse dinheiro todo? Porque a mentalidade editorial brasileira está acostumada a pegar material pronto que já fez sucesso em outros países e com a qualidade já burilada em um mercado amplo. Com personagens que têm apelo em outras mídias, são conhecidos ou que vem amparados com grande estrutura, o investimento é menos duvidoso. Claro que editoras sempre buscam lucro, mas as daqui sempre procuraram o lucro mais fácil e não se muda isso por força de lei. Erros acontecerão e deverá haver um plano B quando uma revista, por algum motivo, não agradar e não vender o suficiente.
 
Sem qualidade, sem periodiciade e com as editoras obrigadas a imprimir tiragens nacionais, elas vão quebrar. Daí, vai ficar a imagem de que Quadrinho Nacional não vende, etc. A questão é bem maior e não pode ficar apenas no "publicar ou não publicar". Não tenho as respostas, mas tenho a certeza de que o debate mal começou. Talvez incentivos fiscais e uma cota menor do que a atualmente proposta de 20% seja interessante. Começar com poucos títulos, pagando um valor que atraia autores profissionais talvez ajude. Somente assim uma retomada de crescimento (ainda que forçada) da HQ Nacional poderá ser consistente e duradoura. 
 
Site pessoal do autor 
Blog Sushi POP 

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