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Por Gazy Andraus 21/07/2006 Matéria e energia são a mesma coisa, em níveis freqüenciais distintos: mas em realidade, a composição do universo se dá devido à informação, que estrutura e formata a matéria-energia (para McLuhan a luz elétrica é pura informação). O ser humano, como resultado da evolução universal, sendo “filho” das estrelas, e desde que se desvinculou da natureza desprendendo-se das altas árvores para se locomover como um bípede extremamente curioso, afastou-se cada vez mais de sua origem exclusivamente integrada para se configurar como uma espécie sui generis do planeta. O resultado é como que uma metalinguagem, na qual o homem se configura como a informação - ela mesma - que busca (se) compreender e se reorganizar: isto tudo levou à expressão humana em todas as vertentes, da mítico-religiosa à artística e científica. Esta incursão evolutiva tem esbarrado em momentos de criação que vêm beirando as vanguardas, e que só estão podendo ser compreendidas após a estratificação de novos paradigmas, reformando os conceitos pré-estabelecidos: atualmente, o homem contemporâneo parece ter amalgamado todos os informes anteriores, hibridizando-os quase que por completo (graças principalmente aos computadores e à Internet, que, ironicamente, são crias desse processo evolutivo). As Histórias em Quadrinhos não poderiam ficar fora disso, e apesar de até hoje não terem sido conhecidas em sua profundidade, continuam amealhando adeptos de todos os níveis culturais, e principalmente expandindo-se no meio acadêmico, outrora tão orgulhoso de sua prepotência, mas que já não pode mais se esquivar de dar o valor real às vertentes artísticas. Edgar Franco (roteiro) e Mozart Couto (desenhos), dois autores da Nona Arte, embora de gerações diferentes, se irmanaram nesta empreitada sofista e ao mesmo tempo pós “socrático-shakespeariana”, dando origem a um drama gráfico-narrativo no qual o homem se encontra em constantes crises existenciais: BioCyberDrama veio no Brasil para auxiliar na remoção dos alicerces fracos da insustentabilidade que teimava em apontar os quadrinhos como objetos “infantis” (no sentido pejorativo). Num futuro incerto, os homens estarão convivendo com a informação digital em sua instância mais apocalíptica: Inteligências Artificiais (IA) criadas, misturando-se com corpos cibertrônicos de cérebros humanos transplantados, credores de uma vida “imortal” derivada da transbiomorfose (Extropianos), convivendo com Radicais, seres humanos hibridizados a figuras animais assemelhando-se às míticas sereias, centauros e outros entes não menos fabulosos, e Resistentes (em sua minoria), contrários a quaisquer técnicas de modificação biológica extranatural. Todas estas três raças subdividem-se e têm suas próprias culturas, sustentando suas religiões e crenças, enquanto o mundo ainda não é um lugar isento de violências e terrorismos. A obra engendrada pelas mentes dos dois autores mineiros não deixa escapar quase nada concernente à pesquisa e divulgação da área tecnológica da atualidade, bem como se alicerça em referências na biologia molecular, nos mitos e crenças universais, nas arquiteturas, e o mais interessante de tudo, na configuração de uma narrativa seqüenciada de uma autêntica História em Quadrinhos fantástico-filosófica: um tipo de literatura única ainda longe de ser decifrada (pois igualmente híbrida e original, já que a HQ mescla literatura com a primeira das expressões gráficas: o desenho, trazendo um paradigma artístico tão simples em essência quanto paradoxalmente complexo!). Os autores britânicos Alan Moore e Grant Morrison têm fornecido em suas obras, constantemente, apartes científicos tais como conceitos da física quântica e ciência fractal, além de posições políticas e contestadoras. Igualmente, Edgar Franco, doutorando pela USP, que embalou este BioCyberDrama após um mestrado na área de multimeios da Unicamp, amalgamou seu álbum com uma necessária e suficientemente esclarecedora introdução explanatória do universo que ele criou, partindo de suas pesquisas científicas, recheando-a de informes precisos e muito bem concatenados (entremeados também de ilustrações e Histórias em Quadrinhos suas, retiradas inclusive do fanzine que elaborou e influenciou o presente álbum). Na obra, magistralmente desenhada por Mozart Couto, que hibridizou seu estilo pessoal com momentos estéticos dos super-heróis norte-americanos e sutis relances do mangá, Edgar cita várias fontes de pesquisa e bibliográficas utilizadas no roteiro, como os trabalhos de Roy Ascott, Mike Saenz, Baudrillard, Eduardo Kac, H.R. Giger, Hans Moravec, Orlan, Stelarc e outros (que também inspiraram muitos personagens do álbum). Após a leitura de BioCyberDrama, tem-se a impressão de apenas um preâmbulo de algo que pode se tornar uma obra maior e tão rica complexamente quanto qualquer obra científica e artística que possibilite uma interpretação e compreensão de forma atualizada e fenomênica, pois conforme explica Edgar: "A idéia deflagradora do processo de criação desse trabalho surgiu durante uma palestra do sociólogo Laymert Garcia (professor da Unicamp), que foi categórico em afirmar que os referenciais teóricos existentes no mundo acadêmico eram insuficientes e falhos para explicar as mudanças pelas quais as sociedades humanas estão passando e a tábua de salvação para compreender essas mudanças é recorrermos à ficção científica, que pode responder melhor a essas questões (...)”. Com esta citação incluída na apresentação da História em Quadrinhos BioCyberDrama, justifica-se mais uma vez a importância que tem um trabalho artístico-conceitual como este, necessitando figurar urgentemente em todas as bibliotecas do país, principalmente nas universitárias, tendo em vista o conteúdo informacional e arrojado da obra. E caso a tiragem do álbum esteja se esgotando, seria interessante a editora pensar numa nova reimpressão. BioCyberDrama (Col. Opera Brasil #16, 2003) de Edgar Franco (roteiro) e Mozart Couto (arte). Formato Álbum, p&b, capa colorida. R$ 14,90. Opera Graphica Editora. |
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