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Por Roberto Guedes 13/06/2006 Certa vez, na lista de discussão chamada Marvel Br, surgiu um tópico sobre os quadrinhos americanos serem ou não instrumentos de propaganda ideológica. Embora a resposta pareça bem óbvia – ainda mais se formos considerar em que contexto histórico os primeiros super-heróis foram inseridos – nem sempre somos justos na análise, com tendência a generalizarmos. Na época, opinei a respeito, baseando-me, pura e simplesmente, em minhas pesquisas. É este texto, revisto e ampliado, que está a seguir. A Guerra Fria, expressão usada pela primeira vez pelo Primeiro-Ministro britânico Wiston Churchill ao se referir ao antagonismo bélico e ideológico da União Soviética e EUA, sempre serviu de pano de fundo para enredos no cinema, programas de TV e literatura (vide os livros e filmes de 007), às investidas de Superman em “Cubas” e “Chinas” fictícias e, claro, nas HQs produzidas por Joe Simon e Jack Kirby, pela Prize (ainda nos anos 1950), a saber: Fighting American – nada menos, que “o primeiro super-herói anticomunista dos Quadrinhos”. Os exemplos são muitos, portanto, não foi privilégio da Marvel Comics essa “investida ideológica capitalista” contra os soviéticos. Os primeiros heróis da Era Marvel, de 1961 a 1969, tinham sim, um ranço antisoviético, não há como negar isso... é só vermos as origens de Homem de Ferro, Hulk e Quarteto Fantástico (e até mesmo as primeiríssimas histórias de Thor). Quadrinhos, enquanto expressão cultural de massa, serve como catalisador de tudo que está a sua volta, benéfico ou não. Stan Lee, por exemplo, tratou de vários assuntos em suas HQs, algumas vezes com muita propriedade, outras, nem tanto. Enfim, era um homem normal como todo mundo... sujeito a falhas e a acertos. Veja bem, sempre me considerei um sujeito idealista... sempre me simpatizei com aqueles que discursam em prol do bem comunitário e que antagonizam àqueles que tentam cercear os direitos do cidadão, mas, também, sempre me senti incomodado pela retórica dos presepeiros e demagogos – principalmente daqueles que instigam uma população às armas a fim de atingir seus objetivos particulares. Quando, enfim, seus intentos são alcançados, esquecem do povo. “Liberdade para o povo!” – dizem, mas depois, não é isso que vemos. Desde os anos 1960 ouvimos dizer, em prosa e verso (e, às vezes, em conversas regadas à aguardente), que o Comunismo é a saída para todos os males do mundo; quase como se fosse um novo Evangelho a se seguir. Em tese, pode até ser muito bonito, mas na prática... na prática, a história já se encarregou de mostrar que não é bem assim. E porquê? Porque todo sistema político, por melhor que seja enquanto ideologia, é, ainda, uma idéia... um ideal... uma utopia. E pior: é feito pelo homem – um ser falho... fraco... e, muitas vezes, vil. O Capitalismo também não é flor que se cheire... ao contrário, fede! É cruel e desumano, porque atende aos interesses corporativos; e, portanto, é o que mais se aproxima da “Seleção Natural”, onde sobrevive o mais “forte”. Stan Lee sabia muito bem disso ao escrever suas histórias, podem apostar nisso! Ele não fazia parte da “Geração de 68”; não era amigo do Zuenir Ventura; não participou dos Festivais da Record; não esteve em Praga; em Paris; ou nos calabouços da Ditadura (com certeza, jamais ouviu falar desses últimos); mas era um homem razoavelmente culto e responsável. Sabia da importância e influência que um personagem como Peter Parker/Homem-Aranha tinha frente aos seus milhares (ou seriam milhões?) de jovens leitores. Fazer Peter empunhar um cartaz, qualquer que fosse a reivindicação, poderia ser um ato leviano de sua parte. A história Crise no Campus (primeira parte de uma enorme seqüência iniciada em Amazing Spider-Man #68, em janeiro de 1969), publicada e republicada nos EUA e no Brasil tantas e tantas vezes, é uma das mais lembradas pelo fandom e crítica especializada, exatamente pelo posicionamento sóbrio do herói empregado pelo autor. Lembrem-se: Peter é aquele rapaz que aprendeu – a duras penas – o significado de “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Mary Jane poderia pegar um cartaz. Gwen também poderia. E até mesmo o “filhinho de papai” Harry Osborn poderia... mas Peter... Peter não! Ele jamais poderia tomar uma posição, qualquer que fosse, sem antes estar plenamente certo e convencido de que posição assumir. O papel do herói é esse: o de ponderar e tomar partido do que é certo... correto. Pelo menos, tão correto quanto sua humanidade puder compreender... Já o diálogo entre Joe e Randy Robertson (pai e filho, respectivamente) na edição seguinte, com certeza foi um dos mais eloqüentes, ponderados e, arrisco a dizer... dignos já produzidos entre dois personagens negros na história dos comics, sempre tão recriminados por serem superficiais e/ou tendenciosos. Lee (mais Jack Kirby e John Romita) introduziu os negros como imperadores, jornalistas íntegros e estudantes politizados. Buscou passar a melhor imagem possível às pessoas de outras raças, e não apenas como criados monossilábicos, como era comum até então nos Quadrinhos. Lee nutria simpatia pelo Pastor Matin Luther King e, com certeza, gostou do filme Ao Mestre com Carinho, protagonizado com singular sensibilidade pelo ator negro Sidney Potier. Stan Lee é filho de imigrantes romenos/judeus. Nasceu pobre e desde cedo teve de trabalhar para ajudar nas contas da casa. Já o desenhista John Romita, que sempre foi uma influência marcante nas tramas do Homem-Aranha, também tinha esse senso prático da vida. Filho de imigrantes italianos, pobre, desde pequeno aprendeu o que era ter responsabilidade. Ambos tinham (têm) suas famílias para sustentar e sabiam da devida dimensão que as páginas impressas de um gibi poderiam alcançar. Quando era lugar-comum falar mal do comunismo, como todo mundo (inclusive, Stan Lee), o fizeram, mas quando as barbaridades cometidas no Vietnã vieram à tona (...). Além disso, com o amadurecimento da conscientização política... com o desencanto da juventude quanto aos ideais do American way of life... e com o surgimento da geração Flower Power, Lee percebeu – talvez, até de forma inconsciente – que não era tão fácil assim, explicitar algumas posições, até mesmo, para não entornar ainda mais o caldo. Enfim, a famosa frase de seu mais famoso personagem ressoou bem alto em seus ouvidos... Os heróis Marvel eram idolatrados pelas crianças, mas também pelos estudantes universitários. Teses e mais teses foram levantadas a respeito da psique do Hulk... sobre o comportamento social do Aranha... e visitas e excursões foram feitas à redação. Essas coisas jamais haviam acontecido antes, em qualquer época e com qualquer autor/editora. Portanto, não teriam acontecido se fossem simples leitura banal... se “elas” não estivessem realmente “alcançando” seus leitores. Muitos não devem saber, mas Lee (e demais membros da Marvel) era cobrado com certa constância para tomar uma posição, falar sobre “isso” ou “aquilo” em suas histórias e mesmo na famosa Bullpen Bulletin – a divertida página da redação. Existe até um Stan Soapbox emblemático (de 1968) em que Lee fala sobre a “real” posição política dele e da Marvel (reproduzido na íntegra no livro Quando Surgem os Super-Heróis). Eu sempre recomendo aos amigos a leitura dos textos originais de Lee (em inglês), pois, às vezes, na tradução para o português, o real significado dos trocadilhos (que Lee fazia com maestria inigualável) acaba se perdendo, devido à óbvia incompatibilidade lingüística. Todavia, há um caso bem interessante ocorrido ainda nos tempos da Ebal – Editora Brasil-América, no famoso “quebra” transmitido para o mundo todo entre o Homem de Ferro e o Homem de Titânio. Um militar soviético dizia mais ou menos assim: “Esta é a luta do bem contra o mal!” – sempre achei tal frase um absurdo, não só porque não achava que Capitalismo vs. Comunismo fosse uma luta do “Bem contra o mal”, mas também porque não podia acreditar que um russo admitisse em voz alta que ele pertencia ao “Mal”. Qual não foi minha surpresa (e alívio) ao ler a HQ original em inglês e constatar que tal frase não existia. Teria sido mero preconceito... um modo de agradar os censores da Ditadura... ou foi mesmo, uma simples falta de responsabilidade? |
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