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As histórias sobrenaturais de O Homem do Patuá
Por José Salles
26/05/2006

Uma das melhores sensações dos caçadores de gibis – além de encontrar por preço módico algum exemplar raríssimo, ou algum exemplar específico que nos complete uma coleção – é encontrar alguma preciosidade que, por qualquer motivo, nós não encontramos na época do lançamento nas bancas – seja porque tal revista jamais chegou a tal cidade, ou se na ocasião o título não interessasse, etc. Quanto a mim, cada vez mais envolvido na busca de informações sobre a trajetória das HQs no Brasil, não há nada mais enriquecedor do que se deparar com gibis deste tipo. Por isso, quando estou nos sebos, fuço pra valer, “derrubo” pilha por pilha, até o exemplar grudado no solo ou na prateleira.

Assim que me deparei com um gibizinho cuja capa destacava o título de O Homem do Patuá, olhei, olhei, e fiquei matutando “puxa, eu me lembro disso de algum lugar”. Então peguei a revistinha e comecei a folheá-la. O personagem principal estava logo na primeira história, em traços vigorosos. “Caramba, eu SEI que eu já li esta HQ antes!”, pensei, quase eufórico de tanta dúvida, certo de que minha memória já havia gravado aquelas imagens – ou imagens semelhantes àquelas que eu via no gibi do Homem do Patuá. Como o preço era uma mixaria, levei-o comigo e, após uma rápida pesquisa em casa, o mistério estava elucidado: eu não havia visto exatamente aquela HQ da revistinha, mas outras com este mesmo personagem, e este mesmo ilustrador, anteriormente na antológica revista Spektro, lançada ainda no final da década de 1970 pela Editora Vecchi – mais precisamente nos números 21, 22 e 24.

Este gibizinho que encontrei oculto nas prateleiras de uma livraria de usados é de julho de 1995, tendo sido editado pelo incansável Otacílio Assunção (t.c.c. Ota) – e quem pensa que Ota perdeu o gás é porque não conhece a atual (e muito boa) fase da versão brasileira da revista Mad pela Mythos Editora, com vários artistas nacionais. Outra curiosidade de O Homem do Patuá é ter sido lançado pela Ediouro, mais conhecida pelos lançamentos literários. Melhor ainda do que descobrir uma aventura inédita do Homem do Patuá foi perceber que este gibi (o sexto número do título Coleção Assombração) tem, dentre suas 52 páginas, algumas HQs que são preciosidades inestimáveis feitas por quadrinhistas brasileiros. E este é o número 6 desta coleção que eu sequer tinha idéia que existia. Não sei até que número durou, mas alegro-me em saber que existem ao menos outras 5 edições para conhecer. A aventura dos colecionadores não termina jamais...

Então vamos ao gibi: a primeira história, como eu já disse, é com O Homem do Patuá. Criado e ilustrado por Elmano Silva (t.c.c. Mano), ele é Silas Verdugo, um solitário viajante do agreste nordestino, trejeitos cool de mocinho de filme de bang-bang italiano, sempre envolvido em histórias sobrenaturais de extrema violência, homem que carrega consigo um medalhão que lhe fecha o corpo, protegendo-o de qualquer ameaça ou perigo (ainda não se sabe se foi o mesmo patuá que foi parar em Bruce Willis naquele filme). História que o autor (que já fazia parte do cast de colaboradores da revista) fez exclusivamente para esta edição. Silas, além de alguns jagunços folgados, vai enfrentar aquele que talvez seja seu pior inimigo: o mandingueiro Mané Ula, tão poderoso que tem como aliados dois tinhosos carniceiros. O quadro final, onde um alquebrado (porém altivo) Silas esconjura Mané, que foge após a derrota de seus demônios, é sinal inequívoco de que o vilão voltaria a dar as caras – e melhor que isso, esperança de uma nova aventura do Homem do Patuá – não sei se houve ou não nova HQ com este personagem, de qualquer forma foi mais uma notável criação que teve vida curta, só não esquecido graças à lembrança dos fãs, soterrado que foi pelos motivos que a gente está cansado de saber (e eu não vou me cansar de repetir): a força dos cartéis estrangeiros e o descaso de grande parte dos leitores de quadrinhos brasileiros para com artistas compatriotas.

Detalhe da arte de Allan para a HQ Coronel Síndico

Seguem pelo gibi HQs com alguns dos maiores mestres do quadrinho nacional: Fim de Noite é uma singela obra-de-arte em duas páginas, roteiro de Ota e traço de ninguém menos que Júlio Shimamoto, mostrando que nenhum demônio imaginado pelos homens pode ser mais horrendo do que a própria condição da desgraça humana; Coronel Síndico, escrita por Patati e ilustrada por Allan (a mesma dupla criadora de outro antológico personagem da HQ nacional, Nonô Jacaré, tipo inesquecível da revista Porrada Special), que contam uma história urbana de desejo, violência e vingança, no traço forte, realista e sensual de Allan. Em seguida, uma agradável curiosidade: após anunciar e informar o regulamento do Segundo Concurso de Roteiros de HQ, organizado pelo corpo diretivo da revista, mostra-se o roteiro vencedor do Primeiro Concurso – como se vê, um dos prêmios do roteiro ganhador seria tê-lo quadrinhizado por um dos artistas da equipe. E o roteiro campeão foi uma história chamada Visitas Regulares – assinada por Clarice Espectro (mas na página anterior ficamos sabendo que se trata de Lucimar Mutarelli – esposa e redentora de Lourenço Mutarelli, hoje consagrado autor de O Dobro de Cinco e O Rei do Ponto). Uma HQ realmente impressionante pelo realismo violento e dramático, sobre uma mocinha abusada sexualmente pelo pai e depois por um freak anormal, ilustrada sem inspiração por Flávio Colin.

O gibi se encerra com uma HQ curta de três páginas chamada A Estranha Menina, desenhada por Francisco Miller, feita a partir de relato da leitora Fernanda Biddu – e pelo que pude ver, era prática editorial da revista transformar relatos de leitores em HQs: a última página avisa que a próxima edição seria toda ela feita por histórias enviadas (inventadas ou não...) por leitores. A Spektro, a propósito, sempre trazia relatos de leitores quadrinhizados pela equipe da Vecchi.

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