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Por Gazy Andraus 03/03/2006 A História em Quadrinhos não é apenas um subgênero ou uma manifestação simplória, à sombra dos movimentos artísticos. A arte quadrinizada emprega uma estética sui generis, na qual os desenhos também têm dado origem a escolas artísticas, como a linha clara européia (franco-belga); o mangá e suas particularidades gráficas, originadas a partir de estéticas dos quadrinhos ocidentais; o claro-escuro das Histórias em Quadrinhos de faroeste e terror; além de outras, como a Fantasia-filosófica, cuja concepção e qualidades gráfico-narrativas tornam-se um experimento quase que exclusivamente do Brasil. A arte-pop, não apenas se apropriou de elementos da História em Quadrinhos e da indústria gráfica e publicitária, mas, inconscientemente talvez, percebeu uma força quase que intangível, mas de extremada expressão nas imagens da narrativa quadrinizada, sendo obrigada a reinserí-las, recriando-as em memoráveis trabalhos imagísticos e impactantes, como os quadros de Roy Lichtenstein. Mas isto tudo pressupunha a bidimensionalidade do papel e da tela. Porém, as tecnologias criadas pelo homem, deram novos rumos às ciências e às artes, e a Internet revolucionou os aspectos da comunicação humana, acelerando as informações e tornando-as mais instantâneas. O que se manifestava no papel, agora pode ser “lido” na tela do computador. E não precisaria sê-lo feita da mesma forma. Esta premissa trouxe novas modalidades de expressão e hibridizações, que, por serem extremamente novas, estão sendo batizadas provisoriamente por alguns estudiosos, como o fez Edgar Franco, em seu novo livro HQTrônicas: do suporte papel à rede Internet (Annablume e Fapesp, 2005). O autor do livro e também quadrinhista, explica na obra que as Histórias em Quadrinhos na Internet são manifestações típicas da evolução das linguagens, e que na tela sofrem “mutações”, já que a elas se aliam sons e ilusões de movimento, bem como adicionam-se novas possibilidades de leituras, rebatizando-as assim, de HQTrônicas. Se no exterior são conhecidas como E-comics (electronic comics), Franco, em sua dissertação de mestrado na área de multi-meios da Unicamp, da qual frutificou este referido livro, tratou de apropriadamente reconceituá-las de forma adaptada, no Brasil. Mas não foi só isso: ele estudou todos os outros conceitos desta chamada Nona Arte, e sua origem, desde os primórdios, até as primitivas tentativas de torná-las computadorizadas, como o experimento Shatter, de Mike Saenz, cuja premissa delineada pelo autor, era a de realizar os quadrinhos com as ferramentas do computador. Depois, outros vieram, como Crash, também de Saenz, com o herói protagonista Homem de Ferro, e Digital Justice, com Batman e o vírus de computador na forma do “Coringa”, de Pepe Moreno. Mas tais trabalhos apresentavam os quadrinhos construídos digitalmente e impressos apenas na bidimensionalidade do papel. Edgar aponta depois, os quadrinhos exclusivos ao meio do hipertexto, desde as experiências iniciais, como as elaboradas em 1980 no sistema francês Mini-Tel, precursor da Internet, às atuais, que incluem trabalhos de europeus como as obras em CD-Rom de Enki Bilal, e de brasileiros como Marcatti, além de sites nacionais e estrangeiros, como o brasileiro Cybercomix e o conceito de telas infinitas de Scott McCloud. Edgar enfileira também, trabalhos vinculados a jogos de realidade virtual, HQ elaboradas em programas 3-D, como Sacred Truth, e sites experimentais, com grande interatividade do leitor/navegador, como The tales of Captain Claybeard, bem como muitas outras criações e inovações. Além da pesquisa meticulosa acerca das Histórias em Quadrinhos desde suas origens, à sua instauração no suporte da Internet, Edgar Franco criou e conceitualizou duas Histórias em Quadrinhos autorais: Neomaso Prometeu (premiada em 2001 no 13º Videobrasil – Festival Internacional de arte Eletrônica), uma obra vertida ao computador, por ele concebida inicialmente como um fanzine impresso, e o universo de Ariadne e o labirinto pós-humano, ambos inseridos no que ele chama de “Aurora biocibertecnológica”, em que experimenta e explora os recursos de hipermídia que expõe em seu livro de quase trezentas páginas. Fechando a edição, encontra-se encartado um CD contendo os dois trabalhos e mais referenciais, de forma a ilustrar as teorias da pesquisa, coroando o trabalho de forma rica, contextualizada e completa. O livro, porém, longe de esgotar o assunto, que está engatinhando passo-a-passo com a própria evolução da Internet, cobre duas lacunas de forma necessária: expõe conceitos, elogios e críticas, auxiliando no abrandamento de ilusões e assombros descuidados, emitidos por fãs deslumbrados das novas tecnologias, esclarecendo acerca dos limites da própria Internet e seus recursos (até agora postulados), mas também abre discussões de possibilidades vindouras, que são prospectivas e podem vir a ser muito promissoras. Outro ponto principal que o livro contempla, e faz refletir, é a importância merecida das Histórias em Quadrinhos, como base de todo este estopim que é a navegação panvisual animada da Internet, devido mesmo à sua linguagem já híbrida por natureza (pois mescla o desenho à escrita) e que em realidade, remonta à própria origem da arte e dos quadrinhos, nas cavernas da aurora humana, quando os homens pré-históricos recriavam ali dentro a realidade externa, através de desenhos simulando caçadas e cenas cotidianas. Provavelmente, a aurora biocibertecnológica de que nos fala o autor, já estava aguardando como um germe, sua eclosão, nos primórdios daquela aurora hominídea. |
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