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Entrevista: Eduardo Pinto Barbier
Por Eloyr Pacheco
01/03/2006

O entrevistado é editor de La Bouche du Monde, a primeira (e única) publicação independente franco-brasileira que se atreveu a meter as caras no mercado de quadrinhos. Nosso contato foi por e-mail – trocamos muitos deles, até chegar na versão final desta entrevista que conta toda a história de A Boca no Mundo, que nasceu em Belém e depois rompeu as fronteiras da língua (aliás, nome do suplemento que Eduardo assina) para apresentar novos quadrinhistas ao mundo. Algumas palavras podem soar estranhas ao nosso vocabulário, mas foram mantidas assim para manter o “sotaque” da explanação de Eduardo. Boa leitura.

O primeiro número de La Bouche du Monde saiu em 1991, quando você ainda residia em Belém. Como foi que surgiu a idéia da publicação e como você a realizou?

Na época ela se chamava A Boca no Mundo, e foi o resultado da 1ª oficina de quadrinhos populares do centro cultural Casa da Linguagem, em Belém do Pará. Como toda oficina de quadrinhos, nós procuramos um nome que representasse a nossa vontade de poder se exprimir livremente, colocar a boca no mundo. E em dezembro de 1991 o número zero saiu com o apoio da Casa da Linguagem. Foi a minha primeira experiência de co-edição, essa idéia de trabalhar em comunidade é muito interessante, mesmo se cada um tem a sua própria visão de como editar. Foi graças a esse trabalho em conjunto que conseguimos as três primeiras capas em off-set, doada por uma gráfica, o papel do miolo veio de um sindicado e a diagramação foi feita por uma produtora (na época a diagramação era feita na tesoura, hehehe!).

No começo nós erramos... uma paleta de quadrinhistas de qualidade medíocre a bons, sendo que eu fazia parte dos medíocres… A editoração era feita a quatro cabeças, até o n° 2, e foi a partir do n° 3 que comecei a editar sozinho. Sendo que a Boca foi um dos primeiros fanzines a ser produzido em Belém. Junto com o grupo Ponto de Fuga e outros quadrinhistas e cartunistas criamos a AQC-PA, (que não existe mais) e foi o período na história do zine em Belém que houve a maior produção de fanzines, já que produzia alguns zines para os membros da AQC-PA, consegui uma xerox de graça.

Quando e por que você mudou para a França? O que você faz aí?

Vim aqui em 1993, parece que aqui eles sabem fazer um bom vinho… então me instalei na maior região produtora de vinho da França (hic!), deste então estou a degustar a produção local, quando acabar voltarei para Belém. (Risos). Foram os meus pais (sou franco-brasileiro) que pergutaram se eu queria vir passar um ano aqui na França… para conhecer o país d'Asterix e Obelix.

E depois de comer o pão que o diabo amassou, fui trabalhando, o que aparecia eu pegava. E agora estou trabalhando num cybercafé como responsável da comunicação e decoração. E com esse trabalho tenho tempo para me dedicar aos quadrinhos.

Houve um hiato no lançamento de La Bouche du Monde quando você foi para a Europa. O que houve e por que decidiu retomar a publicação?
 
Sim, em 1993 procurei a turma da Boca, para ver se eles poderiam continuar a editá-la, pelo menos por um ano, o tempo em que eu ficaria na França, mas como todos acharam que seria melhor acabar com a Boca, então decidi fazer um número especial de despedida, passando do 1/2 oficio para o ofício, com capa colorida e 36 páginas, como sempre sonhei em fazer…

E quando cheguei por aqui o choque foi mais duro do que eu pensava, passava de uma capital de um milhão de habitantes e da região amazônica, para uma cidadezinha de 200 habitantes numa região que só tem parreiras e pedras. Mesmo tendo uma cultura franco-brasileira, a França é muito diferente dos outros paises latinos da Europa. Eles são mais reservados.

Bom, fora isso, tive que aprender a língua francesa, e para me motivar já pensava na Boca no Mundo em francês, e a primeira coisa que traduzi foi o título que passou a ser La Bouche du Monde, no começo era engraçado, eu com o dicionário e a Boca no Mundo, fazendo a tradução. E foi assim que vi que fazer a tradução era mais complicado que isso. Mas como precisava comer, fui à luta. Conheci os tempos ruins sem ter quase nada para comer, sem emprego. O começo foi realmente cruel, pensando que só porque você está nas “zoropas tu não passas fome…” Mas, penso que fiquei aqui principalmente pela Boca, já que sabia que ninguém estava editando no Brasil, então não havia nenhuma razão para voltar…

E só em 1998 que a primeira versão chegou a ver o dia, um número simples, mas muito simbólico, no formato A5, capa colorida, com 28 páginas e o suplemento Língua. A capa da edição francesa era a mesma que a última brasileira, como um marco de transição. 

Quais são os critérios que você usa para reunir os artistas para a La Bouche du Monde? Como você mantém contato com os desenhistas brasileiros?

No começo a BduM era somente um zine franco-brasileiro, no formato A5 e com 28 páginas, capa colorida, um zine um pouco básico. Mas, com o tempo e as correspondências nós entramos em contato com outros países, graças ao trabalho do QI (obrigado Guimarães!). Como fiquei cinco anos parado tive que recomeçar os contatos, até hoje procuro um fulano aqui, outro aculá… mas sempre mantive o contato com o Marcelo Marat e o Paulo Emmanuel, entre outros. E com a curiosidade de ver o que os outros países fazem fui entrando em contato com Portugal, Cuba, Bélgica, Canadá, etc… e de franco-brasileiro viramos internacional. E foi assim que a BduM, passou a ser realmente uma boca no mundo.

O critério de seleção para a BduM, é de fazer uma paleta de estilos de quadrinhos, o meu gosto por quadrinhos é bem abrangente, vai do grafezine aos quadrinhos de super-heróis, passando pelos mangás e os quadrinhos europeus. E a BduM pode ser comparada como uma Animal ou uma Circo. Quadrinhos como os do Gazy Andraus ou do Edgar Franco não são apreciados por todos, mas o estilo do Sidney (miuzine), Allan Ledo, é bem mais fácil de ser aceito, então a astúcia é ter essa mistura de estilos que, de uma forma ou de outra, você vai gostar da Bouche.

Fora um francês que enviei a BduM #8 para ser “cronicada” e ele me respondeu que não gostou e que não iria “cronicá-la” porque preferia dar o espaço para uma edição que lhe interessava. Eu lhe respondi que compreendia e queria saber o que ele não gostava, ele respondeu que somente não gostou simplesmente. O que achei estranho é que entrava no estilo que era criticado no site e que tinha autores que além de estar na BduM estava em outros títulos do site. Claro que têm pessoas que não vão gostar de algo da Bouche, mas o que não gosto é esse tipo de pessoa que não se dá ao trabalho de ler e de compreender. A BduM também é conhecida pela Língua, a minha crônica sobre os zines e revistas que recebo ou que compro, e todos sabem que sou duro na “crônica”, mas sempre sou objetivo, e mesmo se um zine é malfeito o que ele deu de trabalho apenas para produzir, penso que devo divulgá-lo e com a minha crítica, ele pode se questionar para que o próximo número seja melhor. E a cada número da Bouche, o que peço em primeiro lugar aos colaboradores são as críticas deles, para avaliar a globalidade e ver o que errei. Penso que sou o mais crítico de todos, sempre procurando o melhor conceito.

Mas o que gosto mesmo são as HQs que falam da vida atual, ou a visão de como os brasileiros vêem o Brasil, histórias como as do Paulo Emmanuel ou o humor do Sidney ou do Amorim. Com os quadrinhistas brasileiros o contato é muito variado, posso dizer que 60% sou eu que entro em contado e o resto são eles que ouviram falar de mim em algum lugar ou um amigo que já foi publicado. Mas a maioria, agora é pelo e-mail, sai mais barato, é mais rápido e é certo de chegar, é verdade que às vezes demoro a responder, mas sempre que posso tento responder… Tem uns que às vezes perco de vista como o Paulo Emmanuel, e a gente se encontra um ou dois anos mais tarde… outros que não consigo entrar em contato como o editor da Nonarte ou o Wellington.

Mas quando comecei a preparar o número decidi entrar em contato com os quadrinhistas alemães e sem falar o alemão, nem inglês a coisa se complica um pouco. Mas consegui três quadrinhistas e escolhi um para esse número e também editei um quadrinhista argentino, o Pico, e por coincidência houve esse festival independente na Argentina, onde fomos convidados a participar. O que nos deu uma abertura na Argentina, e atualmente teve um estúdio de quadrinhistas do Mali que entrou em contato comigo (via internet). Ai é muita areia para o meu caminhãozinho. Mas bom… vamos ver o que vai dar…

Quais são seus planos para a La Bouche du Monde?

Bom, comecei a preparar o esboço da nova edição. Está quase completo, mas ainda não decidi ainda uns pontos, mas no momento ainda estou trabalhando na divulgação da n° 9. Quero aumentar o contato com a província do Québec ao Canadá. Eles têm muitos quadrinhistas interessantes com estilos muito diferentes do Brasil, e como eles falam francês é uma boa para mim. Do mesmo modo que quero publicar novos desenhistas argentinos e chilenos. Na Alemanha tem três quadrinhistas que quero ver na BduM, e continuar com o Armir (nosso primeiro quadrinhista alemão).

Com Cuba, vou ver se os outros do jornal humorístico Dedete vão querer participar desta edição. O Mali ainda é novo, estou esperando as pranchas para ver se corresponde a BduM. Na França tenho uns novos contatos para renovar, mas falta espaço.

O Brasil sempre foi o país que teve mais destaque sendo também o que tem mais colaboradores (normal), então a coisa fica mais delicada, tento publicar todos, mas mesmo se a próxima tiver 100 páginas ainda é pouco para tantos colaboradores. Mas não é por isso que parei de procurar novos quadrinhistas. Tenho aqueles fixos como o Marcelo Marat, Paulo Emmanuel, Sidney...  e outros que estão esperando para serem publicados, como o Gian Danton, M. Morte que não entraram no n° 9 por causa de espaço.

Fora isso, tem a revista da Doroti que estou trabalhando na tradução para ser lançada neste ano e as tiras da Maria, do Henrique Magalhães.

Pode falar um pouco mais sobre esses dois projetos?

O projeto Doroti - uma pessoa comum é um velho projeto que tenho com o Emir Ribeiro e o Alcíone, desde que vi a primeira versão que foi editada na Zat, falei com o Emir que gostaria de editá-la em francês. Mas na época teve certos acontecimentos que me deixaram três anos afastado do mundo dos quadrinhos. E, em 1994, quando voltei a editar a BduM (em 1993 editei o boletim Língua) retomei os velhos projetos que estavam na gaveta e para a minha maior surpresa Alcíone redesenhou toda a HQ. Como um bom vinho ele melhorou e penso que o resultado será muito bom e uma boa supresa para todos. Será a primeira criação de Emir na França, Doroti terá direito a revista própria nos moldes das revistas “yankes” para ser direcionada a esse público. Quero ver qual vão ser as críticas dos franceses para essa nova visão dos “comics”. Sei que o Emir não gosta que a gente utilize os termos norte-americanos, mas aqui é normal classificar todos os tipos de quadrinhos (BD franco-belga, mangá, manhwa, comics, etc...) Nós lançamos um concurso nos sites do Emir para escolher as melhores ilustrações dos leitores brasileiros. Atualmente estou trabalhando na tradução para o francês.

Outro projeto que quero realmente lançar é o Maria, la en rose, a personagem de Henrique será a primeira da série de tiras que serão publicadas nas duas línguas. É verdade que estou demorando muito com esses projetos, mas como já falei em outras entrevistas, faço quase tudo sozinho, então as coisas são mais difíceis para tudo... Mas agora que voltei do Festival de Angoulême estou realmente muito motivado para levar esses trabalhos para frente e quem sabe no ano que vem estarei com um “stand” representando o Brasil e os colaboradores da BduM e da Boca Productions.

E como está a aceitação e a distribuição da edição #9?

Olha, o pessoal alternativo francês recebeu muito bem a BduM e ficaram surpresos pela quantidade de fanzines produzidos e pela difusão no QI. Do lado dos leitores eles gostaram muito dos quadrinhos brasileiros e ficaram surpresos pela quadrinhização de certos quadrinhos que escolham a miséria como tema. Temos muitos leitores que são leitores de carteirinha. Os quadrinhistas profissionais são curiosos e gostaram muito da n° 9 e a volta no Festival de Angoulême. Tive muito boas impressões sobre este n°.  Sendo que no Festival de HQ de Colomiers tive o mesmo resultado. Em maio estarei como convidado no Festival du polar et de la BD de Port-Vendres, com direito a debates com os outros quadrinhistas e um “stand” para vendas.

No momento um dos grandes problemas da BduM é a distribuição, sendo uma produção independente sou eu que faço tudo e a distribuição fica por minha conta também, mas aos poucos estamos aumentando os pontos de vendas aqui na França, mas também estou procurando no Brasil, onde já temos a Marca de Fantasia e a book.com.br que já estão fazendo a divulgação e as vendas. Na Argentina a BduM esteve presente no Festival de Quadrinhos Independentes e no Canadá os autores que quando vão aos festivais nos dão uma ajudinha...

Agora este ano nós estaremos procurando a estabilidade e procuraremos as tais ajudas culturais francesas (a grana!). Para primeiro melhorar a qualidade gráfica e aumentar a quantidade da BduM para chegar a 1.000 e depois nós lançaremos nas “comixshops” francesas. E, depois, quem sabe poderemos começar a ser uma verdadeira editora e pagar os nossos colaborados. Mas, o objetivo principal é o de mostrar os quadrinhos brasileiros e quem sabe servir de ponte entre os dois países, mas sem esquecer dos outros países que participam na BduM.

Também estou tendo ajuda de outras pessoas como o franco-espanhol Xavier Grima, que me ajuda na correção do francês e outro que está chegando é o Caio Cesar Christiano, fizemos a volta em Agoulême e ele tem o seu blog e logo estará com a mão na massa.

Ah, também estou preparando um blog que é o //labouchedumonde.blogspot.com, logo estará com notícias em francês e português. Enquanto não tenho nenhum site este será o meio mais fácil de ver a nossa produção.

O Bigorna.net agradece a Eduardo Pinto Barbier pela entrevista, concedida em 1º de fevereiro de 2006.

 Veja também:

A capa de La Bouche du Monde #9

La Bouche du Monde #9 anunciada para dezembro

La Bouche du Monde #9 na RFI (Radio France International)

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