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Por Gazy Andraus 17/02/2006 A tendência crescente no Brasil, em se editar obras de Histórias em Quadrinhos nos formatos de livros, que por sua vez são vendidos em livrarias normais e especializadas, em detrimento às tradicionais revistas HQ, não é algo novo na Europa (especialmente na França e Bélgica). Mas esta ampliação e gradual modificação nacional, de poucos anos para cá, traz a possibilidade de se estudar as transformações que estão se operando na aceitação das Histórias em Quadrinhos, não mais como subprodutos de fácil assimilação, e portanto, "inúteis" e de "pouco conteúdo", para um objeto de igual valor literário e informacional aos livros (e inclusive e principalmente de abordagens adultas), guardadas as diferenças peculiares de linguagens entre ambos. Assim, o que falta, é um estudo mais apropriado destas distintas formas de informação, já que as Histórias em Quadrinhos se utilizam principalmente de imagens desenhadas em seqüência para informar. Ou seja: as informações se dão, não só pelos textos fonéticos, em sua maioria das vezes encontrados nesta linguagem, como também pelos traços dos desenhos, cujos estilos variam de autor para autor. E os desenhos são outros tipos de "grafias", que, somente agora, após a introdução dos estudos de atividades cerebrais por tomografias computadorizadas, poderão ser realmente compreendidos quanto a seu valor e modalidades de grau de informação. Uma das mais recentes obras lançadas no mercado livreiro, Hans Staden: um aventureiro no Novo Mundo (Editora Conrad, 2005, p&b, Formato 26,5 x 21 cm), de Jô Oliveira, exemplifica a relevância das Histórias em Quadrinhos como fonte informacional, no caso, de divulgação histórica, porém de uma forma muita bem fluida. A leitura desta arte seqüencial remete o leitor aos primórdios da colonização brasileira, citando vários locais que fazem parte da história, como a Vila de São Vicente, Itanhaém e o Rio de Janeiro. Mostra a problemática situação dos portugueses, em manter a posse das terras contra os holandeses, mas também a diplomacia forçada com os índios, especialmente com os antropofágicos Tupinambás. Hans Staden, o navegador alemão, feito prisioneiro desta tribo, usando sua inteligência e fé (aliadas à sorte), conseguiu manter-se vivo durante um tempo considerável, até sua fuga definitiva, para depois deixar o relato num livro que serviu como um documento importante retratando os tempos de outrora. Porém, a quadrinização de Jô Oliveira, como numa adaptação cinematográfica bem dirigida, é levada com extrema fluência narrativa. O leitor principia a correr as páginas do livro envolvendo-se definitivamente com a obra. Poucas histórias em quadrinhos conseguem tamanha fluência (os cinco volumes de Os Passageiros do Vento de François Bourgeon, infelizmente nunca publicados no Brasil, enquadram-se nesta categoria), e o autor, com maestria, leva a bom termo a proeza num trabalho impresso que, é importante frisar, já tem quinze anos de existência! Hans Staden, de Jô Oliveira, foi publicada primeiramente em capítulos na revista italiana Corto Maltese, enquanto que outros títulos de Oliveira também foram publicados em vários países europeus, como França, Alemanha, Dinamarca, e também México, Grécia e Argentina. Este atraso brasileiro, no caso da obra aqui em pauta, reflete principalmente a questão do desprezo que vinha na formação intelectual nacional, acerca do potencial das Histórias em Quadrinhos. Deve-se ressaltar, que um trabalho como este, não é apenas uma extensão da leitura de um livro, ou um subproduto paradidático, mas sim, um objeto cultural de elementos constitutivos únicos, e que atuam distintamente na mente do leitor, agregando outras informações que jamais existiriam nas leituras exclusivas da escrita fonetizada. Assim como um livro, sozinho, não pode encerrar e contemplar toda a informação necessária ao leitor, o álbum de quadrinhos igualmente não esgota o manancial informativo aos olhos do visualizador de suas páginas. Mas cada um destes dois objetos, interligados, podem ampliar e levar a formas distintas e complementares de entendimento, com dados que serão processados em conjunto na mente do leitor. O que resultará daí, é uma riqueza de interposições que ainda precisam ser estudadas pela ciência atual. Os desenhos de Jô Oliveira, por exemplo, remetem a um estilo similar ao proporcionado pela xilogravura, e também a um estilo figurativo "naif", sem deixar de ter suas proporções naturais e semi-caricaturizações próprias. Os traços são em preto e branco, realizados em nanquim, e possuem uma expressividade similar aos desenhos encontrados também nos livros de cordel. Todas essas qualidades direcionam-se ao leitor, incutindo nele seus atributos. Mas em muitos casos, uma alfabetização "icônica", como quer o pesquisador francês e defensor dos quadrinhos Thierry Groensteen, faz-se-ia necessária. Do contrário, todo o manancial que se encontra nas obras de quadrinhos (como esta em pauta), se torna pouco aproveitado. Hans Staden: um aventureiro no Novo Mundo, além de uma elaborada História em Quadrinhos séria, traz também um ilustrado posfácio do pesquisador e escritor Mustafá Yazbek, pontuando de forma didática a situação histórica vivida no Brasil do período retratado pela obra de Jô Oliveira, completando os graus de informação deste importante trabalho (enquanto que uma cronologia sucinta, abrangendo os anos de 1492 a 1580, fecha o álbum). Se as escolas e faculdades brasileiras querem mesmo se atualizar e melhorar suas propostas didáticas, está mais do que na hora de passarem a enxergar trabalhos como estes, utilizando-os completamente e de forma sui generis (não simplesmente como apêndices dos livros fonéticos). Afinal, o desenho acompanha desde antes da escrita a expressão humana, formatando e impingindo uma memória distinta na mente dos leitores, marcada por uma leitura icônica particular, fruitiva, e ainda quase que completamente passível de um entendimento mais aprofundado quanto à sua carga de influência cultural. |
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